Esta semana lembramos com pesar dos fatos ocorridos há dois anos, no dia 8 de Janeiro, fatos estes hoje desnudados e que nos chamam à urgentes reflexões sobre a Justiça, a Democracia e as controvérsias jurídicas no Brasil.
Ao completarem-se dois anos do fatídico 8 de Janeiro, o Brasil revisita um dos episódios mais graves de sua história democrática. Naquele dia, milhares de manifestantes invadiram e vandalizaram os prédios do Supremo Tribunal Federal (STF), do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto, numa ação que chocou o país e o mundo.
No Congresso Nacional, mobílias foram destruídas, documentos de valor histórico foram queimados e a cúpula do prédio, arrombada. No Palácio do Planalto, quadros de artistas renomados, como Di Cavalcanti, foram rasgados, e equipamentos de trabalho da Presidência, vandalizados. No Supremo Tribunal Federal, os invasores quebraram janelas, danificaram obras de arte e atacaram os gabinetes dos Ministros.
Os Ataques, que foram classificados como atentados ao Estado Democrático de Direito, estiveram longe de serem considerados como manifestações pacíficas, mas sim uma tentativa deliberada de subverter a ordem constitucional, isso é fato histórico e nada pode mudar essa lógica.
Os atos, amplamente divulgados e filmados, causaram repercussões Internacionais e a resposta da comunidade internacional foi imediata. Líderes de todo o mundo condenaram os atos, demonstrando solidariedade às instituições democráticas brasileiras.
A Organização das Nações Unidas -ONU e a Organização dos Estados Americanos – OEA alertaram para a necessidade de se proteger o Estado de Direito. O episódio foi amplamente comparado à invasão do Capitólio nos Estados Unidos, em janeiro de 2021, o que reforçou o alerta global contra extremismos políticos.
Os desdobramentos políticos internos, dado o momento já tenso com a eleição do ex-presidente Lula, aprofundou a polarização política no Brasil e desnudou a fragilidade da nossa jovem democracia.
O Governo Federal adotou medidas para reforçar a segurança em Brasília e iniciou uma ampla investigação para identificar os responsáveis pelos atos, incluindo seus financiadores e incitadores, algo que se deve elogiar.
Mas, não se pode fechar os olhos e calar-se para a crise institucional que se seguiu a partir dos graves atos, eis que as ações de vandalismo, foram também palco de críticas ao STF, acusado de extrapolar suas competências ao assumir papéis de verdadeiro legislador, demonstrando ativismo judicial, em franca investida aos poderes legislativos e executivo, fatos que remetem aos anos de 2021 e 2022.
O Supremo Tribunal Federal tomou para si as dores das ofensas do 8 de janeiro, das críticas e dos atos de vandalismo e se travestiu no de papel investigativo, de julgador e de sentenciante, em violação ao princípio do juiz natural, em detrimento à ampla defesa, ao contraditório e à presunção de inocência.
O Inquérito do STF, que apura/investiga os atos do dia 8 de janeiro, está recheado de controvérsias jurídicas, detém aspectos polêmicos e os desdobramentos que foram amplamente criticado por especialistas jurídicos em vários sentidos.
A Constituição Federal – CF, em seu artigo 129, inciso I, determina a competência privativa do Ministério Público para promover a ação penal pública e que caberá ao juiz o papel de proteger as liberdades e garantias fundamentais, firmando sua convicção por meio da livre apreciação de provas, sendo vedado fundamentar suas decisões em elementos de informação, de acordo com o artigo 155 do Código de Processo Penal.
Ficou latente a falta de Ampla Defesa no Inquérito instaurado pelo STF, eis que os investigados foram julgados diretamente pela Suprema Corte, sem possibilidade de recorrer às instâncias superiores, fato que levantou questionamentos sobre a garantia ao devido processo legal e do duplo grau de jurisdição.
Há claro conflito de competência, posto que o STF acumulou funções de investigador, acusador e julgador, gerando críticas de juristas e entidades de direitos humanos, que apontaram possível violação aos direitos fundamentais, o que gera patente inconstitucionalidade, uma vez que houve violação de diversos princípios constitucionais como, por exemplo, o sistema acusatório, artigo 129, I, CF, do Juiz Natural, artigo 5º, inciso LII da CF e a vedação de criação de juízo ou tribunal de exceção, conforme artigo 5º, inciso XXXVII da CF.
As teratológicas decisões judiciais e severas punições – até o momento, o STF condenou 375 réus por crimes como associação criminosa armada, golpe de Estado e dano ao patrimônio público – desnudam penas que variam entre 5 e 17 anos de prisão, com multas milionárias. No entanto, a condução do processo gerou debates acirrados sobre o equilíbrio entre punição exemplar e respeito às garantias constitucionais.
Entre exemplos dessas penas está a catarinense Maria de Fátima Mendonça Jacinto, a “Fátima de Tubarão”, que possui uma das maiores penas entre os condenados pelos crimes de 8 de janeiro de 2023. Ela foi condenada a 17 anos de prisão por cinco crimes e começou a cumprir a pena em novembro de 2024 em regime inicial fechado, porém está presa desde janeiro de 2023. Em vídeos gravados na época, ela dizia que estava “quebrando tudo” e que iria “pegar o Xandão”.
Ao afrontar princípios constitucionais, o STF mostra com clareza e desnuda a fragilidade da nossa jovem democracia, eis que em nome de uma causa, justa do ponto de vista da necessária punição dos envolvidos nos ataques do dia 08 de janeiro, fere princípios que são basilares da democracia, e isso é perigoso.
A interpretação casuística e seletiva de princípios constitucionais representa um perigo significativo para o Estado Democrático de Direito. Quando princípios fundamentais, como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, são moldados conforme conveniências momentâneas, abre-se margem para subjetividades que comprometem a previsibilidade do sistema jurídico.
Uma democracia saudável exige que as leis sejam aplicadas de maneira uniforme, sem discriminações ou privilégios. A seletividade na interpretação pode gerar distorções e causar insegurança jurídica. Quando não há clareza nas normas ou estas são aplicadas subjetivamente, conforme o julgador e a ocasião, os cidadãos e as instituições perdem a confiança no ordenamento jurídico.
A desigualdade de tratamento aliada à flexibilidade excessiva permite decisões distintas para casos semelhantes, violando o princípio da isonomia.
Questiona-se o Papel do Judiciário, ele é Guardião ou Protagonista? Embora seja função do Poder Judiciário interpretar a Constituição, sua atuação deve se limitar a proteger os valores nela consagrados, sem avançar sobre competências dos demais Poderes. O ativismo judicial, quando extrapola sua função, pode subverter o equilíbrio entre os Poderes, afastando-se da essência democrática.
A História nos revela lições sobre a fragilidade das democracias quando aceitam a aplicação seletiva e subjetiva das leis e nessa fase abre precedentes perigosos. Regimes autoritários, muitas vezes, nascem do enfraquecimento gradual de instituições democráticas, promovido por interpretações jurídicas que favorecem determinados grupos em detrimento do coletivo.
O fortalecimento da democracia depende da aplicação imparcial e uniforme das leis, que devem servir como balizas para todos, independentemente de circunstâncias ou atores. Somente com um Judiciário que atue de forma objetiva e impessoal será possível preservar o Estado de Direito e garantir a sobrevivência das instituições democráticas.
O dia 8 de janeiro de 2023 marcou uma ruptura simbólica na história brasileira, revelando fragilidades institucionais, políticas e sociais. Enquanto a resposta dura do Estado tenta reforçar o compromisso com a democracia, as controvérsias jurídicas evidenciam desafios a serem enfrentados.
Mais do que recordar a data, é imperativo que a sociedade reflita sobre os caminhos para fortalecer a democracia, garantindo segurança institucional e jurídica, além de respeito aos direitos fundamentais. Afinal, não há espaço para ataques às instituições, mas também não pode haver justificativas para a relativização das garantias constitucionais. A reconstrução do pacto democrático passa por justiça equilibrada, diálogo e compromisso com o futuro do país.