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“Relações de trabalho, o celular e a inteligência artificial”


Avatar Por Redação Tribuna do Planalto em 09/05/2025 - 11:52

celular trabalho
Entre a eficiência e o esgotamento, o trabalho agora vibra no bolso.

Neste quarto e último artigo da série, “Celular: Mal do Século ou Solução?”, refletiremos sobre o impacto da tecnologia celular e da Inteligência Artificial nas relações de trabalho, em sua eficiência, monitoramentos constantes, apagamento das fronteiras entre o tempo pessoal e profissional, a utilização dessas tecnologias em benefício da verdade real, princípio basilar da Justiça Trabalhista e as consequências na saúde mental dos trabalhadores.

Com a mesma rapidez com que uma mensagem é enviada ou uma compra é confirmada, remetida e monitorada, o mundo do trabalho tem sido remodelado pela presença onipresente do celular e pelas tecnologias de inteligência artificial. Se o século XX foi o tempo das máquinas industriais, o XXI será lembrado como a era das interfaces inteligentes e da mobilidade digital.

Hoje o celular não é apenas uma ferramenta de comunicação pessoal: é também instrumento de fiscalização, controle, produção e gestão da força de trabalho. Empregadores utilizam aplicativos para monitorar jornadas de trabalho em tempo real, verificar geolocalização dos trabalhadores externos, controlar horários de início e término da jornada laboral, pausas para descanso e alimentação, e atestar a execução de tarefas atribuídas. O trabalhador contemporâneo, muitas vezes, executa sua rotina com o celular como “espelho digital” de seu desempenho.

De um lado, essa evolução permite ganhos de produtividade, organização e transparência. De outro, aprofunda a fronteira entre a liberdade individual e o controle automatizado, levantando discussões éticas e jurídicas sobre a extensão desse monitoramento, seu alcance e seus impactos na saúde mental e na privacidade.

Nas atividades externas e itinerantes, o celular pode ser usado, por exemplo, para medir as distâncias percorridas, o trecho atendido, o efetivo cumprimento das tarefas, as pausas, paradas e descansos, bem como dias efetivamente trabalhados e folgados.

A Justiça do Trabalho tem se adaptado ao novo cenário tecnológico, proferindo decisões que validam o uso de provas digitais, como dados de geolocalização e registros de aplicativos, para a comprovação de vínculos empregatícios, a delimitação de jornadas laborais e a verificação de horas extras. Diversos tribunais regionais têm aceitado, por exemplo, registros de localização por GPS, obtidos por meio de aplicativos como WhatsApp, plataformas corporativas e Estações Rádio Base (ERB) de redes celulares, como elementos probatórios válidos da subordinação, da habitualidade e das jornadas de trabalho.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já reconheceu a validade de impressões de tela (prints) de localização, enviadas pelo próprio trabalhador em grupos de trabalho, como elementos que corroboram a prestação de serviço, desde que inseridos no contexto probatório e analisados em conjunto com outras evidências, e que se tenha preservado, necessariamente, a cadeia de custódia.

A transformação é ainda mais aguda em setores como a agricultura. Segundo dados da Embrapa (2023), drones, sensores e softwares autônomos já substituíram dezenas de milhares de postos de trabalho no campo, atuando em pulverização, mapeamento, diagnóstico de safras e irrigação automatizada. A presença humana deu lugar ao operador remoto, munido de tela e conexão à internet.

O mesmo ocorre nas carreiras jurídicas. Ferramentas baseadas em IA estão automatizando tarefas de análise jurisprudencial, confecção de minutas, leitura de contratos e rastreamento de precedentes. Escritórios que antes dependiam de equipes extensas de advogados e estagiários, hoje terceirizam parte da inteligência técnica a robôs jurídicos. A função humana, nesse contexto, não desaparece, mas se desloca para a supervisão, interpretação e decisão final.

Observa-se um impacto significativo desse fenômeno, inclusive, na formação profissional. Dados do INEP e do MEC, provenientes do ENEM 2023, revelam que, pela primeira vez, os cursos direcionados à Inteligência Artificial superaram a procura por Medicina, tradicionalmente o curso mais concorrido. A geração futura demonstra uma clara reorientação no sentido de compreender, desenvolver e aplicar essas tecnologias que estão remodelando todas as áreas do conhecimento.

De forma melancólica, contudo, é preciso reconhecer que a mesma tecnologia que promete um futuro mais eficiente também desumaniza relações e reconfigura a dignidade do trabalho. Há uma progressiva substituição da experiência pelo dado, da observação direta pela inferência digital. Ainda assim, há pontos positivos a serem reconhecidos: o uso de IA e celulares tem contribuído para a redução de acidentes de trabalho, ao prever falhas, antecipar riscos e automatizar tarefas perigosas.

A doutrina especializada também se debruça sobre o tema. Para o jurista Jorge Luiz Souto Maior, “a nova era tecnológica exige releituras da proteção ao trabalho, sob pena de a subordinação digital substituir, com menos transparência e mais controle, os antigos modelos fordistas de exploração laboral” (MAIOR, 2021).

Como alerta o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, “vivemos num mundo hipervisível, em que tudo é mostrado, monitorado e mensurado”. Mas, adverte ele, “quanto mais visível algo se torna, mais se esvazia de sentido”.

Nem toda eficiência tecnológica corresponde, por si só, a progresso social. É preciso assegurar que o ser humano permaneça no centro desse processo, com proteção à sua saúde mental, emocional e física. A intensificação do controle digital, a pressão por disponibilidade constante e o apagamento das fronteiras entre o tempo pessoal e profissional têm contribuído, segundo a Organização Mundial da Saúde, para o crescimento de doenças como ansiedade e burnout, especialmente em ambientes de alta exigência tecnológica.

Portanto, que a tela que repousa na palma da mão continue a descortinar novos horizontes e a conectar pessoas e saberes. Que ela seja um portal para a exploração do mundo em suas múltiplas facetas, inclusive profissional. Mas, concomitantemente, que a mente humana se mantenha ativa e receptiva, cultivando a capacidade de observar atentamente a realidade que a cerca, de interpretar com profundidade as informações que recebe, de ponderar sobre suas implicações e de construir, com discernimento e senso de responsabilidade, um futuro em que a tecnologia sirva genuinamente ao bem-estar coletivo, à promoção da justiça social e ao florescimento do potencial humano em sua plenitude, e não o contrário, em que a humanidade se torne mera engrenagem de um sistema tecnológico desprovido de propósito ético.

Que o futuro, ainda que digital, continue humano!

 

“O celular e o impacto nas empresas e mercados”

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