A história dos partidos políticos no Brasil se confunde com os próprios caminhos — e descaminhos — da democracia nacional. Desde o Império até hoje, passando por rupturas autoritárias como a ditadura civil-militar de 1964, o funcionamento dos partidos sempre refletiu o grau de liberdade e maturidade do sistema político brasileiro. Durante os anos de chumbo, a atividade partidária foi duramente restringida, com o objetivo de suprimir o pluralismo político, sufocar a crítica e concentrar o poder. Por isso, é fundamental lembrar: partidos políticos deveriam ser pilares da democracia representativa, instrumentos de expressão de ideias, propostas e visões de mundo distintas.
Nas últimas décadas, porém, o sistema partidário brasileiro sofreu uma mutação preocupante. A proliferação de partidos sem identidade programática clara — hoje são mais de 30 com registro ativo — gerou enorme confusão ideológica. Muitos partidos surgiram não para representar segmentos da sociedade, mas como estruturas de aluguel político, úteis para negociar tempo de TV, receber fundos eleitorais e barganhar cargos. A consequência direta foi a diluição da confiança do eleitor e a transformação da política em negócio institucionalizado, onde a representação cede lugar à conveniência.
Esse ambiente criou o terreno fértil para o crescimento do centrão — um bloco político que não se orienta por ideias ou princípios, mas sim por interesses. A radicalização da política brasileira nos últimos anos, intensificada por uma estratégia deliberada de polarização, desfigurou ainda mais o papel dos partidos. Enquanto o debate público se empobreceu, muitos partidos passaram a operar como meras máquinas eleitorais financiadas por recursos públicos, sem compromisso com a sociedade, o país ou mesmo com suas siglas.
Hoje, para a maioria do eleitorado, há basicamente três ou quatro rótulos políticos: direita, esquerda, centro e centrão. Essa simplificação esconde contradições profundas — especialmente entre o centro democrático e o centrão, cuja diferença é fundamental para entender o cenário político brasileiro.
A direita costuma ser identificada com pautas conservadoras nos costumes, defesa do agronegócio, da economia liberal e de um Estado enxuto. A esquerda abraça bandeiras progressistas nos direitos individuais, justiça social e papel ativo do Estado no desenvolvimento. Entre os dois polos está o centro — ou melhor, dois centros bem distintos.
O centro democrático é formado por forças políticas moderadas, que acreditam na conciliação nacional e no diálogo institucional. São os sociais-democratas, que compreendem a importância de um Estado inclusivo e eficiente, valorizam a iniciativa privada, e defendem políticas públicas voltadas à redução das desigualdades. Apostam no debate de ideias, no fortalecimento das instituições e na estabilidade democrática.
Já o centrão é outra entidade: não é ideológico, é funcional. É um agrupamento de partidos e lideranças cuja atuação gira em torno do poder — não importa qual governo esteja no comando. Hoje aliados de um presidente, amanhã de outro, mudam de lado conforme os ventos políticos. Sua bússola é o acesso a cargos, verbas e vantagens. Na prática, operam como o braço político do lobby privado dentro do Estado. Representam o que há de mais corrosivo no sistema político: a institucionalização do fisiologismo.
A ascensão do bolsonarismo a partir de 2018 agravou esse cenário. Enquanto o centro democrático foi sendo enfraquecido, o centrão se fortaleceu como a verdadeira força dominante no Congresso Nacional. Foi pilar do governo Bolsonaro e, hoje, é base funcional do governo Lula. Controla a pauta legislativa e o orçamento da União, principalmente por meio das emendas de relator — o famigerado “orçamento secreto”. Trata-se de um poder formalizado, mas exercido sem transparência e sem projeto de país.
Esse modelo bloqueia qualquer tentativa real de reforma estrutural. A política virou um mercado de interesses imediatos, e o projeto de nação foi abandonado em troca de ganhos paroquiais. O país precisa, com urgência, reconstruir sua cultura democrática e restituir a função legítima dos partidos políticos. Isso passa por reconhecer que o problema não está apenas nos extremos ideológicos, mas também na prática amorfa e oportunista que o centrão representa.
É hora de resgatar o centro democrático como espaço de equilíbrio, planejamento estratégico e compromisso público. Isso não é isentismo ou neutralidade — é responsabilidade com o futuro. A superação da polarização não virá pela omissão, mas pela qualificação do debate político.
O Brasil precisa voltar a discutir seu futuro com seriedade. Construir uma agenda nacional que vá além das disputas pelo poder e incorpore o que há de melhor em diferentes correntes políticas: o realismo fiscal, a inovação econômica, a justiça social e o fortalecimento da democracia.
O país clama por equilíbrio, responsabilidade e visão de longo prazo. Mas isso só será possível quando a sociedade entender — e rejeitar — a diferença entre um centro que pensa o Brasil e um centrão que apenas negocia seu preço no balcão do poder.
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