A questão do perigo no trânsito envolvendo motociclistas entregadores de encomendas, no Brasil, reflete um problema multifatorial que abrange questões de infraestrutura, condições de trabalho, legislação, comportamento social, abandono e um capitalismo selvagem.
São várias causas do perigo no trânsito envolvendo motociclistas, em especial os entregadores de aplicativos, que demonstram comportamentos imprudentes no trânsito com condutas frequentemente observadas, geralmente cometidas por motociclistas entregadores vinculados a aplicativos.
Tais comportamentos vão desde altas velocidades nas vias urbanas, desrespeito a semáforos (prática recorrente para economizar tempo), circulação na contramão, infração grave que aumenta significativamente o risco de colisões e acidentes fatais colocando em risco inclusive a vida de outros motoristas e de pedestres; há também as ultrapassagens perigosas frequentemente realizadas entre veículos ou em locais proibidos, além de trafegarem entre os veículos, pratica permitida pelo código de trânsito brasileiro, porém devendo obedecer distâncias mínimas de segurança laterais e frontais, sendo vedado a ultrapassagem pela direita, algo que se tornou comum em nosso trânsito.
Os fatores que aumentam os riscos de acidentes com motociclistas entregadores incluem a pressão por produtividade, eis que cada vez mais as plataformas de entrega impõem metas de tempo irreais, incentivando a alta velocidade, pratica vedada pela lei; outro fator de aumento dos riscos é a forma de remuneração, geralmente proporcional à quantidade de entregas realizadas, levando ao aumento do ritmo de trabalho.
Nesse contexto, a Lei nº 12.436, de 6 de julho de 2011, veda práticas que estimulem o aumento da velocidade por motociclistas profissionais, que parece esquecida por nossos governantes. Essa legislação proíbe o oferecimento de vantagens financeiras ou prêmios relacionados ao cumprimento de metas que incentivem a velocidade excessiva, tendo em vista o alto risco de acidentes e infrações decorrentes dessa conduta.
As condições de trabalho precarizadas também são fatores importantes, eis que a ausência de vínculo empregatício, posto que, a maioria dos entregadores trabalham como autônomos, sem acesso a benefícios como seguro saúde ou auxílio em caso de acidentes.
A jornada extensa, afim de alcançar uma renda mínima, leva a longos períodos de trabalho, contribuindo para a fadiga e a propensão a falhas e a acidentes; a falta de campanhas educativas voltadas especificamente para esse problema, que está se tornando um caos no Brasil, demonstra o descaso dos governantes, que nada faz e descaso da sociedade, que não cobra dos líderes políticos e assiste passiva tal situação, muitas vezes se beneficiando dela.
A falta de treinamento específico para a função é fato, posto que deveria ser obrigatório o curso de direção defensiva como pré-requisito para ingressar nessas plataformas, algo que soa como surreal atualmente, eis que totalmente desvinculados da atividade produtiva interna dos Fast Foods que por temerem a subordinação, elemento caracterizador do vínculo de emprego, não observam tais circunstâncias, não cobram e não advertem sobre práticas seguras de direção.
A infraestrutura urbana, com vias mal planejadas, a falta de ciclovias e corredores exclusivos para motocicletas, aumenta o risco de acidentes; a sinalização deficiente e/ou inexistente em alguns casos, agravam a insegurança nas vias e contribuem para o aumento de eventos danosos no trânsito.
Há, dessa forma consequências para o trânsito, para as cidades e para a economia, pois segundo o Ministério da Saúde, só em 2023, mais de 1,2 milhão de pessoas foram hospitalizadas em decorrência de acidentes envolvendo motocicletas. Esse número representa um aumento de 32% nos últimos dez anos, evidenciando a gravidade do problema.
A Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) informou que, entre março de 2020 e julho de 2021, 54% das internações de pessoas em decorrência de sinistros de trânsito no SUS foram por acidentes de moto e em 2020 os motociclistas foram responsáveis por 79% dos pedidos de indenização do DPVAT, número considerado muito alto.
No Brasil em 2020 (último ano da realização da pesquisa sobre o trânsito e seus impactos econômicos e sociais), mostrou que foram mais de 190 mil internações nos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) e hospitais conveniados, destas 61,6% eram de motociclistas.
Em relação à mortalidade foi a primeira causa na faixa de 5 a 14 anos, e a segunda nas faixas de 15 a 39 anos, no total de 32.716 óbitos observados na pesquisa, sendo que 36,7% eram motociclistas. O Estudo estimou o custo para a sociedade de cerca de R$ 30,8 bilhões por ano com acidentes de trânsito envolvendo motociclistas, a maior parte deste custo relativo é da perda de produção das vítimas seguido pelos custos hospitalares.
Os motociclistas são envolvidos em lesões de trânsito com consequências mais graves, que para além dos custos hospitalares, o maior valor estimado é referente à perda de produção das pessoas (o estudo revela que 41,2% das vitimas de trânsito envolvendo motocilistas com resultado morte ou incapacidade, ocorre na faixa etária de 15 a 39 anos), fator que causa o empobrecimento das famílias, desequilibrio socio-cultural e altos custos, que ao fim e ao cabo recaem sobre a Previdência Social.
O aumento de acidentes envolvendo motociclistas estão entre os principais fatores de sobrecarga do sistema de saúde, sendo que o elevado número de hospitalizações gera custos significativos para o sistema público de saúde. Há também o impacto social e econômico, posto que os acidentes com motociclistas, na maioria das vezes causam lesões permanentes e podem levar à morte ou à perda de capacidade laboral, impactando famílias e aumentando a dependência de programas sociais.
Implementar medidas para redução do perigo na atividade dos motociclistas, a fim de mitigar os riscos são necessárias e urgentes e vão desde fiscalização e regulamentação, campanhas educativas, vistorias nas motocicletas, reforço na fiscalização de infrações cometidas por motociclistas, sistemas de trânsito dotados de capacidade de fiscalização eletrônica e ainda aplicação efetiva da Lei nº 12.436/2011, responsabilizando empresas e plataformas que incentivem práticas perigosas.
Nada impede que se crie regulamentações específicas para plataformas de entrega, incluindo limites de jornada e prazos mínimos para entregas, campanhas educativas voltadas para motociclistas e motoristas de veículos, incentivo à participação em cursos de direção defensiva, melhoria da infraestrutura, construção de vias exclusivas para motociclistas e ciclistas, revisão e atualização da sinalização de trânsito.
As políticas trabalhistas podem e DEVEM ser pensadas e implementadas, sem se cogitar em contratações formais, mas que garantam benefícios mínimos para entregadores, tais como exigência de contribuição com a Previdência, estabelecimento de seguros obrigatórios para cobrir acidentes de trabalho, sinalização refletiva de segurança nas motos e uniformes de trabalho são exemplos simples e práticos.
Há uma relevância jurídica a ser abordada, pois do ponto de vista jurídico, a responsabilização em casos de acidentes envolvendo entregadores pode recair logicamente sobre os próprios motociclistas, em caso de imprudência ou infração, sobre as empresas/plataformas de entrega, caso fique demonstrado que suas políticas contribuíram para o risco (responsabilidade objetiva ou subjetiva, conforme o caso) ou que ficaram passivas na elaboração e implementação de práticas saudáveis e seguras e pode essa responsabilidade recair inclusive sobre o poder público, em situações de omissão em relação à infraestrutura, fiscalização ou regulamentação.
As constatações oculares no dia-a-dia e os dados estatísticos reforçam a urgência de uma abordagem integrada, envolvendo o poder público em suas esferas legislativa, executiva e judiciária, o setor privado e a sociedade civil, a fim de equilibrar as demandas de eficiência no setor de entregas e a atividade econômica produtiva e necessária com a segurança no trânsito e preservação da vida.