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“Todo governo tem o risco de se tornar refém do Congresso”

Nesta entrevista à Tribuna do Planalto, o deputado petista Rubens Otoni avalia a dificuldade que o governo Lula está encontrando para administrar com um Congresso majoritariamente de oposição, mas diz que isso não surpreende a esquerda


Andréia Bahia Por Andréia Bahia em 05/07/2025 - 17:59

Rubens Otoni fala sobre Lula e o Congresso Nacional (Foto: Câmara dos Deputados)

Em entrevista à Tribuna do Planalto, o deputado petista avalia a dificuldade que o governo Lula está encontrando para administrar com um Congresso majoritariamente de oposição, mas diz que isso não surpreende a esquerda. Considera que o presidente Lula tem conseguido superar as adversidades, uma vez que aprovou mais de 80% dos projetos que enviou ao Parlamento, minimizando a derrota na proposta de aumento da IOF. Sobre a candidatura de Caiado a presidente da República, Otoni analisa que a maior dificuldade do governador é convencer que pensa igual a ele. 

Foi publicada uma pesquisa Quaest que aponta que 46% dos deputados federais avaliam o governo Lula de forma negativa e 27%, positiva. Esse quadro é resultado de que na opinião do senhor?

O resultado da representação na Câmara federal. Isso não é novidade. Desde o início do governo do presidente Lula, sabemos que a representação de apoiamento ao presidente Lula sempre foi menor do que de apoiamento à outra ala. Esse é o grande desafio, que é não apenas ganhar a eleição, mas ter também uma representação maior no Congresso Nacional. O governo tem sido de sucesso, com bons resultados, graças à capacidade de articulação política do presidente Lula, mas não porque ele tem a maioria no Congresso; ele nunca teve. Só para se ter uma ideia, dos 513 deputados na Câmara, apenas 60 são do Partido dos Trabalhadores, com a federação, chega a 80, com os partidos aliados, a 120, 140. Para 513, há uma distância muito grande. O presidente Lula tem governado, e bem, graças à sua capacidade de articulação e de construção da governabilidade.

“Não tem uma obra sequer, pode andar o estado de Goiás inteiro, um município sequer que tenha uma obra do governo federal anterior entregue para a população.”

Quando o senhor fala que Lula tem governado bem isso não é corroborado pelas pesquisas de avaliação do governo. O governo não é bem avaliado porque não comunica bem essa boa gestão ou porque a oposição tem feito um trabalho melhor para desacreditar o governo Lula?

O meu parâmetro para dizer se governo bom ou ruim é o resultado das entregas que se faz à comunidade, porque o governo existe para servir à comunidade, à população e, principalmente, a quem necessita das políticas públicas. Não pode ser uma questão de opinião. Eu não tenho uma opinião disso ou daquilo, eu avalio pelos resultados e ando o estado todo, já visitei esse ano 148 municípios presencialmente, e por todo lado que eu vou, em todas as regiões tem obras do governo do presidente Lula sendo iniciadas, sendo entregues, unidade básica de saúde, creche, escola de tempo integral, equipamentos para agricultura familiar, trator, retroescavadeira, caminhão caçamba. Coisas que não aconteciam no governo anterior. Não tem uma obra sequer, pode andar o estado de Goiás inteiro, um município sequer que tenha uma obra do governo federal anterior entregue para a população. Nós temos obras espalhadas por todo o estado. É isso que dá o resultado de um bom governo. Não é a opinião. Opinião todos têm. Cada um tem a sua e as pesquisas mostram a opinião. Quando eu falo do governo exitoso é o governo que está entregando os benefícios para a comunidade.

Mas o governo não está comunicando bem isso à comunidade?

Essa questão se há o reconhecimento ou não da comunidade vai ser medida na eleição, não na pesquisa. Na próxima eleição vamos poder medir se a população reconhece ou não esse trabalho. Eu estou andando o estado todo e vejo que há um reconhecimento; o pessoal está vendo o que foi feito no governo anterior e o que está sendo entregue agora. Eu estou muito otimista quanto a esse próximo período da nossa política, porque 2023 e 2024 foram anos de semeadura, de preparação do terreno, de plantação; 2025 e 2026 serão anos de colheita, e eu já percebo isso por onde tenho andado. Os municípios já começam a colher aquilo que foi iniciado no governo do presidente Lula, com obras, com projetos, com programas, com investimento do governo federal que possibilitam a melhoria da qualidade de vida da população.

“Pela habilidade do presidente Lula, mesmo sem maioria, nesses dois anos e meio de governo, ele aprovou mais de 80% das matérias que mandou para o Congresso Nacional.”

O senhor percebe na câmara um movimento comandado pelo centrão para deixar o governo Lula ‘sangrar’ até 2026, como foi aventado recentemente?

Essa questão da disputa política não é novidade, aliás, o Congresso existe para poder garantir a representação das diferentes opiniões que existem na sociedade e a partir do resultado da eleição, a representatividade é colocada e temos que conviver com ela. Não é novidade que a maioria da representação, tanto na Câmara quanto no Senado, não é uma representação vinculada e apoiadora do presidente Lula. O presidente Lula está realizando o seu trabalho mesmo não tendo essa maioria pela sua capacidade de articulação. O que você diz é verdade, existe uma movimentação da maioria, tanto na Câmara quanto no Senado, num sentido diferente daquilo que projeta o presidente Lula. Mas isso não é empecilho. O presidente Lula já disse várias vezes que defende a democracia e na democracia ele sabe conviver com quem pensa diferente e trabalha também com quem pensa diferente, e está administrando dessa maneira. Existem projetos diferentes e esses projetos diferentes vão disputar a próxima eleição como disputamos as outras eleições também. Isso faz parte da democracia.

Há um movimento petista nas redes sociais chamando o presidente da Câmara, deputado Hugo Motta, de traidor do Lula. Hugo Motta traiu Lula?

A minha avaliação é que precisamos criar um ambiente favorável para trabalharmos juntos com a Câmara e com o Senado em tudo aquilo que nós pudermos trabalhar. Mas sabemos que o atual presidente da Câmara, assim como o presidente anterior, não é ligado ao presidente Lula. Então, não se trata de traição. Eles têm as opiniões deles, têm uma posição às vezes diversa da posição do presidente da República, que sabe conviver com isso. E muitas das vezes isso leva o presidente Lula a ser derrotado em algumas matérias que encaminha para a Câmara, como foi o caso da votação do IOF. Mas pela habilidade do presidente Lula, mesmo sem maioria, nesses dois anos e meio de governo, ele aprovou mais de 80% das matérias que mandou para o Congresso Nacional. É um resultado muito positivo para quem não tem maioria na Câmara e no Senado conseguir aprovar mais de 80% das matérias. Algumas matérias ele perde, mas na grande maioria ele tem logrado êxito, até porque todas matérias que apresenta são de interesse da população brasileira.

Após a derrota no IOF, o governo liberou emendas parlamentares. O governo estaria se tornado refém do Congresso? 

Todo governo corre o risco de ser refém do Congresso. E um exemplo de governo refém do Congresso foi o anterior, do (Jair) Bolsonaro, que chegou ao ponto de criar um orçamento secreto e entregar para o Legislativo executar. Isso, sim, foi um absurdo. Eu não me lembro de ninguém ficar preocupado com isso, ou pelo menos a grande maioria não se preocupou com isso na época, o que foi um grande acinte, inclusive sendo questionado na Justiça. Tem dezenas de parlamentares respondendo processo. Isso sim foi uma coisa muito grave. O que existe é o presidente Lula tentando levar adiante, criar as condições de responsabilidade fiscal para não ter que cortar nas políticas públicas. Tem gente que acha que não precisa do IOF porque basta cortar os gastos. E onde que eles querem cortar os gastos? Na saúde, na educação, na ação social, nas políticas sociais. E o que nós estamos querendo é poder garantir receita para que esses programas não sejam prejudicados. Esse é o grande debate que está no Congresso Nacional e que faz parte da democracia, não tem nada de mais nisso. Cada um defende a sua opinião e aqueles que pensam diferente de mim, do presidente Lula têm o direito de pensar. Nós vamos disputar as nossas ideias e vamos disputar na sociedade, tentando mostrar para a sociedade qual que é o debate que está em jogo.

“Qual absurdo que existe em querer cobrar 0,5% a mais de imposto de cerca de 150 mil pessoas no Brasil que são bilionárias, ganham mais de um bilhão por ano, para viabilizar uma receita maior para 10 milhões da população carente do país?”

E o debate que está em jogo é a luta entre pobres e ricos que a propaganda do PT trouxe nesta semana?

Acho que colocar dessa maneira é simplificar o desafio que temos no país. Mas, às vezes, do ponto de vista da comunicação, é importante dar esse choque para as pessoas começarem a perceber o que realmente está em jogo. Qual absurdo que existe em querer cobrar 0,5% a mais de imposto de cerca de 150 mil pessoas no Brasil que são bilionárias, ganham mais de um bilhão por ano, para viabilizar uma receita maior para 10 milhões da população carente do país?  Falar em uma guerra entre ricos e pobres, às vezes soa mal, exagerado, mas o debate é sobre fazer justiça tributária,para quem ganha mais possa pagar um pouco mais para que aqueles que ganham menos tenham acesso a políticas públicas que garantam qualidade de vida, dignidade e cidadania.

Os candidatos às eleições do PT, Rui Falcão, Valter Pomar e Romênio Pereira, criticam o Congresso Nacional e alertando que partidos de direita com ministérios estão “tentando sufocar o governo Lula”. Como o senhor vê essa crítica?

Essa disputa é real e não é novidade. O presidente Lula foi eleito com esse Congresso, onde o PT tem 60 deputados em 513. Alguns partidos que não estiveram com o presidente Lula na campanha de 2022, estão presentes nos ministérios.Isso é fruto dessa tentativa do presidente Lula, mesmo tendo minoria no Congresso, de tentar construir a governabilidade. Mas às vezes, isso não é suficiente para passar todas as matérias, e em algumas matérias, mesmo com esse gesto para a governabilidade, não existe acordo. Mas na grande maioria das matérias, o presidente Lula tem conseguido levar adiante o seu projeto com mais de 80% dos seus projetos aprovados no Congresso Nacional.

Edinho Silva, o outro candidato a presidente do PT, defende retomar diálogos com o partido de centro e centro-direita, para refazer a ampla eleição de 2022? Qual o melhor caminho?

O presidente Lula foi eleito com o Congresso majoritariamente divergente da sua opinião e  ele continua dialogando com esses partidos, construindo a governabilidade, cabe a ele fazer isso. A campanha eleitoral será outra coisa. Quando chegar o período de definição das alianças, a partir de abril do ano que vem, vamos construir alianças com aqueles que queiram também participar do processo eleitoral conosco. Eventualmente teremos partidos que estão conosco no governo e que no processo eleitoral não vão participar. Da mesma forma que em 2022, partidos que não estiveram conosco no processo eleitoral e estão com o governo. São fatos diferentes: para a governabilidade, o presidente Lula constrói uma base de apoio do Congresso e, para o processo eleitoral, cada partido fará as definições lá na frente, a partir de abril. Da nossa parte, vamos buscar ampliar a nossa frente de apoio, mas isso vai depender do diálogo a partir do ano que vem.

Por que a fundação do PT  quer fortalecer o diálogo com os evangélicos? Qual a importância do segmento para o projeto político do PT?

Porque temos que dialogar com toda a sociedade, quem governa tem que saber que não governa apenas para quem vota nele, para quem é simpático, para quem está no seu partido. Você tem que dialogar com todos os segmentos da sociedade, seja maioria ou minoria. Essa é uma obrigação, precisamos fazer isso. Eu sou deputado federal do PT, todos sabem disso, a minha identificação, mas tenho consciência que, na medida que sou eleito, sou eleito não apenas para o PTE, não apenas para quem votou em mim. O PT tem a responsabilidade de se aproximar de segmentos importantes, e quando se fala na religiosidade, trabalhar esses setores, e não apenas católicos e evangélicos; há outras manifestações religiosas que são minoritárias na sociedade, mas que merece o respeito e atenção do PT a partir das necessidades e das carências que eles têm.

Quais bandeiras o PT precisaria resgatar para voltar a falar com os trabalhadores?

O PT continua no seu diálogo e todo partido tem seus momentos de maior efervescência, de algumas bandeiras, de algumas necessidades a partir da realidade do povo brasileiro. Quando se fala de classe trabalhadora, em alguns momentos, a necessidade é uma, em outros momentos, é outra. E o que eu vejo que um partido como o PT precisa sempre ter presente é a capacidade de ouvir, a capacidade e a sensibilidade de entender as necessidades de cada setor da sociedade para, a partir dessas necessidades e dessa sintonia com a realidade do povo, construir o seu projeto. Não apenas o projeto de governo, quando governa o país, mas o projeto de um partido político que quer estar enraizado na sociedade. Esse é o grande desafio do PT, ter a capacidade de ouvir, de escutar, de dialogar para entender a realidade de cada momento.

O senhor espera alguma surpresa na eleição para a direção do PT nacional e em Goiás?

Eu trabalhei, desde o início, tanto em nível nacional quanto no estado de Goiás, no sentido de buscar o máximo possível de unidade. O meu sentimento e a minha defesa foi no sentido de podermos unificar as forças. Gastarmos as nossas energias na preparação para enfrentar o adversário maior que está lá fora. Em Goiás, conseguimos construir uma ampla unidade, não foi uma unidade total, teremos disputa, mas uma unidade majoritária no sentido de podermos garantir que o PT continue se fortalecendo, crescendo no estado de Goiás e aumente a sua representação na Assembleia Legislativa. Queremos sair de três deputados estaduais para cinco e de dois deputados federais para pelo menos três deputados federais na próxima representação no Congresso. E para isso, esse trabalho de unidade em Goiás foi muito importante. No Brasil, mesmo com as candidaturas postas, a  do Edinho é uma candidatura que unifica grande parte do PT e estou convencido que será uma candidatura vitoriosa e que terá a capacidade de diálogo com as outras candidaturas que estão disputando com ele. Estou convencido que o PT sairá de maneira unificada com o projeto de fortalecimento do projeto coordenado pelo presidente Lula.

O partido tem rumos a serem ajustados com a nova direção?

Eu, cada vez mais, estou convencido e tenho dito isso em todas as oportunidades de diálogo, de debate na bancada e no PT, que o grande desafio que temos nesse momento é estarmos abertos para o diálogo com a sociedade. Infelizmente, nesse último período,  vivenciamos no Brasil, de certa forma, no mundo, mas no governo federal anterior com muita evidência e instigação do próprio governo, um momento de muito radicalismo, de muito enfrentamento, de muito desrespeito a quem pensa diferente. Quem governa e está disposto a fazer política precisa estar aberto a dialogar com quem pensa diferente, respeitar as diferenças de opinião e buscar trabalhar projetos dentro daquilo que é possível e daquilo que seja a média do pensamento de cada segmento. Vejo que este é o grande desafio, superar essa essa visão de enfrentamento; de que se eu encontro um segmento ou uma pessoa, ou um partido que pensa diferente, eu preciso destruir. Não é assim. A política não foi criada para o enfrentamento, para a destruição de quem pensa diferente; foi pensada lá no seu início como um espaço de negociação, de mediação, de entendimento, de respeito a quem pensa diferente para construção de um caminho unificado. Vejo que este é o grande desafio para o PT e para qualquer um que queira fazer política pensando no bem comum.

Quais as articulações estão sendo estudadas para as alianças em 2026 e o PSDB está no radar do PT?

Vai depender do PSDB. As alianças a gente faz com quem quer. Qual é o nosso interesse? Ampliar o raio de apoio ao nosso projeto nacional, nós já temos projeto, que é o coordenado pelo presidente Lula, projeto exitoso, que respeita a democracia, que tem compromisso com o povo mais simples, humilde, trabalhador, que busca resultados reais, verdadeiros no dia a dia da comunidade, entregando benefícios para poder garantir cidadania plena para as pessoas. Este é o projeto que defendemos e qualquer partido que queira abraçar esse projeto nós vamos dialogar. Mas não tem como definir com quem vamos aliar, porque cada partido tem a sua definição, tem o seu entendimento, tem a sua avaliação. E repito, nós respeitamos aqueles que pensam diferente e vamos disputar as nossas ideias.

Como avalia a pré-candidatura a presidente da República do Ronaldo Caiado?

É legítimo, faz parte da democracia e o governador tem legitimidade para buscar esse pleito e vai aferir isso no seu processo. Eu vejo que a dificuldade que ele tem hoje não é com quem pensa diferente dele. A dificuldade que ele tem é até com os que pensam mais próximos dele, porque ele vai ter que convencer o partido dele, que deve ter candidato a presidente da República; se não convencer o partido dele e quiser sair candidato, talvez tenha que mudar de partido. Eu vejo que a legitimidade ele tem, faz parte da democracia, e o problema para a candidatura dele não está com quem pensa diferente. O desafio que ele tem é justamente superar as dificuldades que tem no seu próprio ambiente, no seu próprio campo de trabalho.

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