No Brasil, mais de 11 milhões de mulheres criam sozinhas os filhos, muitas vezes sem apoio do genitor e enfrentando grandes obstáculos para garantir os direitos básicos das crianças. Para essas mães solo, como são conhecidas, a realidade é de sobrecarga, invisibilidade nas políticas públicas e uma luta constante para equilibrar trabalho, cuidado, afeto e sobrevivência. É o caso de Cibele*, de 26 anos, que sustenta e cuida sozinha do filho de cinco anos em São Paulo.
“O pai não participa, nem financeiramente, nem com cuidados. Então, tudo depende de mim. Tento manter pelo menos um momento de lazer nos fins de semana, mesmo com a rotina puxada”, relatou à reportagem.
Cibele sai de casa às 6h e retorna apenas 12 horas depois. Ainda assim, se desdobra para garantir afeto, alimentação, escola e saúde ao filho e o faz praticamente sem rede institucional. “O que me deixa satisfeita é saber que consigo me organizar para garantir isso a ele. Mesmo cansada, tento não deixá-lo sentir o peso que carrego.”
O processo judicial para obter pensão alimentícia e guarda unilateral, iniciado há três anos pela Defensoria Pública, ainda não teve desfecho. “As necessidades do meu filho são imediatas. A justiça, infelizmente, não tem o mesmo ritmo”, lamenta. Ela chegou a cogitar desistir da ação, mas buscou apoio no projeto Justiceiras, onde foi orientada sobre alimentos provisórios e medidas protetivas.
Justiça lenta, atendimento precário
Para a advogada Sueli Amoedo, especialista em políticas públicas para mulheres e coordenadora jurídica nacional do Justiceiras, a morosidade judicial é um dos principais entraves para as mães solo. “Muitas não conseguem iniciar ações por falta de orientação ou porque enfrentam filas intermináveis em busca de atendimento gratuito. Em alguns municípios, a Defensoria Pública sequer existe.”
Além da falta de estrutura no acesso à Justiça, há desconhecimento generalizado sobre os direitos. “Faltam canais acolhedores e acessíveis para orientar essas mulheres desde o início. Muitas nem sabem por onde começar”, explica Sueli.
Rede de apoio é feita por outras mulheres
Na ausência do pai, a mãe de Cibele é quem garante suporte em situações emergenciais. “Ela também criou dois filhos sozinha. É minha referência e minha ajuda quando não consigo estar presente”, conta. Já o pai da criança, mesmo quando solicitado, costuma alegar que “não pode ou não foi avisado com antecedência”.
Dados do IBGE (2022) indicam que o percentual de mulheres responsáveis por domicílios no Brasil subiu de 38,7% para 49,1% entre 2010 e 2022. Em estados como Pernambuco, Maranhão, Ceará, Bahia e Rio de Janeiro, elas já ultrapassam 50% das chefias de família. Quase um em cada seis lares brasileiros é formado por um adulto que vive sozinho com os filhos — a maioria, mulheres.
Faltam políticas públicas específicas
Segundo Sueli, a resposta do Estado tem sido insuficiente. “Essas mães precisam de creches, escolas em tempo integral, saúde física e mental acessível, e uma política real de transferência de renda para garantir dignidade”, defende.
A ausência de mecanismos de apoio concreto faz com que muitas mães desistam de lutar por seus direitos, exaustas pela sobrecarga e pela lentidão do sistema. “É preciso reconhecer essas mulheres como protagonistas da vida de milhões de crianças brasileiras e garantir que tenham o mínimo de estrutura para exercer esse papel com dignidade”, finaliza.
*Cibele é nome fictício usado para preservar a identidade da entrevistada.