A manifestação convocada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro para a Avenida Paulista na tarde de ontem foi uma demonstração de força política da direita brasileira, mas não teve efeito para o viés de defesa da democracia que os organizadores tentaram imputar a ela, já que sua prática política caminha no sentido oposto. A avaliação é do cientista político Pedro Célio Alves Borges, para quem a polarização entre a esquerda, liderada pelo presidente Lula e o PT, e a extrema direita deverá permanecer ativa pelo menos até as eleições municipais de 2026. Sobre a participação do governador Ronaldo Caiado no ato, Pedro Célio avalia que, dadas suas pretensões de ser candidato a presidente da República, politicamente foi correta a decisão de participar.

O que significou a manifestação de ontem? Foi um sucesso? Em que medida?
Há dois significados mais evidentes, em minha opinião.
Foi uma demonstração vigorosa de que a direita está viva e conta com bases disponíveis para mobilização, numa sequência ainda da polarização eleitoral de 2022, bem como seguindo a linha do que vem se acumulando desde 2013.
Em relação ao embate imediato, significou também uma tentativa de reação política de Bolsonaro e seu grupo mais próximo, visando amenizar o risco de condenações que já se aproximam de figuras expressivas envolvidas no golpismo que chegou ao 8 de janeiro. Nesse aspecto, acho que os organizadores a essa altura já devem estar mensurando motivos de preocupação, pois houve escorregões de Bolsonaro que podem ter efeito jurídico negativo para ele e outros.
Que impacto ela pode ter na eleição deste ano?
Uma intenção adjacente foi sem dúvida a de agrupar militância para as eleições municipais. De maneira genérica, está provado que Bolsonaro permanece na condição de cabo importante para apoiar candidaturas a prefeito. Mais do que isso eu só posso dizer em vista de cada caso, em cada município.
Pode se tornar uma prática recorrente da direita?
Sim. Promover grandes atos públicos e comícios continua sendo uma arma política atual, por mais que as redes sociais tenham adentrado o campo de comunicação eleitoral. Não só a direita, mas também a esquerda, deverão realizar convocações para atos de promoção dos seus candidatos.
Bolsonaro falou em pacificação. Ele quer a pacificação?
Ficou claro que o tom do discurso na Avenida Paulista foi um recuo tático diante de uma situação melindrosa, até mesmo ameaçadora para os líderes da extrema direita. Formalmente, fixou-se na tecla de que o ato era de defesa da democracia. Avalio que para a opinião pública, para o campo político e para o STF essa guinada na oratória não tem efeito significativo, dados os precedentes de quem a pronuncia.
Como romper essa polarização?
Creio que essa polarização vai se estender por um bom tempo, porque os eixos de radicalização do comportamento político fincaram-se com consistência na sociedade brasileira. Creio que esse ambiente afetará as eleições municipais deste ano e as gerais de 2026. Só num tempo mais largo haverá ajustes num ou noutro aspecto, que venham a reduzir o alcance dos apelos extremistas.
Por que a direita no Brasil abraçou Israel?
Se aproximarmos a lupa, veremos que a simpatia e a aliança da direita brasileira pendem primeiramente para o governo de Netanyahu do que para o Estado israelense. Confirma-se agora o que se dava antes, em escala internacional, de avanço da direita. No Governo Bolsonaro essa fusão já era clara e ganha novo alento agora, após o posicionamento de Lula sobre a matança de palestinos pelo governo israelense.
O posicionamento de Lula contra o governo de Israel – muito enfático – tem a ver com a proximidade da família Bolsonaro com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu?
Vejo que o posicionamento de Lula, em si, precede a intimidade dos Bolsonaro com Netanyahu. O critério do presidente brasileiro seguiu, em primeiro lugar, a sua visão de mundo humanitária e contra o genocídio na Faixa de Gaza. Depois, leve-se em conta a tradição da diplomacia brasileira e busca da paz e do entendimento, que leva a reconhecer tanto o Estado de Israel quanto a autonomia da Palestina igualmente como Estado soberano.
Ronaldo Caiado se beneficiou participando do evento?
Beneficiar, nem tanto. No máximo ele deixou de perder espaço no campo da direita, caso não tivesse comparecido. Se sua pretensão indica o voo nacional, então melhor para ele ter ido.
Caiado falou em ato democrático, mas lá estavam os que defenderam um golpe. Ele conseguiu separar as coisas?
De forma alguma. Como eu afirmei um pouco antes, a alteração de retórica não produz efeito onde realmente é relevante, nas circunstâncias atuais.