O Brasil está revivendo dias amargos ao se deparar com as notícias de tentativa frustrada de ruptura constitucional e da ordem democrática de poder, fatos esses noticiados, abordados e já amplamente noticiados por meio do Inquérito 2023.0050897 da Polícia Federal, que, em substanciosa investigação, apurou preparativos e execuções de medidas para o fim buscado.
Tal documento, que ainda merece ser analisado sob o prisma da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, institutos que seriam simplesmente banidos da ordem constitucional caso a tentativa de golpe tivesse sido exitosa, permanecem à disposição do TODOS, graças à nossa Constituição, que DEVE ser preservada.
Em passado recente, o Brasil enfrentou um golpe militar, que resultou em 21 anos de ditadura, naquela madrugada de 31 de março de 1964, o golpe foi deflagrado e antes mesmo de Jango deixar o país, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, já havia declarado vaga a presidência da República. O presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assumiu interinamente a Presidência, conforme previsto na Constituição de 1946, e como já ocorrera em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros.
O poder real, no entanto, encontrava-se em mãos militares. No dia 2 de abril, foi organizado o autodenominado “Comando Supremo da Revolução”, composto por três membros: o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo (Aeronáutica), o vice-almirante Augusto Rademaker (Marinha) e o general Artur da Costa e Silva, representante do Exército e homem-forte do triunvirato. Essa junta permaneceria no poder por duas semanas.
Nos primeiros dias após o golpe, uma violenta repressão atingiu os setores politicamente mais mobilizados à esquerda no espectro político, como, por exemplo, o CGT, a União Nacional dos Estudantes (UNE), as Ligas Camponesas e grupos católicos como a Juventude Universitária Católica (JUC) e a Ação Popular (AP). Milhares de pessoas foram presas de modo irregular e a ocorrência de casos de tortura foi comum, especialmente no Nordeste. O líder comunista Gregório Bezerra, por exemplo, foi amarrado e arrastado pelas ruas de Recife.
O golpe militar de 1964 no Brasil é um evento histórico complexo que resultou na destituição do presidente João Goulart e na implantação de uma ditadura militar que durou até 1985. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) teve um papel ambíguo durante esse período.
No contexto do golpe, diversos setores da sociedade brasileira, incluindo a OAB, inicialmente apoiaram a intervenção militar, alegando que o país estava à beira do comunismo e que a medida era necessária para restaurar a ordem. Apesar desse apoio inicial, a OAB e outros grupos começaram a criticar a repressão política e as violações dos direitos humanos que ocorreram sob o regime militar.
Com o passar do tempo, a OAB se posicionou contra as arbitrariedades e a falta de garantias democráticas, lutando pela redemocratização do país e pelo ressarcimento dos direitos dos perseguidos políticos. Em 1979, a OAB se tornou um importante defensor da anistia e da recuperação dos direitos civis.
O papel da OAB no golpe e durante a ditadura militar revela a tensão entre as preocupações com a ordem pública e a defesa dos direitos humanos, refletindo um período de intensas mudanças sociais e políticas no Brasil.
Durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985), vários advogados se destacaram por sua atuação na defesa dos direitos humanos, na luta contra a repressão e pelo fortalecimento do Estado de Direito. Podemos citar Hélio Bicudo, que teve como ponto alto de sua trajetória o combate aos esquadrões da morte, como promotor do Ministério Público de São Paulo, no fim dos anos de 1960. Esses esquadrões eram grupos compostos por policiais que, à margem da lei, torturavam e executavam pessoas que considerassem suspeitas nas periferias do Rio de Janeiro e São Paulo.
Em agosto de 1970, o então promotor iniciou o processo que levou ao indiciamento de 35 pessoas. Só seis foram condenados, mas vieram à tona informações relevantes sobre a atuação desses grupos, como o fato de que traficantes de São Paulo se beneficiavam das execuções.
Apesar da atuação destacada no combate aos grupos paramilitares, Bicudo foi retirado das investigações em 1971, por ordem do Procurador-Geral de Justiça. Documentos inéditos da Agência Central do Serviço Nacional de Informações (SNI), principal órgão de espionagem do governo militar, revelaram que seu afastamento foi ordenado pela cúpula do regime militar, Bicudo morreu aos 96 anos.
Outro ícone de resistência ao regime militar foi Heráclito Fontoura Sobral Pinto ou apenas Sobral Pinto, um dos mais renomados advogados da época. Sobral Pinto foi um defensor fervoroso dos direitos humanos e atuou em casos emblemáticos de defesa de presos políticos. Sua postura crítica em relação ao regime o tornou uma figura respeitada e admirada. Em uma de suas mais impactantes frases ele afirma que “A advocacia não é profissão para covardes”.
Esses advogados, entre muitos outros, desempenharam um papel crucial na proteção dos direitos humanos e na resistência ao autoritarismo, contribuindo para a reconstrução democrática do Brasil após o fim do regime militar. Além de seus esforços individuais, muitos deles também integraram grupos e comissões que lutavam pela defesa dos direitos dos cidadãos e pela anistia dos perseguidos políticos.
A resistência contra o regime militar no Brasil, que se estendeu de 1964 até 1985, foi um período marcado por intensas lutas, sacrifícios e um profundo anseio por liberdade e democracia. Durante esses anos de repressão severa, censura rigorosa e sistemáticas violações dos direitos humanos, muitas vozes se levantaram em um esforço coletivo para desafiar a opressão.
Os movimentos sociais, que incluíam estudantes, artistas, intelectuais e diversos cidadãos comprometidos com a causa da liberdade, desempenharam um papel fundamental nesse cenário. A coragem e determinação desses movimentos foram essenciais para mobilizar a população e criar um ambiente propício à resistência. Essa luta incansável culminou na redemocratização do Brasil, um processo que trouxe ao cenário nacional importantes avanços sociais e políticos.
A promulgação da Constituição de 1988, por exemplo, representou um marco significativo na história brasileira, na medida em que estabeleceu direitos fundamentais e solidificou os princípios democráticos. Esse documento não apenas refletiu os anseios da sociedade, mas também simbolizou a superação de um período sombrio.
Os relatos de atos preparatórios para a tentativa frustrada de golpe vão desde a intenção de assassinar pessoas politicamente importantes, como também minar a confiança em instituições democráticas e insuflar cidadãos que foram usados por esse plano macabro.
As informações demonstram a obtusidade e amadorismo dos projetistas golpistas e demonstram a covardia de alguns, que ao perceberem o iminente fracasso da tentativa, deixaram órfãos centenas de apoiadores, cidadãos comuns que compraram a errônea ideia de rompimento constitucional, e deixaram o país às pressas.
Porém, esse amadorismo e obtusidade não devem servir de parâmetro para amenizar as necessárias e urgentes reprimendas ao rigor da lei, sempre observando os mais importantes institutos à disposição de todos brasileiros: o devido processo legal que contempla a ampla defesa e o contraditório.
Lembrar e reconhecer os eventos do regime militar, período histórico, é de suma importância, não apenas para prestar homenagem ao sofrimento e à luta de tantos que se opuseram ao regime, mas também para assegurar que os erros do passado não se repitam. A memória histórica ocupa um papel vital na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, promovendo a defesa dos direitos humanos e a valorização da democracia, e, desses legados, não podemos nos esquecer.
Somente assim, poderemos bradar que as lutas contra o regime militar não foram em vão; elas constituíram uma parte essencial da identidade nacional e da trajetória do Brasil, servindo como um lembrete constante da relevância da participação cidadã na defesa da liberdade, da ordem democrática e da liberdade de expressão, direito de todos. Por isso, não podemos deixar que outro golpe militar seja inaugurado no Brasil, pois sabemos das atrocidades vividas na época e hoje a nossa Constituição Federal deve prevalecer para se fazer cumprir a ordem democrática de direito.