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“Não vivemos em situação de pleno emprego”, André Rocha presidente da Fieg


Andréia Bahia Por Andréia Bahia em 30/03/2025 - 07:54

andré rocha presidente fieg
André Rocha, que assumiu a presidência da Federação das Indústrias do Estado de Goiás (FIEG) em fevereiro deste ano. (Foto: divulgação)

A entrevista desta semana é com André Rocha, que assumiu a presidência da Federação das Indústrias do Estado de Goiás (FIEG) em fevereiro deste ano. Dentre os temas, o Tribuna do Planalto fala do desemprego em Goiás, que é um dos menores da última década, se assemelhando a países do primeiro mundo, mas que André Rocha aponta que as estatísticas ocultam uma realidade diferente: as pessoas, acomodadas nos programas sociais, não procuram emprego com receio de perder o benefício.  “Basta ver a quantidade de pessoas que estão nos programas sociais. E se o país se encontrasse em situação de pleno emprego para que precisaria de programa social?”, questiona. Segundo ele, o problema não são os programas sociais, mas o fato de eles excluirem os trabalhadores formais de seu escopo. A gênese do programa é ser complementar à renda, e não a única renda, explica o empresário.

A indústria goiana tem apresentado um crescimento acima da média nacional, registrando alta acumulada de 4,1% em 2024, superando a média nacional de 3%. A mão de obra evolui na mesma proporção? 

O Brasil inteiro enfrenta o desafio de mão de obra, que é constante. Temos o desafio da falta de mão de obra e o desafio de qualificar mais para ter mais produtividade. Quando a indústria cresce mais – e o crescimento da indústria goiana não está só vinculado à  produtividade, envolve vários fatores que afetam a competitividade. Qualquer melhora logística, em políticas públicas que diminuam a carga tributária e atraiam investimentos,  ajuda a melhorar o cenário. Nós também temos feito nosso papel, investindo cada vez mais na educação e na qualificação. Estamos qualificando mais, o governo do estado, seja  sozinho ou em parceria conosco ou com outros setores, como comércio e serviços, agricultura e sistema cooperativo, ao fazer mais parcerias e qualificar mais, os resultados a médio e longo prazo vão aparecendo. Em 2019, a qualificação profissional atingiu pouco mais de 390 pessoas; em 2024, já foi acima de 6,5 mil estudantes. E estamos qualificando com eles, só o Senai, 12,3 mil estudantes, o dobro do ano passado. Há também os institutos técnicos e as qualificações que fazemos diretamente com as empresas; muitos municípios têm firmado parcerias em programas de qualificação, como o Qualifica. Há investimentos crescentes por parte não só da iniciativa privada, mas também do poder público em melhorar a qualificação profissional, além dos investimentos que vêm ocorrendo na educação básica. O primeiro passo importante para uma futura qualificação profissional é ter estudantes mais qualificados.

A Associação Pró-Desenvolvimento Industrial de Goiás (Adial Goiás) estima que mais de 5 mil postos de trabalho estejam disponíveis entre as suas 145 empresas associadas. Qual a estimativa da Fieg?

Nós trabalhamos com cenários superiores a 30 mil vagas de trabalho nas indústrias. Só no setor de bioenergia e sucroenergético, temos quase 6 mil vagas abertas, a construção civil está sofrendo muito e temos vagas nos setores de comércio e serviços. O desafio hoje não é nem encontrar a mão de obra qualificada;o desafio hoje é encontrar a mão de obra..

Quais os setores industriais têm mais dificuldade em encontrar mão de obra em Goiás? Goiânia, por exemplo, vive um boom na construção civil. E qual o impacto desse déficit de mão de obra na produção?

De uma maneira geral, todos os setores. Não tem nenhum setor hoje que não enfrenta grandes dificuldades. Esse é um problema sistêmico e que ocorre no Brasil todo. O que acarreta? Começamos a safra com quase 6 mil vagas abertas no setor de bioenergia e terminamos essa safra sem preencher. Isso atrasa, reduz o ganho de produtividade e aumenta os custos. A falta de mão de obra aumenta os custos, porque não são pessoas adequadas, tem que pagar horas extras e dificuldades de escala, e tudo isso acaba encarecendo. Algumas pessoas fazem um bom retrato do país, como se estivéssemos em um momento de pleno emprego, daí a falta de pessoas. E não é tão simples. Há uma diferença entre ter uma taxa de desemprego pequena e ter poucas pessoas procurando emprego, são coisas diferentes. Às vezes, a pessoa não está procurando emprego porque está infelizmente acomodada, recebendo renda de vários programas sociais municipais, estaduais e federais, programas que deveriam ser complementos de renda, hoje se transformaram em renda. Não fomos contra os programas sociais, eles são importantes, mas não podemos, em um país com grande procura de mão de obra, ter números elevadíssimos de pessoas cadastradas nos programas sociais. A proposta que defendemos é que as pessoas, mesmo estando nos programas sociais, possam ter carteira assinada e receber os recursos dos programas sociais. Infelizmente, algumas dessas pessoas procuram emprego, mas na informalidade, porque têm medo de assinar carteira e perder o benefício. Nós somos a favor da manutenção dos programas sociais, mas precisamos ter essa porta de saída, que possamos comemorar a pessoa deixar o programa social, não por ser excluída, mas por poder ter um bom emprego de qualidade e com uma boa renda, ou ter os dois, emprego e o programa social. Que o emprego não seja um excludente. Senão, a única saída que temos e que é complicada até por conta dos investimentos, é partir para a automação, um processo caro, demorado e que também exige, na outra ponta,uma qualificação profissional cada vez maior.

De acordo com o Mapa do Trabalho Industrial, estudo realizado pelo Observatório Nacional da Indústria (ONI), da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o estado precisará formar e requalificar 487 mil profissionais entre 2025 e 2027 para atender às exigências das indústrias goianas. De qual formação estamos falando? Inclui ensino fundamental ou apenas técnico? Quais as iniciativas foram e estão sendo implementadas para qualificar esse contingente?

O número final é realmente esse, de técnicos ou pelo menos com o nível médio nas diversas áreas, mas precisamos fazer investimentos na educação básica para que os estudantes que chegam no ensino médio estejam mais preparados. Já no ensino médio, além do modelo tradicional, podemos colocar na grade curricular a iniciação da profissionalização. Nessa parceria nossa com o governo do estado foi feita uma pesquisa com quem está precisando contratar e sobre aquilo que mais estimula os estudantes. Hoje estamos trabalhando em 18 cidades, levando cursos de edificação, de soldador, de pintura, vários cursos ligados à construção civil, mas também de técnicos em informática, em programação. A tecnologia da informação e do conhecimento são setores que atraem muitos jovens e estamos precisando contratar profissionais. O Brasil também precisa ter uma mudança cultural, deixar de achar que só o nível superior é interessante. Os pais ainda têm muito orgulho do filho ter o diploma, isso também é importante. Mas apenas 25% dos jovens das escolas públicas que saem do ensino médio conseguem chegar ao ensino superior, ou seja, temos 75% que param no ensino médio. Podemos pegar esses 75% e fazê-los virar tecnólogos, com uma formação técnica melhor e também ampliar a quantidade de estudantes que fazem ensino superior, não só 25%. Quando olhamos países como a Suécia, Suíça, Alemanha, Finlândia, vemos que há mais pessoas que concluem cursos técnicos do que cursos de graduação normal, e que são muito bem remunerados Como também tem ocorrido no Brasil, temos vários técnicos em diversos setores com remuneração de até R$ R$ 30 mil com cursos técnicos e não diplomas universitários. Não são excludentes, é uma questão de dar uma oportunidade. Nós nos orgulhamos muito, porque no Brasil, o Senai de Goiás é o que tem mais estudantes que terminam os cursos que são aproveitados no mercado de trabalho; mais de 92% daqueles que concluem um curso conosco. Um percentual muito alto de empregabilidade, justamente porque procuramos estar cada vez mais próximos ao mercado, mas mesmo assim precisamos também estimular os jovens, e também os adultos, a fazer os cursos oferecidos. 

Há muita oferta de cursos profissionalizantes por parte das prefeituras, do estado e da iniciativa privada. Há procura por esses cursos?

Em alguns casos, sim, outros não, e quando não tem, procuramos adequar, entender qual é o desafio, se as empresas estão satisfeitas, se não estão precisando de trabalhadores ou  se é porque temos que fazer alguma modificação na grade curricular do curso. Nós temos um menu de ofertas de cursos nas diversas localidades onde temos escolas do Senai, temos os cursos que fazemos em parceria com os municípios e com o estado, temos as nossas unidades móveis, para levar cursos até mesmo dentro de uma empresa para qualificar; e estamos em constante revisão das nossas grades curriculares. Antigamente,  formava-se muitos marceneiros para trabalhar nas indústrias de imóveis; hoje preciso ter cada vez mais o programador de máquinas e é cada vez menor a presença do marceneiro numa indústria moveleira. Precisamos treinar o profissional que vai aprender a manusear a máquina, porque é através dessa máquina que é feita a confecção dos paineis, dos moldes, dos armários e temos que estar prontos para nos adequar a isso. 

Sobre o Bolsa Família, a regra do programa é que a renda de cada pessoa da família seja no máximo de R$ 218 por mês. Considerando uma família de 5 pessoas, receberia no máximo 1.090,00. Esse valor desestimularia um pai de família de trabalhar ou pode haver outros fatores? Até porque, no terceiro trimestre de 2024, o desemprego em Goiás atingiu a menor taxa (5,1%) dos últimos 11 anos, ficando abaixo da média nacional (6,4%) e se aproximando dos índices observados em economias avançadas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômica (OCDE), cuja taxa média foi de 5%. A falta de mão de obra se dá porque as pessoas não querem trabalhar em razão da comodidade dos programas sociais ou não há pessoas para trabalhar?  

Basta ver a quantidade de pessoas que estão nos programas sociais, e volto a falar que não há nada contra o programa social, longe disso. Mas se o país se encontrasse em situação de pleno emprego para que precisaria de programa social se todo mundo pudesse ter um emprego? Lógico que às vezes a pessoa pode pensar que, diante da oferta de um emprego para ganhar um salário mínimo, continuar nos programas sociais, ganhando do estado, do município e da União é mais cômodo. E talvez ainda consiga um trabalho informal ou trabalhando como diarista sem ter carteira assinada tenha uma remuneração melhor. Isso é preocupante. Temos que estudar as portas de saída, e não é simplesmente parar de ajudar as pessoas e cortar o benefício. Temos sempre que fazer uma varredura para ver se realmente as pessoas que precisam é que estão recebendo, saber se algumas das pessoas têm o programa social como complemento de renda, que é a gênese dele, ou ou como renda para pessoas em situações de enfermidades, deficiência ou outras dificuldades que realmente precisam, e deveriam ter até mais em virtude de problemas que  têm. Algumas outras pessoas, às vezes, estão um pouco desestimuladas, e por isso temos que incentivar essa pessoa a ter sua carteira assinada e que ela possa continuar recebendo seu programa social, aumente sua renda, seu poder de consumo e tantas outras coisas que são importantes. É diferente analisar desemprego com baixa procura de emprego. Seria interessante saber se todo mundo que está no programa social tem obrigação de procurar emprego, indo semanalmente em algum estabelecimento comercial, industrial ou  propriedade rural procurando emprego. E por que não está conseguindo. Se for pela falta de qualificação, vamos tentar qualificar.

O estado tem uma população apta a trabalhar suficiente para atender a indústria? 

Goiás tem e o Brasil inteiro tem. A população economicamente ativa, que não está passando por nenhum momento de enfermidade, é suficiente para atender a atividade produtiva do Brasil. O que vemos são setores ofertando empregos das mais diversas remunerações e qualidade de emprego, e ao mesmo tempo filas muito grandes de pessoas atendidas pelos programas sociais. Não podemos ser excludentes; uma pessoa que está no programa social não poder trabalhar com carteira assinada sob o risco de perder o benefício. Em muitos casos as pessoas podem, mas muitas são desconfiadas. O que eu vejo são situações de baixa procura de emprego, mas não de pleno emprego quando se tem milhões de pessoas cadastradas nos programas sociais. Muitas vezes, as pessoas recebem dos três entes federados. Não estou dizendo que está em desacordo com a lei, mas tem sempre que ser sempre feito uma triagem para tentar ver se tem alguém recebendo em desacordo com a lei. Se há de 10% a 15% da população atendida por programas sociais, às vezes até mais, e ao mesmo tempo se comemora ter 3%, 4% de desemprego. Acho que há uma certa incoerência nisso.

A taxa de turnover no Brasil é uma das mais altas do mundo, 56%, e Goiás está entre os três estados com maior rotatividade, junto com Mato Grosso e Espírito Santo. Porém, entre os fatores dos altos índices de turnover não está a falta de mão de obra: os especialistas apontam falta de clareza na descrição de vagas, a falta de um plano de carreira, a remuneração e o ambiente de trabalho. O que explicaria essa alta rotatividade?  

A alta rotatividade do Brasil está ligada a alguns pontos, sendo o primeiro o fato de a pessoa não ter a qualificação correta. A oportunidade de ter acesso ao emprego informal e não precisar do emprego formal  por conta dos programas sociais, faz também com que a pessoa fique mais suscetível a ficar pouco tempo no emprego. A indústria, por outro lado, tem um histórico de empregos mais longevos. 

Considerando todos os fatores que apontou como causas da falta de mão de obra, como superar esse gargalo até 2027?

Incrementarmos o investimento em educação, preparar mais os jovens desde a educação básica até a educação profissional, fazendo parcerias nos municípios, estados e iniciativa privada; tentar melhorar as políticas públicas para melhorar o alcance dos programas sociais, mas ao mesmo tempo permitir que as pessoas possam trabalhar. Esses são os caminhos, conversar cada vez mais com quem emprega para entender a sua dificuldade, a sua realidade e customizar a qualificação do emprego e também investir cada vez mais em tecnologia e automação, em eficiência e aumento de produtividade, porque o aumento de produtividade do trabalhador reduz a necessidade de emprego para o aumento de  produtividade. Ampliar a automação e a mecanização também vai ao encontro desse problema: estou tendo um problema de falta de mão de obra, então tenho que ver o que posso fazer para automatizar. Pode não ser a solução, mas acaba minorando o problema. A busca da  eficiência  tem que ser constante, mas não vamos resolver esse gargalo em dois anos, então as empresas vão se adequando e se virando cada uma da sua forma.

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