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“Não há alinhamento com o governo Caiado, o que existe é diálogo”


Andréia Bahia Por Andréia Bahia em 07/04/2024 - 00:58

No comando da seccional goiana da mais importante instituição civil do país, Rafael Lara afirma ser natural que busque a reeleição, mas diz, no entanto, não ser o momento para se discutir o tema, que está focado na gestão. Ele nega que sua gestão seja alinhada ao governo estadual e denuncia que os casos de violência policial e abuso de autoridade têm crescido em Goiás. “O Estado precisa responder por isso”o

TRIBUNA DO PLANALTO – Qual é a estrutura da Ordem hoje em Goiás? Quantos advogados tem? Qual a receita anual?

RAFAEL LARA – Hoje temos mais de 51 mil advogados e advogadas inscritos na Seccional goiana. Para 2024 a arrecadação está orçada em R$ 48 milhões.

Como é o diálogo da sua gestão com a advocacia jovem? Quantos novos advogados se associaram durante o seu mandato?

Um diálogo contínuo. A Comissão da Advocacia Jovem é a maior da Seccional. Como ex-membro dessa comissão, sei bem as dificuldades enfrentadas por eles, pois vivi isso na pele. Já lançamos o projeto Incubadora de Novos Escritórios, o programa Mais Oportunidades, a Mentoria e não vamos parar por aqui. A advocacia em início de carreira sempre poderá contar com a nossa gestão. Esses projetos são voltados para impulsionar essa advocacia no mercado de trabalho. Através deles, disponibilizamos ferramentas, conteúdo e orientação técnica efetiva para se destacar no mercado de trabalho e com a real possibilidade de crescimento profissional. De 2022 até o momento, recebemos a inscrição de mais de 7 mil advogados e advogadas.

Em que direções a OAB conseguiu avançar na gestão que o senhor comanda?

Lançamos uma nova medida para a advocacia a cada 15 dias no último biênio. Conseguimos concretizar a regionalização da Procuradoria de Prerrogativas e estabelecemos a maior Comissão de Direito e Prerrogativas na história da OAB, criando defesas específicas para cada área de atuação. Durante esses 24 meses, foram autuados 2 mil processos pela Procuradoria de Prerrogativas. Além disso, implementamos mudanças nas abordagens de advogados pela Polícia Militar e garantimos a retomada do acesso da advocacia ao sistema prisional, eliminando a necessidade de agendamento prévio obrigatório. Investimos em obras para melhorar as condições de trabalho e atendimento à aldvocacia, entregando o maior número de obras já realizadas em sedes de subseções, parlatórios, salas de atendimento, salas de apoio, e revitalizamos o CEL de Aparecida e Anápolis. A advocacia dativa teve acesso ao maior montante de pagamentos de honorários da história, totalizando aproximadamente R$ 40 milhões. Elevamos o teto das Requisições de Pequeno Valor (RPV) de 20 para 40 salários mínimos e reduzimos o prazo de expedição de alvarás de 90 para apenas 15 dias. Tivemos a criação das Ouvidorias da Mulher e da Diversidade, conseguimos implementar planos de saúde com valores acessíveis. Conseguimos ainda a aprovação porunanimidade do Órgão Especial do TJ-GO e a aprovação em primeira votação da Alego diante do PL que garante a não antecipação das custas na execução de honorários. Além disso, entregamos diferentes projetos de impulsionamento da categoria. Enfim, essas são apenas algumas de nossas conquistas, as quais abrangem o sistema de ponta a ponta.

Como a OAB pode ajudar em um cenário de acelerada proletarização da advocacia?

Incentivando o empreendedorismo. E é o que mais temos feito nesta gestão. Entendemos que cada um tem sua realidade, sua vivência e necessidades, mas procuramos mostrar à advocacia que existe outro caminho com grandes possibilidades e autonomia de carreira. O empreendedorismo transforma vidas, sou a prova disso.

A advocacia no Brasil é majoritariamente feminina, mas são os homens que ocupam os cargos de comando. Essa é uma preocupação do senhor? E a OAB, sob sua gestão, teve avanços na questão de gênero?

A aprovação unânime do projeto de paridade de gênero pelo Conselho Federal da OAB passou a ser aplicada nas eleições da Ordem em 2021. Este resultado, sem dúvida, foi fruto de um longo processo de luta. Temos agora uma maior participação das mulheres nas presidências e diretorias de seccionais, subseções e nos cargos de conselheiras, tanto federais quanto seccionais. Em nossa gestão, por exemplo, atualmente contamos com cerca de 30% de mulheres ocupando as presidências das subseções e temos a primeira mulher a presidir o TED (Tribunal de Ética e Disciplina) desde a sua criação, há 30 anos. Esses números representam um avanço. Além disso, durante nossa gestão, todas as mulheres que desejam contribuir para a advocacia sempre terão espaço. Elas vão além da paridade, ocupando esses cargos porque fazem a diferença e lutam com excelência em suas missões.

Quais são os desafios para o próximo conselho, que será eleito em novembro?

A defesa das prerrogativas será sempre uma pauta constante do sistema da OAB. É uma luta incessante que demanda atenção diária. Nunca deixaremos de ser vigilantes. Devemos pensar ainda nos jovens advogados e advogadas que estão ingressando agora, sem jamais deixar de lado aqueles que já estão na carreira há mais tempo.

Uma das críticas que se faz à Ordem, hoje, é que ela perdeu muito de sua combatividade, uma vez que foi uma das principais vozes em defesa dos direitos humanos durante a ditadura. Por que isso aconteceu?

A OAB continua sendo a maior entidade civil deste país. O que vemos hojeé uma tentativa de desmoralização do sistema, algo que nunca irá acontecer. Somos e continuaremos sendo o último fio de esperança daqueles que precisam de justiça. Nenhuma outra entidade se assemelha à Ordem, pois não lutamos apenas pela nossa classe, mas sim pelos direitos de todos os cidadãos e cidadãs do país. Não deixamos de ser protagonistas de causas, pois nunca deixamos de atuar para defendê-las.

No nível local, uma das críticas do grupo de oposição é em relação ao alinhamento ao governo Ronaldo Caiado. Como o senhor vê?

Esse alinhamento nunca existiu; o que existe é diálogo. Minha gestão respeita a autonomia e mantém um diálogo aberto com todos os poderes, repito, todos. Eu sinceramente nunca acreditei na necessidade de forçar uma rivalidade para defender a advocacia e a cidadania contra qualquer pessoa ou entidade. Certamente somos combativos, mas com a sobriedade necessária. Quero reforçar que o primeiro caminho escolhido para os passos tomados nesta gestão foi o diálogo. Se precisar elevar o tom mais tarde, isso já é outra história, como nos embates que tivemos em questões como as visitas íntimas e a proposição de ação civil pública contra os servidores públicos. A OAB possui autonomia suficiente para não depender de alinhamento com nenhum dos Poderes para agir. A OAB precisa ser suficientemente próxima dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para manter o diálogo e, suficientemente distante, para não perder a coragem de enfrentá-los.

Em uma eventual nova gestão, o senhor pretende dar ênfase a essa defesa dos direitos humanos?

Nós nunca deixamos de lutar pelos direitos humanos, especialmente, porque, pessoalmente, esta é uma pauta muito importante para mim. Os direitos humanos foram a área escolhida para uma das minhas formações na carreira profissional. Dentro do sistema, nossa Comissão de Direitos Humanos nunca fugiu à responsabilidade todas as vezes que nos deparamos com arbitrariedades. Agimos não apenas com posicionamento público, mas também com representação judicial e atendimento jurídico. No CNJ, a OAB-GO tem feito, pelo menos nos últimos oito anos, reiteradamente, relatórios e apresentado denúncias no sistema prisional,por exemplo.

A Ordem está movendo uma ação contra o Estado de Goiás por atitudes de policiais, que não estariam respeitando as prerrogativas dos advogados. Como está esta ação?

Em fase final de elaboração. Nós recebemos 55 denúncias de casos de desrespeito e violência contra advogados praticados por policiais militares, civis e penais entre os anos de 2019 e 2024. É uma situação insustentável e o Estado terá que responder judicialmente agora.

Em relação ao cidadão comum que sofre violência policial, o que a Ordem pode fazer? Nesta semana, a Corregedoria afastou policiais militares que mataram dois homens durante uma abordagem alegandoc onfronto. Mas as imagens do celular de um deles mostram que não houve reação.

Isso não é novidade, acontece há muito tempo. E os casos de violência policial e abuso de autoridade têm crescido em Goiás. A forma como a Ordem age é representando esses abusos, como temos feito de forma incansável. Quando defendemos as prerrogativas da advocacia, estamos defendendo a própria cidadania; se isso está acontecendo com advogados, está acontecendo com o cidadão também. Diante de tantas denúncias que recebemos, esperamos sinceramente que essa ACP sirva como uma mudança de conduta desses servidores. Como eu disse antes, o Estado precisa responder por isso.

A OAB-GO disponibilizou um canal de denúncias via Whatsapp para que testemunhas ou vítimas que sofreram golpes em nome da advocacia possam registrar o ocorrido. Qual o balanço deste canal até agora?

Até o momento, já recebemos mais de 200 denúncias. Orientamos os advogados a preencher um formulário com as informações, que são enviadas para a Polícia Civil, órgão responsável por conduzir as investigações. Essa é uma modalidade de golpe crescente e que tem nos preocupado bastante.

O Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia, do qual o Conselho Federal da OAB participa, pretende combater a desinformação, discursos de ódio e antidemocráticos no período eleitoral. O senhor acredita ser possível combater as fake news?

Não só acredito, como também lançamos na OAB-GO um meio para isso na última eleição partidária. O movimento “Eleições de Fato” teve como objetivo o enfrentamento à desinformação e à corrupção nas eleições. Foi uma iniciativa da Comissão Especial de Combate à Desinformação e. Corrupção Eleitoral da Seccional. O movimento contou com a disponibilização de um site para acolher denúncias dos eleitores e divulgar conteúdos que ajudaram a identificar as fake news. Para este ano, nossas comissões já estão trabalhando para aprimorar ainda mais essa ação.

Como encara a atuação do STF nos inquéritos das Fake News e dos Atos Golpistas?

A OAB-GO foi uma das primeiras entidades a condenar os ataques aos Poderes. No que diz respeito à atuação do Supremo, o órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, cada um de seus ministros é uma instituição e deve ser exemplo nas garantias constitucionais e da cidadania; inclusive, na defesa do pleno e livre exercício da advocacia, conforme garantido pelo artigo 133 da Constituição. Federal.

Como viu a decisão do Conselho Federal da OAB de punir a produção e divulgação de fake news contra candidatos que disputam as eleições internas da entidade?

Importantíssima! A OAB está desempenhando um papel de destaque em um assunto importante e relevante para toda a sociedade, especialmente durante o período eleitoral, mas não se limitando apenas a esse período. A instituição adotou uma postura combativa na luta contra a propagação de fake news durante as eleições. Em cada eleição da Ordem, uma Comissão Eleitoral é designada e é responsável por fiscalizar todo o processo. Espero que essa iniciativa sirva de exemplo a todos os processos eleitorais em nosso país.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é contrária ao projeto de lei que proíbe as saídas temporárias dos detentos em regime semiaberto. Qual a opinião do senhor sobre o tema?

A OAB-GO entende a importância de garantir uma execução penal que respeite os direitos fundamentais dos indivíduos, promovendo sua reintegração social e preservando sua dignidade. É fundamental que as políticas públicas reflitam os valores constitucionais, assegurando um sistema prisional que busque não apenas a punição, mas também a ressocialização, alinhado aos princípios da humanidade e da justiça. Diante disso, este projeto de lei não está em consonância com essas questões.

O que acha da criação da Associação Brasileira de Juristas Conservadores (Abrajuc), formada em grande parte por aliados de Jair Bolsonaro no mundo da advocacia e no Judiciário?

Enquanto advogado e cidadão, não seria uma associação na qual eu me envolveria. No entanto, isso não quer dizer que a participação de outras pessoas não seja legítima. Vivemos em uma democracia e todos temos a liberdade para nos associar a qualquer grupo que representa nossos valores e princípios, bem como lutas pessoais e profissionais.

O CFOAB participou como amicus curiae do processo sobre as atribuições das Forças Armadas como “poder moderador”. Qual a opinião do senhor sobre o tema?

É evidente que não cabe aos militares a função de mediadores de possíveis conflitos entre os Três Poderes, até porque a própria Constituição estabeleceu mecanismos legítimos de resolução de conflitos, tanto em situações normais quanto em circunstâncias excepcionais.

A OAB GO o Conselho Federal, a Diretoria Nacional e presidentes do Colégio de Presidentes de Seccionais da OAB apresentaram ao STF e à PGR petições em defesa do sigilo das comunicações entre advogado e cliente, em razão do caso de um advogado que teve suas comunicações com cliente analisadas e expostas por um delegado da Polícia Federal. Qual o resultado dessa medida?

A quebra do sigilo entre advogado e cliente viola o direito de defesa. Depois da nossa intervenção, o ministro Dias Toffoli determinou a retirada de transcrição e prints de diálogos entre advogados relativos à abordagem. Mas, independente deste caso específico, de ser lado A ou B, ou do tipo de causa, a OAB está sempre aqui para defender as prerrogativas da advocacia e os direitos da cidadania.

O senhor é candidato à reeleição?

Estou no meu primeiro mandato e é algo muito natural essa possibilidade de reeleição dentro do grupo. No entanto, neste momento, sou presidente da Ordem, e não candidato.Enquanto presidente da OAB-GO, estou focado nas entregas desta gestão e no meu compromisso com a advocacia. O tema das eleições será abordado no momento destinado a elas.

Que trunfos o senhor e o seu grupo reúnem para buscar essa reeleição?

Como dito anteriormente, estamos focados na gestão. Não há trunfos, o que existe é muito trabalho em prol da advocacia.

O senhor vai buscar composição de forças com grupos que foram oposição na eleição passada? Pedro Paulo de Medeiros disse que estava conversando com o senhor.

Nos últimos dois anos, minha gestão foi pautada pelo diálogo de ponta a ponta. Isso ultrapassou, inclusive, os muros da OAB. Esta é uma gestão construída com base no diálogo e estarei sempre aberto para conversar com todos que desejam trabalhar e contribuir pelo bem da advocacia, independente de período eleitoral.

Como essas negociações têm avançado para a eleição da Ordem?

Não tem avanço e cenário. Ainda estamos muito distantes das eleições na OAB, que só ocorrerão no final de novembro. E nesse meio tempo, ainda vai haver uma eleição municipal. A disputa eleitoral da OAB só vai começar do meio para o fim de outubro.

Com outros grupos, que tiveram candidatos na última eleição? O senhor vai buscar – ou já tem – diálogo com nomes como Valentina Jungmann, Rodolfo Otávio Mota, Bruno Pena?

Estou aberto a conversar e receber todos, como sempre estive, sem qualquer tipo de distinção.

As últimas eleições da OAB foram sustentadas no tripé prerrogativas, obras e transparência. Muda algo daqui pra frente?

A pauta das prerrogativas é uma constante, e nossas estruturas físicas estão passando por melhorias contínuas para estarem à altura da advocacia. A transparência sempre será uma prioridade. Nosso Portal é um dos mais acessíveis entre os organismos estatais e paraestatais. Isso só foi possível quando instituímos este Portal em 2016, o que fez a OAB-GO sair à frente de outras seccionais, tornando-se uma referência em detalhamento na prestação de contas. E mesmo nas áreas que já eram boas, como a Transparência, buscamos aprimoramento, tanto que iniciamos um processo de modernização dos sistemas no segundo semestre do último ano.

Paridade, advocacia jovem, anuidade, custas, inadimplência. Temas da última eleição. Ainda são assuntos relevantes?

Todos. Tanto que nossa atuação segue contínua e com resultados em todos eles.