
Estudos do Instituto Mauro Borges (IMB) estão subsidiando o governador Ronaldo Caiado na discussão sobre a Reforma Tributária. Eles apontam, por exemplo, que a alíquota de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) que no texto aprovado na Câmara era de 29,03%, com as mudanças no Senado, passou para 30,3%. O diretor-executivo da IMB afirma que Goiás está entre os estados que vão perder com a reforma, e não só em arrecadação, mas também em sua autonomia para gerir as políticas públicas. O instituto tem se debruçado também sobre os efeitos dos incentivos fiscais na economia e geração de emprego e, de acordo com Erik Alencar, até o momento é que se saber é que de 2018 a 2020 houve um aumento na participação da indústria goiana no PIB industrial nacional de 0,5% e que os incentivos evitaram o fechamento de 16% das empresa durante a pandemia.
Andréia Bahia
Tribuna do Planalto – Quais são os fatores do crescimento do PIB que o IMB estima para Goiás em 2023 que pode chegar a 5,5% em um cenário mais otimista?
Erik Alencar de Figueiredo – No ano passado, o nosso cenário otimista previa um crescimento de 5,3% e o crescimento de fato foi de 6,6%.Para este ano, nossa previsão é que, em um cenário otimista, cresçamos acima de 5% e se repetirmos dois anos com um crescimento acima de 6%, isso será extraordinário para a economia. Mas talvez em 2024 não se consiga crescer assim, porque a base está muito alta. O que faz uma economia crescer são basicamente fatores estruturais: a capacidade do investimento e a capacidade de trabalho e a qualidade desse trabalho. Não é só ter trabalhador, mas ter trabalhador com habilidades mínimas para, junto com esse capital, gerar o crescimento. A essa junção dá-se o nome de produtividade total. Tem que ter recursos naturais abundantes, a capacidade de gerar riqueza onde não existia. Todos esses fatores em conjunto são muito difíceis de separar. No IMB conseguimos ter uma aproximação do que fez Goiás crescer nesses últimos anos. Em 2022, todos os setores cresceram basicamente na mesma taxa, indústria, serviço e agricultura. Já em 2023,o crescimento do agro foi muito mais forte. Mas os fatores que determinam esse crescimento são conjunturais ao longo dos anos. O que temos é uma evolução não muito forte no investimento de capital, com empresas abrindo novas fábricas aqui, e isso é importante porque mostra a capacidade da economia de atrair investimentos. O agro puxa muito isso, mas não só o agro,há também investimentos na área de serviço. Pelos nossos cálculos, cerca de 45% desse crescimento é puxado pela capacidade produtiva dos trabalhadores, do capital humano. Goiás evoluiu bastante na formação dos seus trabalhadores e tem trabalhadores com qualidade ímpar. É o ideal? Não, temos que investir mais em formação técnica, concentrar nossos esforços para formar as pessoas para o mercado de trabalho, principalmente com foco nos jovens de baixa qualificação, que são os que têm maior dificuldade para entrar no mercado de trabalho. O grosso do crescimento se deu via revolução do capital humano. A produtividade do trabalhador, não só de Goiás, mas do Brasil inteiro, ficou estagnada durante décadas. Um trabalhador norte-americano tem quatro vezes mais capacidade produtiva do que o trabalhador brasileiro. E não estou comparando com o trabalhador da Alemanha e muito menos com o coreano. Nosso desafio é aumentar a produtividade dos fatores nos próximos anos.
O crescimento previsto para esse ano é puxado pela produção agrícola. Goiás tende a se manter como um estado agrícola?
A produtividade do agro foi a que mais avançou nos últimos anos.No mesmo hectare de terra se produz hoje 12 vezes mais do que se produzia dez anos atrás. Acho que Goiás vai continuar, e essa é uma vocação, sendo líder de produção no agro, mas expandindo a cadeia do agronegócio. Quando passo os números da agropecuária, estou falando da produção tradicional: plantou e colheu, criou gado. Mas quando falo de agronegócio, tem uma empresa de tecnologia que presta serviço de drone, de irrigação; tem a valorização da cadeia; não vai mais exportar a soja,mas partir para agregar valor dentro do estado para depois exportar. Ainda há muito a avançar nesse sentido: expandir não só a agropecuária, a tecnologia e a capacidade de produção – respeitando todas as regras ambientais – mas agregando valor a partir da expansão do agronegócio. Respondemos de forma objetiva, acho que sim, e quando se coloca o agronegócio meio que se rompe essa visão tradicional de indústria, agro e serviço. Agronegócio é muito mais que isso. E temos que abraçar essa vocação, porque essa é a nossa vantagem comparativa não só no Brasil, mas no cenário mundial.
O setor agrícola goiano é formado por 60% de agricultura familiar e 40% de empresarial. Essa composição impacta na desigualdade social do estado?
Tem uma separação muito clara de pequenos e grandes produtores e os pequenos produtores têm uma capacidade associativa muito forte. O que o pequeno pode fazer é buscar a evolução da produtividade a partir da associação. Esse é o primeiro caminho e o segundo é buscar agregar valor ao produto dele a partir de uma agenda ambiental para direcioná-lo a um mercado consumidor de poder aquisitivo muito maior. A agenda ambiental é a grande fronteira para geração de valor, principalmente para os pequenos, assim como a agenda energética de energia renovável. A cadeia tradicional é desvantajosa para os pequenos produtores.
O fato de os grandes grandes produtores representarem 40% do setor tem impacto na desigualdade regional e social de Goiás, considerando que tais produtores, em sua maioria, nas regiões Sul e Sudeste do estado, as mais ricas, enquanto as regiões mais pobres são o Norte e Nordeste?
Quando olhamos essa divisão, estamos olhando o sintoma. Não é por acaso que a grande produção está no Sul, mas porque há uma vantagem comparativa de produção no Sul; não é por acaso que há pouca produção no Nordeste do estado, mas porque tem uma estrutura que não favorece o desenvolvimento das indústrias naquela região. Isso faz com que se tenha um desequilíbrio ou desigualdade. Como se cria uma estratégia de desenvolvimento industrial? Já tentamos, na década de 70, forçar a industrialização nessas regiões e, aparentemente, não deu certo, porque a localização industrial se dá pela pela escolha privada de minimização de custos. O que resta ao gestor de política pública é identificar esse problema e buscar os fatores que vão impulsionar a renda daquela região. O Nordeste do Brasil não tem uma vantagem comparativa na produção de tecnologia, mas tem uma vantagem comparativa na produção de energia limpa; eólica, por exemplo. Se quiser produzir energia solar, tem que ir para o interior da Paraíba. A grande fronteira para a superação do subdesenvolvimento, eu acredito ser a agenda ambiental. E a mesma coisa serve para o Nordeste de Goiás. Pode não ter um fator de atração na região Nordeste, mas tem como, por exemplo, gerar crédito de carbono a partir do manejo florestal em pequenas propriedades. Pode-se encontrar alternativas dialogando com essa tecnologia mais recente. Tem saída, mas talvez não seja forçando empresas a ir para lá porque elas vão ficar lá até quando tiverem incentivo e depois não se sustentam.
A localização de Goiás é um fator positivo ou negativo para a economia?
Inicialmente, há uma certa desvantagem, mas a evolução tecnológica fez com que essa área se tornasse a mais dinâmica do Brasil. Pesquisas da Embrapa viabilizaram a plantação de soja onde não era possível. Eu vejo a localização do Centro-Oeste como estratégica em diversas dimensões: a logística, pode ser um elo muito muito forte do resto do Brasil com o Norte a partir de Goiás; tem a própria dinâmica da região, que avançou muito nos últimos anos e hoje atrai pessoas. Tínhamos, na década de 60, 2% de participação no PIB nacional, hoje, são 12%. Em termos de agenda alimentar do mundo, não só do Brasil, há uma produção de grãos excepcional que vem alimentando o mundo; há a agenda ambiental, ainda pouco explorada, mas muito forte. Não seria tão forte como a agenda ambiental do Norte do país por conta da floresta amazônica, mas tem biomas ali muito importantes para crédito de carbono.Estima-se que só esse ano esse mercado movimente R$ 5 bilhões. A minha aposta para Goiás é continuar com essa agenda de atração de investimento industrial e de serviços; dar apoio ao avanço do agro e tornar essa cadeia do agronegócio cada vez mais mais forte. Não é um jogo que soma zero, porque para a indústria avançar não precisa tirar do agro.
Nas últimas décadas, houve uma retração da indústria. Pode-se aferir que houve um retrocesso do processo de produção, que voltou a ser primaria? Nós alimentamos o mundo para o mundo produzir tecnologia, que compramos caro para produzir soja barata?
Eu não vejo isso como preto no branco: ou investe no agro ou em tecnologia. A desindustrialização não é um movimento só no Brasil, é de quase todo o ocidente. Os Estados Unidos perderam participação, o Brasil perdeu, a Europa vem perdendo, porque tem um movimento muito forte na China, Coreia do Sul e Japão, atraindo esse capital. Um movimento muito forte e que teria que ter uma resposta. A pandemia deu uma chacoalhada na estrutura de produção mundial. A primeira mensagem foi sobre a importância da produção de alimentos; a segunda é que nunca se deu tanta atenção à agenda ambiental; a terceira é que a produção industrial de larga escala precisa ser mais desconcentrada. Na pandemia ficou evidente a nossa dependência da China, queríamos comprar máscaras, equipamentos e se a China não entregasse seria o caos. Evidente que isso é um ponto muito extremo, mas é nesses extremos que se detectam as falhas no sistema. Percebeu-se que essa concentração muito forte na China acendeu um sinal de alerta. Precisamos de mercados mais próximos, menos instáveis politicamente, mais amigáveis, mais próximos dos Estados Unidos e da Europa. O Brasil ficou olhando e dizendo: sou eu. Tenho recursos naturais, mas inúmeros desafios. O principal desafio é tornar o trabalhador brasileiro mais hábil para produzir. Com esse salto, seríamos a grande fronteira de desenvolvimento do mundo, mas precisamos de uma política mais centralizada, mais nacional, Goiás não consegue fazer isso sozinho. O Brasil se autossabota muito, cria custos que não existem em outro lugar. A indústria se movimentou para o oriente por conta de custos. Se queremos capturar essa indústria de volta, ou a gente reduz os nossos custos e se torna mais competitivo ou convence o mundo a pagar mais caro pelas coisas.
O IMB acompanha os programas de incentivos fiscais desde a criação do Fomentar, em 1984, e com base nesse conhecimento é possível afirmar que a geração de emprego e de renda e o ganho na economia do estado compensam a renúncia fiscal em todos os casos?
A pergunta que a sociedade faz é legítima, a renúncia fiscal para determinada empresa retorna para a sociedade? A participação do valor adicionado da indústria goiana de 2008 a 2018 é uma linha reta. Goiás não avançou na participação da indústria nacional nesse período. De 2018 a 2020 avançamos 0,5% na participação da indústria nacional. Isso é um sinal de que estamos ganhando espaço na indústria nacional. Eu espero que com o dado de 2021 avance 0,5% e fique próximo de 1%. A outra dimensão que se avalia é a do emprego, e tem uma nova técnica do IMB avaliando a Fomentar e o Produzir, de 2019, dizendo que não houve impacto no emprego. Essa nota tem uma implicação técnica muito forte. Ela não teve acesso aos dados das empresas que recebem o benefício fiscal e fez essa conta com base nos municípios onde essas empresas estão. Eu não posso transferir a dinâmica do município para empresas em particular. Digamos que, em Águas Lindas, tem uma unidade que recebe o incentivo e houve uma queda no emprego do município. Se a empresa não estivesse lá, essa queda não seria, hipoteticamente, de 500 empregos, seria de 1,5 mil.Quando se pega o agregado não se consegue pegar as particularidades. Para falar sobre o benefício fiscal, precisamos da informação do benefício fiscal das empresas, que contam com o sigilo fiscal. O estudo foi feito sem os dados das empresas porque não se pode revelar dados sigilosos da empresa, isso dá responsabilização criminal. Nós entramos em uma negociação com a Secretaria de Economia para tornar as informações anônimas e já começamos a avaliar os efeitos. O primeiro efeito que detectamos foi o seguinte: no período da pandemia, o benefício fiscal evitou o fechamento de CNPJ na casa de 15% e 16%. De quantos por cento? Aquelas empresas que tiveram acesso ao benefício fiscal fecharam menos unidades. Isso porque elas já estão em uma região com alguma desvantagem comparativa. No caso do Centro-Oeste, há uma desvantagem comparativa, embora tenha uma logística razoável, de estar longe do mercado consumidor e do porto para exportar, e a política age nesse sentido. Feito isso, o próximo passo foi identificar os efeitos para o emprego e esse estudo está sendo fechado agora, mas temos indícios de que há um efeito positivo também sobre o emprego.
A queda no desemprego registrada em Goiás está relacionada ao crescimento do PIB ou há outros fatores?
Certamente o principal indicador da economia é o crescimento do PIB, só que a economia pode crescer sem distribuir essa riqueza, ter um crescimento muito forte em setores que não geram muito emprego. Mas não foi o caso de Goiás.Está havendo um crescimento muito forte acompanhado pela inclusão de pessoas no mercado de trabalho, e isso faz com que o desemprego caia. Quando se tem o PIB atingindo o maior nível de atividade da história tem também a série de pessoas ocupadas atingindo o maior nível da história. Isso é muito muito interessante.E pela primeira vez na história a renda média do trabalhador goiano ultrapassou a média nacional duas vezes. A economia cresce, gera emprego e essa geração de emprego está significando salários mais altos. Nós estamos desde 2022 operando acima do PIB potencial, o que mostra um aquecimento muito forte da economia e também uma mensagem mais de longo prazo. Não podemos passar muito tempo operando acima da nossa capacidade, temos que mudar a nossa capacidade natural de crescimento, com pessoas mais capacitadas para ocupar os cargos e uma dinâmica de capital mais ampla.
O texto da Reforma Tributária aprovado pelos senadores manteve a estimativa que o IMB fez em relação ao valor do IVA?
Nossa primeira estimativa foi 29,01%, mas fizemos também o que se chama intervalo de variação porque não temos o texto fechado. Quando eu falo de cesta básica, não é feijão, arroz agulhinha; temos que construir uma cesta básica hipotética. Vários elementos deixavam um espaço para interpretação. E naquele primeiro momento, nós calculamos também o custo das exceções. A Zona Franca de Manaus é responsável por 0,8% na alíquota e, se ela permanecer no texto, toda vez que alguém comprar um produto, ele vai pagar 0,8% a mais para sustentar a Zona Franca. O Governo Federal fez um estudo e disse que a alíquota ficaria na casa de 25%. No Senado,foi adicionado, por exemplo, a categoria de profissionais liberais na alíquota reduzida, houve uma desoneração de 100% em uma cesta básica restrita e foram ampliados os produtos na categoria 60%. Houve aumento nas exceções e com base nesse texto a alíquota foi pra 30,3%. Esse foi o passo um, saber o valor do imposto. Não se pode calcular quem vai ganhar e quem vai perder sem saber o valor do imposto.
As perdas de R$ 170 bilhões que o IMB estimou também estão mantidas?
Há diversas versões de texto que apresentavam o crescimento global do Brasil, mas Goiás está sempre entre os perdedores. Em qualquer uma das versões. Várias pessoas defendem que o Brasil vai crescer. Aí eu puxo o exemplo da década de 70, conhecido como o milagre brasileiro. O Brasil cresceu em média 10% ao ano e Goiás, durante esse mesmo período, um crescimento abaixo de 1%; não necessariamente cresceu. O Brasil é composto por diversos brasis e não necessariamente o crescimento do Brasil – se é que ele vai existir – vai refletir em Goiás. O estado tem prejuízo na arrecadação, porque muda o eixo de origem e destino do consumo e como é um estado produtor teria perda nesse sentido; há uma perda de autonomia política, porque quando se mexe na regra na cota-parte do ICMS, tira do estado a capacidade de gerir sua política pública e estabelecer suas metas e induz os entes, no caso dos municípios, a seguirem uma agenda que se julga boa para o estado. Tem uma outra coisa que pouca gente tem percebido que é o cashback tributário. O cashback é um um incremento na renda das pessoas do Bolsa Família, que vão receber uma determinada quantia com base na devolução do imposto. Só que de cada R$ 1 que for depositado nesse cartão R$ 0,64 centavos é dos estados e municípios. É uma política pública federal financiada por estados e municípios.