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“Quase impossível um cenário em que Marconi não ocupe a centralidade”, afirma cientista político


Lucas de Godoi Por Lucas de Godoi em 11/05/2025 - 07:20

A recente fusão entre PSDB e Podemos, costurada diretamente pelo ex-governador de Goiás e presidente do PSDB no Brasil, Marconi Perillo, anunciada como um passo rumo à construção de uma alternativa política de centro no país, é, na verdade, mais um movimento de sobrevivência diante do endurecimento das regras eleitorais, especialmente a cláusula de barreira que será ainda mais rigorosa nas eleições de 2026.  

A avaliação é do professor e cientista político Pedro Célio Alves Borges, que analisa a nova legenda como parte do processo de afunilamento do sistema partidário brasileiro, historicamente fragmentado e dificultador da governabilidade.  Em Goiás, haverá repercussão na base do governador e um fortalecimento natural do ex-governador Marconi Perillo.

Como o senhor avalia a fusão entre PSDB e Podemos do ponto de vista da reconfiguração partidária no Brasil?

No aspecto principal, temos aí mais um movimento na tendência de afunilamento do espectro partidário brasileiro, que é ultra segmentado e dificultador de maiorias parlamentares consistentes para garantir governabilidade e capazes de imprimir previsibilidade mínima nas relações entre o executivo e o legislativo. Mas além disso, há também a busca de sobrevivência das legendas dos políticos de menor expressão, que se enxergam ameaçados pelas cláusulas de barreira, que serão mais exigentes para as eleições de 2026.

Essa união representa um fortalecimento do centro político ou mais um movimento de sobrevivência eleitoral?

Dessas alternativas, a busca de sobrevivência eleitoral parece-me ser mais decisiva para explicar a fusão. Obviamente que os resultados poderão afetar as lutas por hegemonia ideológica nas duas casas do Congresso Nacional.

Quais os principais desafios que essa nova legenda deve enfrentar para consolidar uma identidade política clara?

Os políticos oriundos das duas legendas trazem trajetórias e compromissos distintos, que serão agora influenciados pelas querelas nos estados, fortemente ligadas a questões momentâneas. Talvez a busca de identidade programática ou ideológica para a nova sigla seja o menos importante para orientar as suas futuras decisões práticas.


De que forma a fusão pode impactar a disputa presidencial de 2026?

Cada estado passará por processos próprios. Em Goiás, por exemplo, é quase impossível termos um cenário em que Marconi Perillo não ocupe a centralidade. Ele e os resíduos do PSDB definirão as estratégias, já sinalizadas como meio para estruturar o campo oposicionista ao governador Ronaldo Caiado. Na disputa nacional, esse novo segmento deverá atuar na busca de alternativa à atual polarização protagonizada pelo PT e aliados de um lado e pela extrema-direita de outro.

Há risco de disputas internas entre lideranças dos dois partidos, especialmente em estados onde ambos já tinham protagonismo?

Os riscos e as incertezas são inerentes à política. O certo é que agora abre-se para os dois grupos um cenário de novas negociações e esforços no qual eles enxergam mais vantagens do que riscos.

Em Goiás, como essa fusão pode afetar a correlação de forças locais?

Nesse primeiro momento, vejo que gera um dado positivo para as pretensões da candidatura de Marconi Perillo ao governo estadual.

A nova legenda pode se tornar uma alternativa viável ao MDB e ao União Brasil no estado?

Bom, as ações futuras é que vão determinar os limites e as condições de cada coalizão ou projeto político para a competição em 2026. Por exemplo, se o projeto de candidatura presidencial de Caiado não decolar, que papel o atual governador terá na campanha, já que o seu capital político (atualmente respeitável) deverá estar empenhado a outro candidato. Já vimos situações em que a transferência de votos não é total e nem automática.

Como essa fusão pode influenciar a relação da nova sigla com o governador Ronaldo Caiado e sua base aliada?

O Podemos compõe a base de sustentação do governo Caiado. Isso envolve interesses de prefeitos e de candidatos a deputados, à Assembleia e à Câmara, prenunciando conflitos com as pretensões de Perillo. Assistiremos, por isso, a um período de acomodações, realinhamentos e até de mudanças de sigla.

A fusão tem potencial para atrair nomes de peso que hoje estão sem partido ou insatisfeitos em outras siglas?

Potencial existe. O problema é identificar o volume e a intensidade do movimento em que isso ocorrerá. O dado certo na conjuntura é que a capilaridade do esquema de apoio ao governo estadual é imenso. Ele passará pelo movimento de dupla caracterização que é típico em situações pré-eleitorais: por um lado dá para prever que emanará do Palácio das Esmeraldas um enrijecimento dos vínculos com as lideranças partidárias e regionais. Por outro lado, esse mesmo enrijecimento tende a provocar insatisfações e defecções que podem cair no colo da nova legenda de Marconi.

A nova legenda nasce com qual perfil ideológico? Há espaço para renovar o discurso político do centro?

As duas vertentes originais prometem um novo partido situado politicamente ao centro, tendente a centro-direita. O PSDB veio da social-democracia de centro-esquerda e transformou-se para reforçar vozes e programas do neoliberalismo, do mercado, ligado a conteúdos conservadores. Por sua vez, o Podemos sempre foi um partido do tipo tradicional, tipicamente parlamentar e pautado pelo pragmatismo nas negociações e ocupações de espaço. Dificilmente a fusão vai alterar essas vocações. Agora, quanto a renovar o discurso “de centro”, eu me vejo com dificuldade para discutir, pois o centro caracteriza-se exatamente por não mostrar conteúdos que o definam, ou seja, o seu conteúdo não passa da perspicácia de afastar-se dos polos da esquerda e direita, ora absorvendo receitas de uma ora de outra.

 

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