Em um país marcado por desigualdades estruturais, informalidade laboral e um sistema produtivo que, não raramente, opera sob alta carga tributária e complexidade regulatória, seria natural esperar do Poder Judiciário uma atuação mais conectada com a realidade social e econômica do Brasil. No entanto, o que se tem verificado, com preocupante frequência, é o distanciamento progressivo entre a jurisprudência dos Tribunais Superiores e a vida como ela é vivida fora dos gabinetes climatizados de Brasília.
São inúmeras as decisões que não apenas desconsideram o contexto fático e a razoabilidade das circunstâncias, como também impõem ao setor produtivo obrigações desproporcionais, interpretações extensivas em desfavor das empresas e, por vezes, reconhecimentos de direitos que beiram o absurdo jurídico, sob o pretexto de proteção hiperbólica da parte hipossuficiente.
Um caso emblemático e recente é o que envolveu a rede Pão de Açúcar, condenada a indenizar um padeiro demitido por justa causa após se apresentar para trabalhar embriagado. A decisão, proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), ignorou por completo a gravidade da conduta, o risco à integridade do ambiente de trabalho e a possibilidade de comprometimento da produção alimentar. Em vez de reconhecer a legitimidade da demissão com base no art. 482 da CLT, a Corte entendeu que havia abuso da empresa, discriminação e concedeu ao trabalhador uma indenização por dano moral, premiando, na prática, uma conduta reprovável.
Pergunta-se: o que resta ao empregador diante de um funcionário embriagado, senão zelar pela segurança de todos?
Outro exemplo que revela o descolamento entre o Judiciário trabalhista e a realidade concreta foi o julgamento, também pelo TST, que considerou a ausência de fornecimento de banheiros a trabalhadores externos em atividades itinerantes como motivo suficiente para condenação por dano moral. A decisão parte do pressuposto de que o empregador teria condições logísticas e operacionais de acompanhar com banheiros móveis cada equipe em campo, como se fosse razoável, por exemplo, exigir que uma empresa de limpeza urbana disponibilize instalações sanitárias em cada ponto da cidade onde atua, a cada turno, em cada rota. Trata-se de uma ficção jurídica incompatível com a racionalidade operacional e econômica do serviço público delegado.
Esses exemplos, entre tantos outros, evidenciam uma preocupante disfunção institucional: o Direito se transforma em exercício de abstração desconectado das limitações da realidade, ignorando o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, transformando o Judiciário em legislador positivo e revisor absoluto da lógica empresarial e administrativa.
Não se trata de negar a importância da proteção aos direitos fundamentais dos trabalhadores ou da dignidade da pessoa humana. Mas a função jurisdicional exige equilíbrio, moderação e, sobretudo, responsabilidade institucional. Julgar sem considerar os custos, os impactos sociais, os limites técnicos e a viabilidade prática das decisões é desprestigiar o próprio papel do Direito como instrumento de organização racional da vida em sociedade.
O que se observa, infelizmente, é a crescente judicialização do bom senso. E quando as Cortes Superiores se tornam insensíveis à realidade das ruas, das empresas, do setor público e da lógica do mercado, a segurança jurídica cede lugar à imprevisibilidade institucional, afugentando investimentos, comprometendo a sustentabilidade do emprego e gerando um clima de permanente incerteza.
É urgente que se resgate o papel do Poder Judiciário como garantidor de direitos, mas também como guardião da ordem, da lógica e da viabilidade prática das decisões que proferem. A toga não pode ser um manto que cega; deve ser um instrumento que ilumina com prudência e sensatez. Julgar exige, além de conhecimento jurídico, humildade para compreender os limites do papel institucional e sensibilidade para ouvir a voz da realidade.