Um candidato recompor-se depois da derrota é uma luta talvez maior que a da campanha que passou. Outra eleição, com dois campos de batalha. Interiormente é preciso vencer a raiva, a desesperança, a desilusão, tudo que chega de uma vez e em carga máxima.
Por que continuar a servir a população se a população não corresponde? Isso para quem tem espírito público, claro. Para quem está no jogo apenas pra jogar, nada está perdido. Lavou a cara, colocou óleo de peroba, pronto. Segue o enterro. Nada mudou.
Para quem tem brio e vocação política, tudo dói. Dói o coração, dói as costelas, dói o bolso, dói a consciência, dói cada gota de sangue caída nas feridas expostas. Por mais que a pessoa tenha corpo fechado e alma resiliente, a dor é real e intransferível.
A outra batalha é pra não deixar quem está próximo e de verdade sente a mesma dor se preste em qualquer dos sentimentos que tomam conta dos olhos e os deixam nublados. É preciso levantar a moral da tropa, é fundamental segurar as pontas em família.
O futuro a Deus pertence. Sim. Lugares comuns contém verdades. Será candidato ou candidata de novo? Colocará em risco sua paz – que sempre vem, depois das feridas curadas – mais uma vez para tentar o que pode dar certo, mas também pode dar errado?
Uma questão forte que surge em meio a esse turbilhão de pensamentos, sentimentos, dores, é a responsabilidade pessoal e pública. De novo, falamos de espírito público para quem tem. E as pessoas que acreditaram, votaram, pediram votos, além de derrotadas ficarão agora abandonadas?
Quem é candidato ou candidata carrega todos os votos que têm e os que não tem. Os que não foram depositados nas urnas – porque escolheram outro ou outra e isso é democracia – e os que foram, por mais minguados que sejam. Ignorá-los na equação do futuro é, na essência, trair o espírito público.
Uma derrota não é um fracasso total. É um curva, um desvio. Desde que a caminhada não pare aí ou não enverede pelos descaminhos que resultaram exatamente na derrota. Uma derrota é também uma lição. Desde que o caminhante o faça por merecer.
Exemplos na prática
Participei de uma eleição em que estava claro desde o início que seria perdida. Por várias razões. Essa era a leitura objetiva. Em todo caso, em nenhum momento isso esteve no horizonte, que só mostrava o caminho da vitória. No fim, ganhamos. Uma vitória bonita.
Em outra, vivi a expectativa feroz da vitória. Um candidato novo, cheio de ideias aparentemente boas, uma equipe bem estruturada, tudo levava a um resultado que indicava derrota alheia. O esforço foi grande, a campanha foi belíssima, e a derrota foi fulgurante. Pois é.
No primeiro caso, o político seguiu na vida política, foi derrotado uma vez com seu sucessor, mas continuou em outra caminhada somando vitórias reais. Sempre subestimada. E quase sempre insuperável nas batalhas que comprava. Não é ovacionado, mas na prática é um vencedor.
No segundo caso, o político continuou a promessa que era, esbanjando expectativas em torno de seu futuro. Obteve uma vitória por obra da história, mais em razão de contratempo do maior adversário – mas sorte é para os vencedores. Porém foi perdendo, perdendo, perdendo…
Posso citar aqui, pra fechar a conversa, o ministro, governador e prefeito de Goiânia Iris Rezende. Iris perdeu em 1998, como todos sabem. Não culpou o povo. Não se culpou. Não abandonou seu povo. Perdeu de novo, a reeleição para o Senado. Até que voltou a ganhar, voltando à prefeitura.
Iris não voltou a ganhar o governo. Tentou, mas não deu. A prefeitura foi seu ponto de resistência. Seu lugar nos anos derradeiros de vida. Poderia muito bem ser candidato à reeleição, em 2020. Superou a Covid fazendo do seu gabinete um bunker de resistência.
Sua avaliação positiva estava nas alturas. Goiânia queria que ele continuasse por mais um mandato, mesmo com quase 90 anos. E foi justamente aí que ele saiu de campo. No auge. Suas vitórias muito maiores que suas derrotas.
Sua história edificada nas urnas sem margem de erro para a prevalência dos momentos difíceis. Com louvor. O louvor do povo. Iris ganhou do tempo. Ganhou do tempo o seu lugar de incansável vencedor.