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Salas mais interativas: o reflexo da lei que limita o uso de celulares

Desde fevereiro, o uso de celulares está proibido nas escolas públicas e privadas de Goiás. A medida já mudou a rotina de alunos, professores e até das famílias


Dhayane Marques Por Dhayane Marques em 02/06/2025 - 17:17

Celulares proibidos nas escolas: ganhos para todos (Foto: Reprodução/Consed)

Desde fevereiro deste ano, as escolas de Goiás passaram por uma transformação visível: os celulares, que antes eram presença constante nas mãos dos alunos — na sala, no pátio, nos intervalos e até nos banheiros, estão oficialmente proibidos. A decisão, baseada na Lei nº 15.100, mudou radicalmente a dinâmica escolar.

Se por um lado houve resistência de parte dos alunos, que alegam sentir falta da conexão constante, os efeitos começaram a aparecer rápido. Conversas cara a cara voltaram a ser comuns nos recreios, jogos de tabuleiro e brincadeiras tradicionais ressurgiram, e até a ansiedade coletiva parece ter dado uma trégua.

“A escola recuperou um clima que parecia perdido. Hoje os alunos interagem mais, conversam, brincam, estão menos dispersos. A ansiedade caiu, e o rendimento nas aulas melhorou visivelmente”, afirma Juliano Miranda, diretor de tecnologia da Escola Verum.

Na rede pública estadual, a Secretaria de Educação reforçou o uso de tecnologias pedagógicas como Chromebooks, tablets e plataformas digitais controladas, substituindo o celular por ferramentas focadas no aprendizado. “Não proibimos a tecnologia, apenas organizamos seu uso. A escola precisa ser um espaço de convivência, não de hiperconexão”, defende Vanessa de Almeida Carvalho, diretora de Política Educacional da Seduc-GO.

Mas nem todo mundo aprovou. Parte dos estudantes ainda tenta burlar as regras, e 57% relatam ter dificuldade em ficar longe das telas, segundo a pesquisa realizada pela organização Equidade.info em parceria com a Frente Parlamentar Mista da Educação. O estudo mostra também que 54% dos alunos brasileiros ainda usam celular em sala, mesmo após as restrições impostas por leis estaduais como a de Goiás.

Grupos de pais também se dividem: enquanto alguns apoiam, outros se preocupam com a comunicação com os filhos durante o período escolar. Ainda assim, dados do levantamento revelam que 75% dos estudantes alegam utilizar o aparelho para falar com a família, enquanto 45% assumem que usam majoritariamente para acessar redes sociais.

A presidente do Todos Pela Educação, Priscila Cruz, alerta: “O excesso de telas impactava todas as dimensões da aprendizagem: cognitiva, emocional, social e física. A restrição traz benefícios claros, mas precisa ser acompanhada de diálogo, inclusão e orientação digital.”

O governo estadual também ampliou as formações para professores, que agora usam mais as plataformas digitais oficiais e Inteligência Artificial para atividades como correções de redações e acompanhamento de desempenho.

Se a lei veio para ficar, ainda é cedo para dizer. Mas uma coisa é certa: desde que Goiás baniu os celulares das escolas, o silêncio das notificações abriu espaço para algo que parecia esquecido — a convivência real.

O que diz quem está dentro das escolas

Vanessa de Almeida Carvalho, diretora de Política Educacional da Seduc-GO, defende que a decisão de restringir celulares foi baseada em uma construção coletiva, ancorada em dados e nas queixas recorrentes dos próprios professores e famílias. “Nossos alunos estavam perdendo a capacidade de se relacionar. A escola, que deveria ser espaço de trocas humanas, estava se tornando um lugar de isolamento digital”, aponta. Ela explica que a restrição não é contra a tecnologia, mas contra o uso desordenado e sem propósito. “A tecnologia não saiu da escola. Hoje usamos Chromebooks, plataformas digitais, IA para redações, recursos para alunos com deficiência. A diferença é que agora a tecnologia serve à aprendizagem, e não à distração.”

Juliano Miranda, da Escola Verum, reforça que a mudança foi também um resgate da essência escolar. “Logo nos primeiros dias, vimos alunos olhando para os lados, sem saber o que fazer. Mas em pouco tempo, começaram a conversar, a brincar, a participar das atividades. E isso refletiu diretamente no desempenho acadêmico e no bem-estar socioemocional deles”, relata. Para ele, a experiência prova que o problema não era o celular em si, mas a falta de mediação no seu uso.

Tanto Vanessa quanto Juliano concordam que a transformação vai além de uma simples proibição. Trata-se de uma mudança de cultura, que exige da escola não só regras claras, mas também investimentos em formação docente, estrutura tecnológica adequada e, principalmente, um pacto com as famílias. “A escola não pode competir com o TikTok. Ela precisa oferecer experiências que façam sentido para os alunos. E isso é possível quando devolvemos a centralidade das relações humanas no processo de aprendizagem”, conclui Vanessa.

Goiás na era digital

A política de restrição ao uso de celulares nas escolas goianas não ocorre de forma isolada. Ela se apoia juridicamente na Lei nº 15.100/2025, regulamentada pelo Decreto nº 12.385/2025, que estabelece parâmetros claros: durante as aulas, recreios e intervalos, o uso de dispositivos eletrônicos portáteis de caráter pessoal está vetado em todas as etapas da educação básica. A norma dialoga com estados e municípios sobre práticas para limitar o uso de celulares no ambiente escolar, reforçando o papel da escola como espaço de aprendizagem ativa e socialização.

Por outro lado, o Governo de Goiás articula esse controle com investimentos em acessibilidade digital e inclusão. Ferramentas como GoEdu, Portal NetEscola, Canva e Piktochart não apenas ampliam as práticas pedagógicas, mas garantem que alunos — especialmente aqueles com baixa visão ou outras deficiências — tenham acesso a recursos acessíveis, com leitores de tela, legendagem e interfaces adaptáveis. Além disso, o programa “Conectar Goiás” assegura internet de alta velocidade nas escolas, reduzindo as desigualdades de acesso e possibilitando que a tecnologia, agora devidamente mediada, cumpra sua função pedagógica.

O investimento de R$ 150 milhões, destinado à expansão da entrega de Chromebooks para os alunos da rede estadual — agora incluindo também estudantes da 2ª série do Ensino Médio —, não se limita a uma estratégia de modernização. Trata-se de uma política pública que enfrenta diretamente o desafio da inclusão digital e educacional. A meta é clara: substituir o uso desordenado de celulares por ferramentas estruturadas, que favoreçam tanto a aprendizagem colaborativa quanto o acompanhamento das famílias, por meio de plataformas como o NetEscola. Assim, Goiás tenta construir um equilíbrio entre a disciplina no uso das tecnologias e a democratização real do acesso a elas.

Uma pesquisa nacional feita após a entrada em vigor da lei mostra que:

  • O uso dos celulares no ambiente escolar caiu, mas 54% dos alunos ainda tentam usar escondido na sala. 
  • Nos recreios e pátios, a tentativa de uso de celulares caiu 20%, mas não desapareceu. 
  • 40% dos professores relatam melhora no foco dos alunos. 
  • Alunos relatam menos estresse, mais conversas e mais participação nas atividades presenciais sem celulares.

 

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Dhayane Marques

Dhayane Marques é jornalista formada pela PUC-GO. Atualmente é Diretora de Programas da TV Pai Eterno e repórter no jornal Tribuna do Planalto e Tribuna de Anápolis, nas editorias de cidades, educação, economia, agro, diversão e arte.

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