O insucesso do modelo brasileiro de distribuição de renda impõe uma análise crítica e aprofundada das políticas assistencialistas e de seus reais impactos sobre o desenvolvimento nacional. Trata-se de uma constatação incontornável para qualquer debate sério sobre inclusão social e sustentabilidade econômica.
Em um país onde mais de 94 milhões de pessoas em idade ativa estão inscritas em programas sociais do Governo Federal, faz com que nos deparemos com uma realidade alarmante: a consolidação de uma cultura de dependência estatal que, em vez de fomentar o desenvolvimento e a autonomia individual, tem alimentado um ciclo vicioso de estagnação econômica e escassez de mão de obra qualificada. O que deveria ser uma rede de proteção social transitória e excepcional tornou-se, na prática, um mecanismo permanente de assistencialismo, cujas consequências estruturais comprometem o crescimento sustentável e ameaçam o futuro socioeconômico da nação.
A dimensão da dependência está escancarada pelos impressionantes números e são reveladores. Segundo dados divulgados pela revista Veja, em outubro de 2024, sete em cada dez brasileiros em idade ativa para o trabalho estão inscritos em programas sociais do Governo Federal. Isso equivale a 44% da população brasileira, um contingente populacional comparável ao do Egito, uma das quinze nações mais populosas do planeta.
Desse total, mais da metade (57%) depende do Bolsa Família para sobreviver. Os programas sociais têm custo crescente para o governo, beirando meio trilhão de reais ao ano, um montante que pressiona cada vez mais as contas públicas e exige aumento contínuo da carga tributária.
Enquanto isso, a desigualdade persiste em níveis alarmantes. Segundo relatório da Oxfam divulgado em janeiro de 2024, 63% da riqueza do Brasil está nas mãos de 1% da população, enquanto os 50% mais pobres detêm apenas 2% do patrimônio do país. Mais impressionante ainda: 0,01% da população brasileira possui 27% dos ativos financeiros.
A falsa promessa de redução da desigualdade é vista no discurso oficial que celebra pequenas reduções no índice de Gini, que mede a desigualdade de renda. Segundo o IBGE, esse índice caiu para 0,506 em 2024, o menor nível desde 2012. Para os 5% da população que recebem os menores rendimentos, o valor cresceu 17,6% no ano passado. Entretanto, esses ganhos de curto prazo escondem uma realidade muito mais complexa e preocupante.
A observação foi feita pelo economista Roberto Castello Branco, “o populismo se propõe a redistribuir renda na sociedade a favor dos mais pobres, não a buscar a prosperidade. Trata-se de um jogo de soma zero e que apresenta resultados opostos aos anunciados em termos de distribuição.”
Em outras palavras, a intervenção do Estado na atividade econômica, em vez de promover verdadeira justiça social, acaba gerando oportunidades para o rent-seeking e a corrupção, enquanto a produtividade agregada da economia e os investimentos sofrem impactos negativos. O resultado final é o enriquecimento de uma minoria e o empobrecimento da maioria da população.
Outro fato alarmante é a crescente escassez de mão de obra, um verdadeiro paradoxo brasileiro. Esse é um dos efeitos mais contraditórios desse modelo: a crescente escassez de mão de obra em diversos setores produtivos, mesmo com milhões de pessoas dependentes de programas sociais.
Segundo reportagem do G1/Jornal Nacional de dezembro de 2024, o número de profissões com indícios de escassez de mão de obra em 2024 se mantém no maior nível da série histórica. “Cerca de 200 profissões que respondem por 80% da força formal de trabalho no Brasil, 40% das ocupações ali têm indícios de escassez”, afirma Fabio Bentes, economista sênior da CNC. Entre as áreas mais afetadas estão técnicos de enfermagem, professores de educação infantil, soldadores, técnicos de manutenção de máquinas e montadores de veículos.
Esse paradoxo revela uma das falhas fundamentais do atual sistema: ao criar dependência em vez de autonomia, os programas sociais acabam desestimulando a qualificação profissional e a busca por empregos formais. De janeiro a julho de 2024, 77% dos novos empregos formais foram direcionados a indivíduos inscritos no Cadastro Único, com salário médio de admissão pouco superior a dois mil reais por mês (R$ 2.161,37 em julho).
Esse modelo brasileiro guarda semelhanças inquietantes com o comunismo. Embora o Brasil mantenha formalmente a propriedade privada e o sistema capitalista, o modelo de dependência estatal crescente apresenta paralelos preocupantes com os sistemas comunistas. No comunismo, como definido pela teoria marxista, o Estado assume o controle dos meios de produção e da distribuição de riqueza, com a promessa de criar uma sociedade igualitária.
No Brasil atual, observamos uma expansão contínua do papel do Estado como provedor de subsistência para grande parte da população, criando uma relação de dependência que, em muitos aspectos, lembra a subordinação ao Estado típica de regimes comunistas. A diferença fundamental é que, no caso brasileiro, essa dependência não resulta de uma revolução ideológica estruturada, mas de políticas populistas que visam ganhos eleitorais de curto prazo.
Como no comunismo, o modelo brasileiro de assistencialismo excessivo tem levado a consequências similares: crescente dependência da população em relação ao Estado, dificuldade de desenvolvimento econômico sustentável, baixa produtividade e inovação, aumento contínuo dos gastos públicos e estagnação social e econômica de parcelas significativas da população.
Esse cenário mostra um futuro sombrio que se anuncia. Se o Brasil persistir nesse caminho de políticas populistas e assistencialismo sem contrapartidas, com métricas de acesso ao sistema de distribuição de rendas e não de saídas do programa, o futuro que se desenha é preocupante.
As projeções indicam aumento contínuo da dívida pública para financiar programas sociais, estagnação econômica e baixo crescimento do PIB, deterioração da qualidade dos serviços públicos e aumento da carga tributária para financiar gastos crescentes.
Para se ter uma noção, em 2024 os gastos do Governo Federal brasileiro com programas de assistência social totalizaram R$ 285 bilhões, representando 13,29% das despesas executadas no ano, de acordo com o Valor Econômico. No mesmo período, os investimentos em saúde somaram R$ 216 bilhões, equivalentes a 10,07% das despesas totais.
Quanto à educação, em 2023 as despesas federais atingiram R$ 100,8 bilhões, superando o mínimo constitucional exigido. Além disso, considerando todas as esferas de governo (União, estados e municípios), os investimentos em educação básica pública alcançaram R$ 490 bilhões em 2022, o maior valor da década, representando 4,9% do PIB.
Em resumo, os gastos com assistência social superaram os investimentos federais em saúde e em educação no ano de 2024, refletindo uma priorização das políticas de transferência de renda no orçamento público em detrimento, por exemplo, da solução para as desigualdades sociais, a Educação.
Outros efeitos prováveis desse caminho populista e assistencialista incluem fuga de investimentos e capital humano qualificado, agravamento da escassez de mão de obra em setores produtivos, ampliação da dependência da população em relação ao Estado, redução da inovação e competitividade internacional, possível crise fiscal e inflacionária no médio/longo prazo e aumento da polarização social e política.
Como observa Roberto Castello Branco, “no curto prazo, as experiências populistas lograram obter algum êxito, refletido no aumento de popularidade dos governantes, mais crescimento e menos desigualdade” e, para não ser injusto, os programas de distribuição de renda atrelados à exigência de comprovação de vacinação infantil elevaram significativamente os índices de cobertura vacinal, contribuindo para o controle de doenças antes endêmicas no Brasil, como o sarampo, a poliomielite e a rubéola, que praticamente desapareceram durante o auge das campanhas vacinais.
Esses programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, condicionavam o recebimento do benefício à apresentação do cartão de vacinação atualizado das crianças. Essa política contribuiu para o aumento da cobertura vacinal e o controle de doenças como o sarampo, a poliomielite e a rubéola.
No entanto, a partir de 2016, observou-se uma queda nas coberturas vacinais. Em 2021, a cobertura vacinal contra a poliomielite foi a menor dos últimos 25 anos, com apenas 75% da população-alvo imunizada. O Brasil perdeu o certificado de eliminação do sarampo em 2019, após registrarem-se casos da doença, segundo dados da Fundação Osvaldo Cruz – Fiocruz.
Recentemente, após 2021 houve uma recuperação nas coberturas vacinais quando se condicionou a apresentação do cartão de vacinação ao recebimento dos benefícios. Em 2024, a cobertura da primeira dose da tríplice viral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola, atingiu 95,7%, e a da poliomielite alcançou 95,6%, atingindo as metas estabelecidas pelo Ministério da Saúde.
Esse é um exemplo claro que há oportunidades no sistema, no programa de distribuição de renda, devendo ser repensado, estudado e aprimorado. Ou seja, houve ganhos, entretanto, os ganhos de curto prazo tiveram como contrapartidas pesados custos sociais no longo prazo, evidenciados por desastres macroeconômicos.
O Brasil precisa despertar para a urgência de uma mudança de rumo. É imperativo repensar profundamente o modelo de assistência social vigente. Programas de transferência de renda devem ser concebidos como instrumentos transitórios, voltados exclusivamente à população em situação de real vulnerabilidade e acompanhados de contrapartidas que incentivem a permanência na educação formal, a qualificação profissional e a busca efetiva por autonomia econômica. Isso é o que verdadeiramente configura dignidade. A dependência contínua do Estado, ao contrário, não emancipa — aprisiona em ciclos de estagnação social e econômica.
É imprescindível investir de forma contínua e estruturada em educação de qualidade, formação técnico profissionalizante e na construção de um ambiente institucional favorável ao empreendedorismo e à geração de empregos. Apenas por meio destas frentes será possível romper o ciclo de dependência assistencial e estabelecer as bases de um desenvolvimento verdadeiramente sustentável, produtivo e socialmente inclusivo.
Uma ideia a ser considerada seria condicionar a permanência nos programas de transferência de renda à participação comprovada em processos de capacitação técnica, promovidos por entidades reconhecidas, como o SEBRAE, SESC, SENAI, SENAT ou organizações do terceiro setor. O retorno ao programa poderia ser garantido, de forma automática, em caso de perda do vínculo empregatício após a qualificação, assegurando proteção social sem afastar o compromisso com a autonomia econômica.
O enfrentamento genuíno da desigualdade social não se concretiza por meio de políticas populistas que perpetuam a dependência do Estado, mas sim por meio de investimentos estratégicos em capital humano, na educação de qualidade, na promoção do emprego formal e na construção de um ambiente econômico sólido, que favoreça o empreendedorismo, a produtividade e a geração de oportunidades reais para todos.
O Brasil encontra-se diante de uma encruzilhada histórica. Pode optar por manter-se no caminho da dependência estatal crescente — com seus impactos corrosivos sobre o dinamismo econômico, a responsabilidade fiscal e a mobilidade social — ou pode trilhar uma nova trajetória, pautada por uma política de proteção social eficiente e responsável, aliada a estímulos concretos à autonomia individual, ao crescimento sustentável e à inserção produtiva. O destino da nação será moldado por essa escolha.