skip to Main Content

Parecer criticado pelo MP é aprovado por advogados


Avatar Por Redação em 14/06/2021 - 00:00

Por Andréia Bahia

O deputado federal goiano João Campos (Republicanos) é relator na Câmara dos Deputados do projeto que altera o Código de Processo Penal (CPP). Ele apresentou, em abril, um parecer substituindo o primeiro texto apresentado por ele mesmo em 2018 e que incorpora cerca de 30 novas propostas apensadas ao projeto de lei nº 8045/2010, do Senado. No total, são 364 apensados.

O novo texto é controverso. Entre as alterações, a proposta de João Campos estabelece prazo de cinco anos para a efetivação do juiz das garantias, figura criada dentro do pacote anticrime, em 2019, e suspensa por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux; altera os prazos para as prisões preventivas e o tempo de defesa do réu, além de incluir a possibilidade de acordo de não persecução penal e o chamado julgamento antecipado, instrumento que reduz a pena.

Entre os maiores críticos do parecer estão os integrantes do Ministério Público (MP), que afirmam que o texto favorece a impunidade. De acordo com o promotor de Justiça e diretor da Escola Superior do MPGO, Adriano Godoy Firmino, o projeto apresenta muitos pontos obscuros e não garante o equilíbrio entre a tutela jurisdicional efetiva e as garantias fundamentais do acusado. “Na forma como está certamente não encontra este necessário equilíbrio do sistema que, em última análise, deve condenar o culpado e absolver o inocente, através do processo justo”, avalia.

Dentre os pontos que favorecem a impunidade, o promotor relaciona aqueles que dizem respeito ao Tribunal do Júri e destaca a necessidade de qualificar e modernizar a investigação criminal para reverter os dados sobre os crimes de homicídios, que, ano passado, chegaram a mais de 42 mil no país. “A imensa maioria desses casos sequer é esclarecida, cerca de 90% não se tem notícias da autoria”, observa.

Ele afirma que o projeto não altera a forma e métodos de investigação. “Uma investigação, pode-se dizer arcaica, cartorial e burocratizada, esse é um ponto muito relevante que precisa ser ressaltado”, afirma. Segundo ele, no texto, o inquérito policial está previsto praticamente da mesma forma que há 80 anos.

Ainda sobre o júri, Firmi­no detalha os pontos alterados no projeto que impactam no andamento do julgamento: “suprime-se a primeira fase de julgamento quando são coletadas provas perante o juiz para verificar se o caso deve ou não ser submetido ao julgamento pelos jurados no plenário. E impossibilita a utilização do uso de elementos informativos colhidos na fase policial em plenário. Assim, caso uma testemunha ouvida na investigação não comparece no dia do plenário do júri, suas declarações não poderiam ser levadas em conta pelos jurados. E esse não comparecimento muitas vezes ocorre em razão do medo e receio de represálias por parte de criminosos ou grupos organizados dos quais o acusado integra. Exige-se também que o veredicto seja unânime, o que contraria a tradição do nosso direito e o direito da maioria decidir. Esquece-se, portanto, das vítimas, o que não pode ser aceitável.”

De acordo com o promotor, há uma confusão técnica entre admissibilidade e valoração da prova indiciária. Segundo ele, o projeto, ao dizer que os indícios “podem contribuir” para a elucidação dos fatos, não se atenta para o entendimento consolidado que a prova indiciária pode ser utilizada para condenar, sobretudo nos casos complexos em que não há prova direta, como por exemplo a testemunha. “Os casos de corrupção, fatalmente, seriam afetados, uma vez que a comprovação dos fatos ocorre sobretudo pela utilização de indícios”, observa.

O promotor critica também os artigos do projeto que restringem o poder investigatório do MP, o que considera um “enorme retrocesso”. O artigo 19 do projeto prevê que a instituição poderá promover a investigação criminal quando houver fundado risco de ineficácia da elucidação dos fatos pela polícia, em razão de abuso do poder econômico ou político. “O que o STF decidiu em 2015, no projeto não vale mais, porque condiciona a investigação do Ministério Público somente quando houver fundado risco de a polícia não esclarecer os fatos com uma qualificação, o risco de ineficácia deve estar atrelado ao eventual abuso de poder econômico e político”, critica Firmino.

Segundo ele, o que se faz necessário é a regulamentação da investigação de forma clara, objetiva, seguindo métodos modernos e atuais para elucidação de fatos. “No Estado Democrático de Direito, quanto mais órgãos investigando, melhor, so­bre­tudo em um país em que os índices de crimes são alarmantes”, diz.

O promotor considera um contrassenso o investigado propor o acordo de não persecução penal ao MP, como prevê o projeto. Segundo ele, o acordo é uma conquista, que veio com o pacote anticrime em 2019, e deve ser analisado com muito cuidado pelo MP para oferecer àqueles que cometem crimes de média gravidade. “Na forma como previsto no projeto, passa a ser prerrogativa do investigado, o que, conforme inúmeras decisões do Supremo e a maioria da doutrina, é um enorme contrassenso”, avalia.

Na avaliação de Adriano Firmino, a mudança dos rumos da justiça criminal brasileira não se faz tão somente alterando as leis vigentes. “O que se faz necessário é uma tomada de posição sobre o tema sistema de justiça e segurança pública, que estão imbricados. Os atores do sistema, os membros do Congresso Nacional, sociedade, academia, dentre outros, deveriam tomar posição no sentido de debater com muita seriedade os rumos da justiça criminal brasileira e do controle da criminalidade”, afirma.

Para o advogado criminalista Rodrigo Lustosa, o PL 8045/2010, como toda lei ou projeto de lei, está sujeito a críticas positivas e negativas. “No entanto, ao que nos parece, o referido projeto representa um grande avanço para lei processual penal nacional, isso porque está ele, na imensa maioria de seus dispositivos, em consonância com a Constituição Federal”, afirma.

Segundo ele, o Código vigente atualmente – o Decreto-Lei nº 2.848, de 1940 – é de “inspiração fascista” e se submetia à lógica da Carta Constitucional de 1937, possuindo, por conseguinte, feições absolutamente autoritárias, incompatíveis com a ordem democrática de direito estabelecida a partir de 1988. “O projeto em questão incorpora importantes garantias constitucionais aos ritos processuais, além de lhes conferir melhor sistematização e organicidade”, avalia o advogado.

Para Lustosa, as críticas ao parecer do deputado João Campos partem de pessoas que são incapazes de compreender a lógica por trás de um sistema de justiça e para as quais “a consagração de valores constitucionais representa um retrocesso ou o incremento da impunidade”. Segundo ele, as críticas recorrentes são “de regras, lançadas por aqueles que, no fundo, se opõem à própria necessidade do processo e, não raras vezes, pensam a Justiça como um espaço de vingança”, afirma.

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *