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Condições dignas de trabalho para entregadores de aplicativo: é pedir muito?


Por Thaisa Toscano Tanus em 20/10/2023 - 10:45

Thaisa Toscano Tanus, advogada, autora e pesquisadora

Na semana passada, a 4ª turma do TRT da 2ª região condenou, por unanimidade, a empresa Rappi a anotar a CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social) de todos os entregadores que lhe prestam serviços. A decisão foi proferida em sede de recurso de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho, pela qual esses trabalhadores passariam a ter “carteira assinada”, sob a proteção de todos os direitos trabalhistas assegurados na CLT.

Tal fato não é isolado, visto que recentemente tem chegado aos tribunais pátrios e de todo o mundo inúmeras demandas questionando os direitos trabalhistas de entregadores e motoristasde aplicativos. E em grande parte dessas ações, o argumento principal e favorável aos trabalhadores é o enquadramento destes em todos os requisitos do artigo 3º da CLT: o conceito de empregado.

Segundo esse artigo, “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.O entendimento é que os trabalhadores de aplicativos cumprem todos os requisitos legais que caracterizam um vínculo empregatício: pessoalidade (impossibilidade de substituição por terceiro), não eventualidade (trabalho rotineiro), subordinação (o motorista é monitorado pela empresa) e onerosidade (o motorista recebe pelas entregas feitas no aplicativo).

No entanto, um estudo vinculado à Universidade de Oxford, publicado em 2022, mostrou que empresas de aplicativo como Rappi, iFood, Uber, 99, dentre outras do ramo não conseguiram comprovar padrões mínimos de trabalho decente para seus colaboradores. As plataformas foram avaliadas a partir de cinco eixos, com pontuação de 0 a 10: remuneração, condições de trabalho, contratos, gestão e representação. Segundo os resultados da pesquisa, a Rappi foi uma das empresas que sequer alcançou um ponto.

Paralelo a isso, dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostram que o número de trabalhadores do setor de delivery por aplicativos, entre 2016 a 2021, cresceu979,8%, ou seja, quase 1000% no Brasil, evidenciando um cenário de acelerada virtualização das relações de trabalho, impulsionada tanto pelo avanço tecnológico como pelos entraves causados pela pandemia da Covid-19. Um novo formato digital que não costuma esclarecer quais são os direitos desses trabalhadores, partes hipossuficientes em qualquer relação de emprego.

A realidade desses obreiros,quemuitas pessoas ainda nãopercebem, é que eles se submetem a condições precárias e até desumanas na execução de suas tarefas, enfrentando condições climáticas adversas (sol a pino, ondas de frio, tempestades, inundações) eperigos no trânsito, estando sujeitos a sérios riscos à saúde e integridade, tanto física quanto mental, e até mesmo à vida.

Tudo isso para conseguirem cumprir prazos e metas de entrega, alcançar uma renda decente e poderem ter uma vida minimamente digna, notadamente em um país de um povo preponderantemente pobre, ou extremamente pobre. Negar-lhes direitos trabalhistas mínimos, portanto, ofende pilares constitucionais fundamentais como a dignidade da pessoa humana e a valorização social do trabalho.

Afinal de contas, já parou para pensar que o entregador que chega na sua casa para matar sua fome também pode estar passando fome?