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“As prerrogativas da advocacia não são privilégios, são direitos”


Luciano Cardoso Por Luciano Cardoso em 08/11/2024 - 06:00

As prerrogativas da advocacia são direitos que garantem a defesa dos cidadãos e a justiça e protegem a autonomia do advogado e a ampla defesa.
As prerrogativas da advocacia são direitos que garantem a defesa dos cidadãos e a justiça e protegem a autonomia do advogado e a ampla defesa. Foto: Freepik

As prerrogativas dos advogados são direitos e garantias que visam assegurar a defesa dos interesses de seus clientes e a adequada administração da justiça. Essas prerrogativas incluem, por exemplo, o direito ao acesso amplo aos autos de processos, a comunicação reservada com seus clientes, e a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho.
É importante enfatizar que essas prerrogativas não devem ser vistas como privilégios, mas como instrumentos essenciais para garantir a efetividade do direito de defesa e a proteção do exercício da advocacia. Elas são fundamentais para a manutenção do Estado de Direito e para a proteção dos direitos dos cidadãos.

As prerrogativas dos advogados podem variar significativamente de um país para outro, refletindo as diferenças nas tradições jurídicas, sistemas legais e culturas. São vários aspectos que podem variar dependendo da nação e do estágio do processo

Em alguns países, os advogados têm amplo acesso aos autos dos processos, enquanto em outros, esse acesso pode ser limitado, dependendo da fase do processo ou da natureza do caso. No Brasil, não raro observamos tentativas e também limitações impostas, na maioria das vezes por quem deveria zelar pelo estrito cumprimento legal, aos advogados no que se refere ao acesso pleno aos autos, sendo esse acesso assegurado por lei e se violado passível de alegações de nulidades posteriormente, caso persistam as ilegalidades.

Alguns países oferecem imunidade a advogados por atos realizados no exercício da profissão, enquanto outros podem permitir que advogados sejam processados por declarações feitas em tribunal, demonstrando assim que a ampla defesa, por mais que seja importante, ainda é mitigada em alguns países.

As prerrogativas em audiências e julgamentos, como o direito de interrogar testemunhas e contestar provas, podem variar. Em alguns lugares, essas prerrogativas são amplas, enquanto em outros podem ser restritas por regras processuais.

A forma como a profissão é regulamentada também influencia as prerrogativas. Em países com ordens de advogados bem estabelecidas, como é o caso do Brasil, as prerrogativas tendem a ser mais claras e protegidas, enquanto em outros, a regulamentação pode ser mais frouxa.

Em contextos onde a independência do judiciário é comprometida, as prerrogativas dos advogados podem ser limitadas, refletindo uma maior interferência do poder executivo ou legislativo, o que demonstra um perigo real, eis que o corrompimento das instituições e poderes ligados ao judiciário é o caminho mais curto para se aproximar do fundamentalismo, da perpetuação  no poder e dos golpes de estado.

Em muitos sistemas jurídicos, a comunicação entre advogados e seus clientes é inviolável. No entanto, em alguns países, essa proteção pode ser menos rigorosa, especialmente em casos envolvendo segurança nacional ou criminalidade organizada.

Não muito distante na história, com fundamentos de proteção à segurança nacional e combate ao terrorismo, os Estados Unidos da América – EUA, quebraram essas regras e deixaram incomunicáveis vários presos afegãos por décadas, com tratamentos no mínimo questionáveis e sem nenhum acesso a advogados e defesa.

“Fui estuprado por médicos da CIA.” – Essa frase faz parte de um relato assustador de 39 páginas de Majid Khan, um membro da Al Qaeda, detido por quase duas décadas na base naval dos Estados Unidos, em Guantánamo sem nenhuma comunicação com defensores ou familiares. O comum a todos esses presos é a ausência total de contato com advogados, defesas jurídicas e até mesmo sem nenhuma acusação formal.

São inúmeros relatos e histórias que são importantes para entender como a advocacia é exercida em diferentes países, como isso pode impactar o direito à defesa e a justiça em geral e como é necessária a preservação das prerrogativas da advocacia.

A cultura de um país desempenha um papel crucial na prática da advocacia, influenciando diversos aspectos, como a ética profissional, a percepção da justiça, e o relacionamento entre advogados, clientes e o sistema judiciário.

As crenças e valores predominantes em uma sociedade podem moldar a forma como os advogados se comportam e atuam. Por exemplo, em culturas que valorizam a coletividade, pode haver uma ênfase maior na mediação e na resolução de conflitos de forma consensual, ao invés de uma abordagem adversarial.

A maneira como a justiça é percebida e valorizada por uma sociedade pode afetar a prática da advocacia. Em culturas onde a confiança nas instituições judiciais é alta, os advogados podem atuar com mais confiança e autonomia. Em contraste, em ambientes onde há desconfiança nas autoridades, os advogados podem enfrentar desafios adicionais.

Em países onde há uma forte separação entre os poderes, a advocacia tende a ser mais independente e respeitada. Em contrapartida, em contextos onde o poder executivo ou legislativo exerce influência sobre o judiciário, a prática da advocacia pode ser limitada e os advogados podem enfrentar pressões.

A cultura educacional de um país também influencia a formação dos advogados. Sistemas educacionais que promovem o pensamento crítico e a ética profissional tendem a formar advogados mais preparados para defender os direitos de seus clientes e a justiça.
Normas éticas variam entre culturas e podem influenciar a conduta dos advogados. Em algumas sociedades, a ética pode ser vista como uma obrigação moral, enquanto em outras pode ser mais suscetível a interpretações flexíveis.

A forma como os clientes percebem e esperam o serviço de um advogado é influenciada pela cultura. Em algumas culturas, os clientes podem esperar um relacionamento mais pessoal e próximo, enquanto em outras, a formalidade pode ser a norma.
Esses fatores demonstram que a cultura não apenas molda a prática da advocacia, mas também impacta a eficácia da defesa dos direitos e a administração da justiça em um determinado país.

Porém, em todas as nações, as prerrogativas da advocacia estão intimamente ligadas à forma como se dará a atuação jurídica do advogado, como se alcançará a mais ampla defesa e o contraditório, sendo-os inexistentes sem as prerrogativas advocatícias respeitadas.

O Estatuto da OAB, em seu art. 7º, inciso II, afirma que: “Art. 7º São direitos do advogado: (…) II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”.

A norma aqui tem como finalidade proteger o sigilo entre cliente e advogado, pois, pela lei, tem o causídico o dever de guardá-lo, ainda que contra o consentimento de seu constituinte, tão relevante é, conforme rege o art. 26 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil: “Art. 26. O advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que saiba em razão de seu ofício, cabendo-lhe recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado, mesmo que autorizado ou solicitado pelo constituinte.”

Portanto, ao proteger de forma especial o escritório de advocacia contra sua violação, busca o legislador, além de dar guarida a um espaço que se entende como extensão do domicílio – local já constitucionalmente albergado – guarnecer o sigilo entre advogado e cliente, do qual, indubitavelmente, fazem parte os documentos a este relativo e ao processo em curso ou causa que ainda será iniciada. Isso é prerrogativa!

No dia 03 de novembro, foi noticiada a invasão ao escritório e residência do advogado Cleiton Vieira Conceição, supostamente realizada por cinco policiais militares de Goiás (PMGO) sem mandado judicial. O fato ocorreu no último domingo (3), no bairro Condomínio Rio Branco, em Goiânia, e a formalização da denúncia foi recebida pela OAB/Goiás por meio da presidência da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB/GO – CDP.

O presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB/GO – CDP, Alexandre Pimentel, reafirmou o compromisso da entidade com a defesa das prerrogativas dos advogados e dos direitos da sociedade. “A Seccional não poupará esforços para que essa situação seja integralmente esclarecida, e para que os servidores públicos envolvidos, que atentaram contra as prerrogativas da advocacia e os direitos dos cidadãos, sejam punidos com o rigor da lei”, pontuou.

Assim, as afrontas às prerrogativas da advocacia devem sempre ser entendidas como atentados contra a própria sociedade. As prerrogativas do advogado são direitos que garantem a autonomia e independência do exercício da profissão, e que permitem a defesa do cidadão perante o Estado. Prerrogativas são direitos e garantias de titularidade dos advogados, porém servem para que estes possam fazer valer a efetivação da cidadania.

Dessa forma, TODOS são responsáveis pela preservação das prerrogativas da advocacia, a fim de termos uma advocacia cada vez mais forte e unida, exercendo a profissão com autonomia e independência e zelando pelos direitos do cidadão.

Luciano Cardoso

É advogado inscrito na OAB/GO. Membro do Instituto Goiano do Direito do Trabalho. Membro e Conselheiro Fiscal da Associação Goiana da Advocacia Trabalhista - AGATRA. Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/GO. Chefe do Departamento Jurídico da Companhia de Urbanização de Goiânia - COMURG.
E-mail: [email protected].

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