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“Esclerose Múltipla: uma luta silenciosa”

O silêncio não pode ser a resposta, porque viver com Esclerose Múltipla não é escolha de ninguém


Luciano Cardoso Por Luciano Cardoso em 30/05/2025 - 08:08

Esclerose Múltipla: doença neurológica crônica, de causa ainda desconhecida (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Hoje, 30 de maio, o mundo inteiro se une para dar voz a uma batalha diária, muitas vezes invisível: a luta contra a Esclerose Múltipla (EM). Uma doença neurológica crônica, de causa ainda desconhecida, que afeta o sistema nervoso central e compromete, de forma progressiva, a qualidade de vida de milhares de pessoas. Uma doença que, embora silenciosa aos olhos de muitos, fala alto no corpo e na vida de quem convive com ela.
A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença autoimune, na qual o sistema imunológico, de forma equivocada, ataca a mielina, substância que reveste e protege os neurônios, prejudicando a comunicação entre o cérebro e o corpo. O resultado são lesões no cérebro e na medula espinhal, que podem gerar uma variedade de sintomas debilitantes. Esses sinais não podem ser ignorados e passa necessariamente pelo desafio do diagnóstico.
A EM se manifesta de forma diferente em cada pessoa, o que torna o diagnóstico acertado mais difícil. Dentre os sintomas mais comuns estão: fadiga intensa e desproporcional, alterações na visão (visão dupla ou turva), dormências, formigamentos e fraqueza muscular, alterações na coordenação motora e no equilíbrio, espasmos, dores musculares e rigidez, problemas cognitivos (perda de memória, dificuldade de concentração), alterações no controle urinário e intestinal.
O diagnóstico precoce da Esclerose Múltipla é absolutamente crucial para minimizar os danos neurológicos irreversíveis, retardar a progressão da doença e garantir uma melhora significativa na qualidade de vida dos pacientes. Entretanto, a realidade brasileira é alarmante e profundamente desigual. O acesso ao diagnóstico rápido e preciso ainda se apresenta como um dos maiores gargalos da rede de atenção à saúde, seja pela escassez de neurologistas especializados, seja pela baixa oferta de exames de imagem de alta complexidade (como a ressonância magnética), ou ainda pela falta de capacitação adequada de profissionais da saúde para o reconhecimento precoce dos sinais da doença. Soma-se a isso a falta de informação da própria população, o que contribui para o agravamento dos quadros e para o diagnóstico tardio.
Os números são contundentes e refletem uma negligência estrutural. Segundo dados da Multiple Sclerosis International Federation (MSIF), há atualmente mais de 2,9 milhões de pessoas vivendo com Esclerose Múltipla no mundo, com uma incidência crescente, especialmente entre jovens adultos, impactando diretamente a força de trabalho e a vida produtiva das sociedades. Em termos globais, estima-se que a cada cinco minutos uma pessoa seja diagnosticada com EM.
No Brasil, os dados são ainda mais preocupantes. As estimativas apontam para aproximadamente 40 mil pessoas diagnosticadas com Esclerose Múltipla, número que é, evidentemente, subnotificado, principalmente quando se consideram as vastas regiões do país que sofrem com déficit de cobertura neurológica, ausência de centros de referência e precariedade nos sistemas de regulação e triagem de pacientes.
Enquanto nações com sistemas de saúde robustos oferecem programas consolidados de rastreamento, monitoramento, acompanhamento multidisciplinar, acesso facilitado a medicamentos de última geração e suporte psicossocial, o Brasil permanece refém de uma rede fragmentada, burocratizada e insuficiente, sem diretrizes nacionais consistentes que contemplem as necessidades reais das pessoas com Esclerose Múltipla. O investimento público em pesquisa, desenvolvimento de novos tratamentos, capacitação profissional e campanhas de conscientização é flagrantemente insuficiente frente a demanda crescente e as evidências científicas que apontam para a necessidade de respostas urgentes.
Trata-se, portanto, de um cenário que demanda ação imediata do Estado, da sociedade civil organizada e da comunidade científica, sob pena de seguirmos ampliando o abismo social e sanitário que separa o Brasil das nações que realmente tratam a Esclerose Múltipla com a seriedade e prioridade que a doença exige.
Mais do que enfrentar os sintomas físicos, as pessoas com EM enfrentam outro tipo de barreira: a invisibilidade social. Muitas vezes, os sintomas não são perceptíveis a olho nu, o que gera incompreensão no ambiente de trabalho, nas instituições de ensino e até mesmo no convívio familiar. Essa invisibilidade social mostra um grande desafio de inclusão.
A luta pela inclusão social plena deve ser contínua. É essencial que as pessoas com EM tenham acesso aos mesmos direitos e oportunidades que todos os outros, incluindo, de forma imprescindível, educação assistida, adaptações no ambiente de trabalho, transporte acessível, tratamento contínuo e atendimento especializado no sistema de saúde.
A esperança está na pesquisa e essa demanda investimentos. Apesar dos avanços notáveis na compreensão e no tratamento da Esclerose Múltipla nas últimas décadas, infelizmente a doença ainda não tem cura. Os tratamentos atuais focam em controlar os surtos, retardar a progressão da doença e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
Contudo, é absolutamente imperativo que os governos, as instituições privadas, a comunidade médica, científica e os organismos internacionais ampliem, de forma efetiva e consistente, não apenas o debate, mas sobretudo os investimentos estruturados em pesquisa científica voltada à Esclerose Múltipla. Trata-se de uma necessidade inadiável, pois cada avanço alcançado, cada ensaio clínico concluído e cada descoberta realizada representa a possibilidade concreta de menos dor, menos limitações e mais dignidade, qualidade de vida e esperança para milhões de pessoas e suas famílias em todo o mundo.
No Brasil, a falta de linhas permanentes de financiamento à pesquisa na área de doenças autoimunes é um retrato cruel de nossa negligência enquanto sociedade. Cobra-se, de forma veemente, que haja fomento consistente à pesquisa, com destinação orçamentária vinculada, prioridade em editais públicos e incentivos fiscais à pesquisa privada.
Apesar dos inúmeros desafios, o Dia Mundial da Esclerose Múltipla também deve ser um momento de celebrar as vitórias, reconhecer os profissionais de saúde, pesquisadores, neurologistas, fisioterapeutas, psicólogos, associações de pacientes e familiares que diariamente constroem uma rede de apoio indispensável.
Organizações como a ABEM (Associação Brasileira de Esclerose Múltipla), a própria MSIF, entre outras, têm sido fundamentais na luta pelos direitos das pessoas com EM, oferecendo suporte, orientação e informação de qualidade.
Que o dia 30 de maio não seja apenas uma data simbólica, mas um chamado à ação, um alerta para que a sociedade, os gestores públicos e os formuladores de políticas públicas compreendam que a Esclerose Múltipla não pode mais ser invisível. É urgente que se fale mais sobre EM. É urgente que se invista mais. É urgente que se inclua mais. É urgente que se respeite mais.
A conscientização é dever de todos. O silêncio não pode ser a resposta, porque viver com Esclerose Múltipla não é escolha de ninguém, mas garantir acesso à saúde, ao diagnóstico precoce e ao tratamento digno é, sim, uma escolha coletiva, social e política.
Luciano Cardoso

É advogado inscrito na OAB/GO. Membro do Instituto Goiano do Direito do Trabalho. Membro e Conselheiro Fiscal da Associação Goiana da Advocacia Trabalhista - AGATRA. Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/GO. Chefe do Departamento Jurídico da Companhia de Urbanização de Goiânia - COMURG.
E-mail: [email protected].

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