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Do rito às propostas, projeto contraria o Estatuto das Cidades


Avatar Por Redação em 21/12/2021 - 00:00

Foto: MP-GO

Andréia Bahia 

A relatora do projeto de revisão do Plano Diretor de Goiânia, vereadora Sabrina Garcez, pretende cumprir o cronograma definido pelo presidente da Comissão Mista, vereador Cabo Sena, e apresentar o relatório do Projeto de Lei 23 na segunda-feira, 20. A Câmara quer votar o projeto ainda este ano, apesar de o Ministério Público de Goiás (MP-GO) ter, no dia 7 de dezembro, recomendado a suspensão da tramitação do projeto, recomendação que não foi acatada pela Presidência da Casa, e, dia 15, entrado na Justiça com Ação Civil Pública, pedindo a “ imediata suspensão do procedimento de revisão do Plano Diretor de Goiânia”. 

Uma das controvérsias que envolvem o PL 23 está relacionada a um eventual descumprimento do rito de tramitação do projeto, que teria restringido a participação popular na discussão do texto. Esse é o objeto da ação impetrada pela promotora Alice de Almeida Freire, que, segundo seu teor, visa “garantira ampla participação popular e a transparência, por meio da realização de audiências públicas noticiadas com no mínimo 15 (quinze) dias de antecedência da data de sua realização, com a equivalente divulgação dos materiais e estudos relativos aos assuntos que serão nelas tratados”. 

O PL 23 foi reenviado à Câmara no último dia 30 e, com ampla maioria na Câmara dos Vereadores, o Executivo tem expectativas de aprovar o texto até o fim do ano legislativo. A matéria entrou em pauta no último dia 7, quando foram agendadas três audiências públicas para os dias 10, 13 e 15 de dezembro. 

Logo na primeira audiência, as entidades de arquitetura e urbanismo e associações de moradores questionaram o descumprimento dos prazos e a tramitação acelerada do projeto. De acordo com o artigo 4, inciso II, da Resolução Conselho das Cidades nº 25/2005, além de dar ampla publicidade aos estudos e propostas sobre o PD, as reuniões devem ser agendadas com uma antecedência mínima de 15 dias. O que não foi observado pela Comissão Mista. O clima da audiência, que teve transmissão pelo Youtube, foi tenso e hostil. 

Às reclamações dos participantes, como a da representante do Setor Jaó, Adriana Reis, de que o documento que estava sendo debatido, o relatório do Grupo de Trabalho que analisou as emendas dos vereadores ao projeto, só havia sido disponibilizado no site na noite anterior à primeira audiência, a relatora rebateu, dizendo que o projeto que estava sendo debatido era o original. “Se em um ano as pessoas não conseguiram ler essas emendas, aí eu não entendo. Falar que não teve tempo”, respondeu a relatora.  

Todavia, em entrevista ao Tribuna do Planalto, Sabrina Garcez afirmou que as audiências seriam para debater o plano original e também o documento do Grupo de Trabalho, que havia sido disponibilizado no site apenas um dia antes da primeira audiência. 

HISTÓRICO  

Até o momento, o projeto de lei já sofreu pelo menos quatro modificações. O texto original foi encaminhado pelo Executivo ao Legislativo em junho 2019; a Câmara contratou uma consultoria e foram anexadas cerca de 230 emendas ao texto do Paço Municipal, inclusive uma emenda sobre expansão urbana. Com a pandemia, em 2020, o processo ficou paralisado até que se decidiu pela realização de audiências públicas virtuais. O texto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e, em primeira votação, pelo Plenário da Casa. 

Nesse ponto, o Ministério Público recomendou a suspensão da tramitação para que o Paço Municipal verificasse a capacidade técnica e econômica das emendas feitas pelos vereadores ao projeto. A Prefeitura de Goiânia retirou o projeto para atualização. 

Maria Ester Sousa, urbanista: “Adensar é diferente de verticalizar a cidade”

A arquiteta urbanista Maria Ester de Souza, da Associação para Recuperação e Conservação Ambiental (Arca), conta que a entidade encaminhou pelo menos três ofícios à prefeitura com pedidos para participar do GT, mas não lhes foi permitido.  

A análise das emendas foi concluída em meados de junho, mas apenas em 30 de dezembro o projeto foi reenviado à Câmara para ser debatido na Comissão Mista e votado em Plenário, sem nenhuma alteração no texto original, juntamente como o relatório do Grupo de Trabalho, até então desconhecido. 

“Modelos de adensamento e de expansão urbana são retrocessos” 

Além do rito de tramitação, a discussão do PL 23 tem ensejado outras polêmicas acerca de suas propostas, como a que prevê a Outorga Onerosa de Alteração de Uso na expansão urbana. O projeto original propunha alteração no traçado urbano para adicionar 4% de áreas já urbanizadas. Em 2019, nova emenda propôs uma expansão de até 32% no traçado original. 

O texto atual traz a Outorga Onerosa de Alteração de Uso, que permite que o proprietário de uma área na zona rural pague para transformá-la em área urbana. Segundo a urbanista Maria Ester, o Estatuto da Cidades prevê esse instrumento para alterar uso comercial para residencial e vice-versa, não para a expansão urbana. Para ela, essa proposta é “oportunista” e inconstitucional, e deve cair assim que for sancionada.  

De acordo com o Estatuto das Cidades, a expansão do perímetro urbano só é interessante para a cidade quando atende a uma necessidade da própria cidade, e não dos seus interesses pessoais. Esse modelo proposto pelo projeto, à luz do Estatuto das Cidades, favorece a especulação imobiliária. 

Outra proposta controversa é a que altera o cálculo de adensamento urbano de fração ideal para índice de aproveitamento, definido por um multiplicador aplicado à área do terreno que determina quanto de solo criado se pode edificar nos vários pavimentos a serem construídos. De acordo com Maria Ester, esse modelo permite a verticalização sem limites nos eixos do transporte coletivo. Ela explica que adensar é diferente de verticalizar a cidade e, enquanto a primeira trata de ocupar os espaços com variados imóveis, a segunda já tem seus efeitos na cidade em setores como o Bueno e o Jardim Goiás, os chamados paliteiros. 

De acordo com a urbanista, a verticalização tem grande impacto ambiental, haja vista que um prédio de 30 andares, patamar dos que estão sendo construídos nas áreas nobres da cidade, recebe insolação durante 12 horas por dia, o que aquece a região. Além disso, essas construções exigem uma fundação muito profunda, que, consequentemente, atinge o lençol freático e, por fim, para garantir o abastecimento de energia elétrica são necessários geradores, que emitem poluentes típicos dos motores a diesel. 

A proposta feita pela Prefeitura, em 2019, era usar como parâmetro urbanístico principal a fração ideal, conceituada no PL 23 como a proporção em relação à área do solo de cada unidade autônoma. Isso quer dizer que, quanto maior o terreno, mais unidades habitacionais, ou economias ele poderá abrigar obedecendo uma fração definida pela lei de acordo com a Unidade Territorial. 

O texto atual PL 23 define, no zoneamento urbano, a “otimização do uso e ocupação do solo ao longo dos Eixos de Desenvolvimento estruturados no transporte público coletivo”. O objetivo é que grande parte da população futura tenha sua residência próxima às linhas de transporte coletivo mais intensivas, a partir da estrutura do transporte coletivo da cidade. Esse modelo, segundo a urbanista, foi experimentado em São Pulo e não deu certo. “É preciso garantir que haja também água trata, esgoto e outros equipamentos públicos, não só o transporte”, critica. 

O PL 23 altera as áreas de proteção ambiental, criando as Áreas de Restrição Ambiental Urbana (ARAU) e as Áreas de Ocupação Sustentável (AOS). Nas primeiras, predominam as áreas de preservação permanente (APPs), que são as faixas de 50 metros a partir das margens dos rios e córregos e de 100 metros a partir das margens dos rios Meia Ponte, Anicuns e João Leite e de nascentes ou olhos d’água perenes. A proposta reduz as áreas de preservação permanentes das calhas de rios e córregos de 100 metros para 50 metros, afirma Maria Ester. “Adota o modelo de preservação de margens de rios da área rural para a cidade”, explica. 

OMISSÃO  

Não está previsto no projeto de revisão do Plano Diretor novas Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS) para a construção de moradias populares, assim como não há um plano de desenvolvimento econômico para o Centro da cidade.  

A reportagem entrou em contato com as assessorias de imprensa da Câmara Municipal, que afirmou que a Ação de Civil Pública, impetrada pelo MP-GO, foi endereçada à Prefeitura de Goiânia, não à Câmara; a assessoria da Secretaria de Planejamento não respondeu ao questionamento e a assessoria da Secovi também não encaminhou respostas para os questionamentos feitos. 

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