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Artigo | A resistência das mulheres e a sua interculturalidade


Por Redação em 09/08/2018 - 00:00

Foto: Internet |Letícia Scalabrini é militante feminista e estudante de Ciências Sociais na UFG. Foto: Divulgação

Letícia Scalabrini

Para nós mulheres a luta é cotidiana. Diariamente, enfrentamos os reflexos do preconceito, do racismo, do machismo, da homofobia e da xenofobia existentes em nossas sociedades. Estes reflexos são raízes do patriarcado e que frequentemente encontram novas formas de estar presentes nas diversas culturas sob um contexto da dominação masculina.

Uma forma desta perpetuação da dominação masculina é a violência simbólica, termo usado pelo sociólogo francês contemporâneo Pierre Bourdieu para descrever a disseminação sútil – e muitas vezes invisível – aos nossos olhos para a violência que colabora para a diferença entre corpos dominadores e corpos dominados em todas as instituições sociais.

Desta forma, é possível interpretar que as mulheres estão constantemente sujeitas a ações e práticas sociais que as colocam em situação de submissão, silenciamento, normatividade e como um ser passível de machismo. E há exemplos disso no mundo todo, quando o próprio Estado institucionaliza essas ações e práticas, como por exemplo, a criminalização parcial (dependendo de algumas exceções) ou total do aborto em diversos países do mundo está querendo dizer que as mulheres não capazes de decidir o que é melhor para si e que seu corpo é um objeto que pode ser manipulado para atender interesses de quem está no poder, não levam em conta que o aborto acontece diariamente com as mulheres sobre diversas circunstâncias e que a sua criminalização ameaça a saúde da mulher.

A Rússia possui uma lista com mais de 400 tipos de trabalho que as mulheres não podem exercer, sob o argumento de que certos tipos de trabalho ameaçam a saúde reprodutiva da mulher. E segundo a Organização Internacional do Trabalho, a porcentagem de mulheres na Duma (Câmara dos Deputados da Rússia) é de apenas 7,7%.

Mas também há exemplos de violência simbólica que se manifestam no nosso cotidiano, nas relações sociais: o assédio sexual nos transportes coletivos, a ideia de que uma mulher cisgênero deve buscar agradar os homens para não terminar a sua vida sozinha, a padronização imposta sob o corpo das mulheres como um ideal a ser seguido, a imposição religiosa sob a vestimenta das mulheres que dá margem para a cultura do estupro (é muito comum ouvir a frase “se estava usando roupa curta é porquê estava pedindo para ser estuprada”), entre diversos outros exemplos. Mas a luta das mulheres no mundo todo tem sido cada vez mais fortalecida e incansável, prova disso são os inúmeros exemplos de mulheres que lutaram e lutam pelo que acreditam superando barreiras da tradição patriarcal e machista.

“Mulheres vivem sujeitas a ações e práticas sociais que as colocam em situação de submissão, silenciamento, normatividade e como um ser passível de machismo.”

No Brasil, comportamentos misóginos ameaçam constantemente a vida das mulheres e isso tem se agravado cada vez mais devido a nossa conjuntura política. Neste mês de julho completou-se quatro meses do assassinato de Marielle Franco. Marielle era uma mulher, carioca, preta, bissexual, socióloga, ativista dos Direitos Humanos e a vereadora eleita pelo Rio de Janeiro – foi a quinta mais bem votada pelo RJ.

Frequentemente, encontramos dificuldades em nos posicionar e ter voz enquanto mulheres em locais que são comumente ocupados por homens. Marielle incomodava quem sempre esteve acostumado com privilégios e estar em locais de poder: em sua maioria homens brancos, velhos e heterossexuais. Marielle, enquanto representante política e ativista por uma sociedade mais justa e igualitária, foi silenciada, morta. Mas hoje é para mim, e para tantas outras pessoas que acreditam e lutam na nossa sociedade, um símbolo de resistência e de que nós mulheres somos, sim, agentes capazes de transformação social.

No Paquistão, Malala Yousafzai desde muito jovem lutava para que as meninas de seu país tivessem o acesso democrático à educação, já que este era um direito negado por intervencionistas e devido a própria tradição mulçumana naquele País. Em 2012, quando estava a caminho da escola onde estudava, sofreu um atentado terrorista e levou um tiro no rosto. Malala sobreviveu e ainda sim teve força e coragem para continuar a sua luta pela educação de meninas, ainda que fora do seu país. Escreveu um livro contado sua trajetória, conquistou em 2014 o Prêmio Nobel da Paz e hoje é uma inspiração para muitas mulheres no que tange à superação e esperança de que a educação pode, sim, mudar o mundo.

Letícia Scalabrini é
militante feminista e
estudante de Ciências Sociais
na UFG.
Foto: Divulgação

Recentemente, o Brasil foi o país escolhido por ela para ser sede de seus debates e ativismo, trazendo para nós, no auge de seus 21 anos de idade, a esperança da educação inclusiva e igual para todas e todos. Marielle e Malala são exemplos memoráveis de que a resistência feminista persiste e que as mulheres podem revolucionar o mundo e ser propulsoras de uma sociedade com menos desigualdade social e violência. É preciso reconhecer a importância dos movimentos sociais e da atuação da juventude para que isto ocorra, junto também aos setores populares de uma sociedade.

“As rosas da resistência nascem no asfalto. A gente recebe rosas, mas vamos estar com o punho cerrado falando de nossa existência contra os mandos e desmandos que afetam nossas vidas.” Marielle Franco (1979-2018)

 

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