Gastar menos do que recebe e ainda fazer uma poupança com parte do salário são práticas que se aprendem em sala de aula. Esse conceito faz parte do novo Programa de Educação Financeira na Escola, lançado pelo Ministério da Educação (MEC) em parceria com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Mesmo com os problemas de déficit de aprendizagem a serem resolvidos em disciplinas fundamentais, como Língua Portuguesa e Matemática, ensinar sobre gestão de finanças se tornou urgente para a sociedade brasileira, devido aos altos índices de inadimplência verificados durante a pandemia.
Cerca de 62 milhões de brasileiros estavam endividados até o mês de maio, mostra o Mapa da Inadimplência no Brasil, divulgado pela Serasa. O maior volume de dívidas está na categoria bancos/cartão, representando 29,7% dos mais de R$ 211 milhões de débitos. Em seguida, estão as contas com luz, água e gás, com 22,3%. As compras no varejo representam 13% das dívidas dos brasileiros.
Para ajudar os brasileiros a saírem dessa crise, a disciplina foi incluída na grade escolar e os professores serão os primeiros a receber conhecimento sobre Educação Financeira. A previsão do MEC é de que 500 mil docentes do 9º ano do Ensino Fundamental e da 1ª série do Ensino Médio, das redes públicas e privadas, incluindo as escolas cívico-militares, sejam capacitados nos próximos três anos. Depois, os professores vão replicar os conhecimentos aos alunos para que eles possam desenvolver uma cultura de planejamento, prevenção, poupança, investimento e consumo consciente.
O presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin), Reinaldo Domingos, que também é especialista e PhD em Finanças, diz que há um lado muito positivo nessa iniciativa do MEC. Mas ele esclarece que quando se fala em capacitar o professor é preciso ter muito claro o que será ensinado devido à Educação Financeira não ser uma matéria de ciências exatas. Para Reinaldo, a forma pela qual estão querendo ensinar os professores não é a correta. “Este pacote que o MEC está trazendo juntamente com a CVM é interessante, mas vai ficar bastante comprometido no que se refere ao verdadeiro objetivo da Educação Financeira”, afirma.
Segundo Reinaldo Domingos, a CVM trabalha com produtos, o cuidado com o dinheiro nas instituições financeiras, mas não interage com as finanças que fazem parte da área de humanas. “Essa iniciativa precisa de metodologia. Como o MEC não dominaessas ferramentas que não produzirão efeito na nossa geração, e principalmente nas próximas, para evitar endividamento, descontrole financeiro e inadimplência”, frisa.
O presidente explica que a Educação Financeira não se dá por meio de finanças pessoais, que também têm sua importância, mas não resolvem o problema do desequilíbrio financeiro da população, porque o interesse da instituição financeira é ter lucro e não exatamente educar a sociedade para fugir dos juros.
Segundo Reinaldo Domingos, o desconhece esse assunto pela liderança do MEC. “Nós vamos ficar muito a desejar quanto à Educação Financeira, que é uma ciência humana que trabalha o equilíbrio entre o ser e o ter. Estamos falando de uma Ciência Humana, do que o dinheiro representa. Finanças pessoais o banco nunca vai ensinar porque eles não têm essa prerrogativa”, ressalta. Domingos observa que quando se fala em Educação Financeira tem que se abordar a atitude, o comportamento com relação ao dinheiro e, principalmente, gerar valores emocionais, de sonhos e propósitos de vida e da gestão da mente.
Preocupado com a situação, Reinaldo Domingos diz que pode falar com experiência a respeito de Educação Financeira porque, em 2008, lançou a disciplina no Brasil. Ele enfatiza que o MEC está com a visão míope. “Falo isso porque não estão enxergando a própria Abefin. E não porque existe um interesse muito forte econômico e financeiro no país”, ressalta.
“O problema vai além de ensinar as crianças”
Segundo o especialista em finanças Henrique Câmara, o projeto de incluir o conteúdo sobre finanças nas escolas é fundamental, mas ele não crê na sua eficiência porque, na sua opinião, essa conscientização deve se estender a toda a família, e que não será só um projeto que conseguirá mudar o problema da Educação Financeira do Brasil.
O especialista lembra que o problema vai além de ensinar as crianças. Com base nos dados de inadimplência, quase 65 milhões, sendo que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que o total de desempregados são 14,8 de milhões de pessoas, ele calcula que 50 milhões de devedores estão trabalhando e, mesmo assim, endividados. Para ele, o problema não é ter muito ou pouco dinheiro, mas não saber administrá-lo.
“Por esse motivo é para ontem ter essa disciplina na escola, para ajudar a criar nos jovens comportamentos saudáveis com o dinheiro porque, depois que a pessoa fica adulta, é mais difícil mudar os hábitos. Esse projeto deve também ser estendido às famílias porque de nada adianta a escola promover um conteúdo para mudar o comportamento da criança se ela não vive isso em casa”, pontua.
O especialista critica o sistema educacional do Brasil dizendo que ele é falho por estar transformando jovens em verdadeiros robôs, interessados apenas em fazer faculdade, ter um bom emprego, uma renda, segurança e ser feliz para sempre. Segundo ele, o mundo mudou e o diploma da faculdade já não garante emprego. “Quando digo robôs é porque essas matérias não trazem mudanças comportamentais”, enfatiza.
Na opinião de Henrique Câmara, Educação Financeira é mais ou tão importante que a Língua Portuguesa e Matemática, pois se trata de uma ciência comportamental e deveria ter sido incluída nos programas sociais e constar na grade escolar das escolas públicas e privadas.
Comentários