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Novos tempos; novas palavras


Avatar Por Redação em 03/08/2021 - 00:00

|Carlos André, professor de Língua Portuguesa: “Essas palavras são fundamentais para que se represente o que acontece no dia a dia”

Por Andréia Bahia

Meu lema é: a linguagem e a vida são uma coisa só. Quem não fizer do idioma o espelho de sua personalidade não vive; e como a vida é uma corrente contínua, a linguagem também deve evoluir constantemente.
João Guimarães Rosa, em Diálogo com Guimarães Rosa.

unto com todos os novos comportamentos que a pandemia de coronavírus trouxe para o nosso dia a dia vieram também novas palavras, como lockdown, negacionismo, home office e o próprio nome do vírus, Covid-19, que passaram a fazer parte do nosso vocabulário diário. Elas já foram incorporadas ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), que acaba de incluir mil novas palavras.

Segundo o professor de língua portuguesa Carlos André, com a pandemia houve um aumento considerável no número de palavras que passaram a ser utilizadas para representar o pensamento e uma determinada realidade. Inclusive palavras estrangeiras, como lockdown, que vem da língua inglesa, mas que hoje também está na língua portuguesa. “Essas palavras são fundamentais para que se represente exatamente o pensamento do que acontece no dia a dia. Não há palavra que hoje substitui com exatidão a palavra lockdown”, exemplifica.

No Volp, lockdown tem a seguinte definição: medida de caráter transitório imposta, em geral, por uma autoridade competente do Poder Executivo para proteger a população de perigo, como numa pandemia, por exemplo; consiste no impedimento ou controle rigoroso do deslocamento de pessoas, da circulação de veículos e do funcionamento de estabelecimentos em determinado local ou região.

As atualizações do Volp são feitas em razão da necessidade, explica o professor, uma vez que a palavra representa o pensamento de alguém. “Como o mundo contemporâneo é cheio de novidades em termos de tecnologia e de pensamento sociológico, a palavra vem para consignar, para ratificar, para materializar essas novidades.”

E quem decide sobre a necessidade de se incluir novas palavras ao Volp é a Comissão de Lexicologia da Academia Brasileira de Letras (ABL), que passou a ter muito mais trabalho desde a globalização e o advento da internet, relata Carlos André. “A comissão observa a utilização de novos termos de uso efetivo nas redes sociais, principalmente com base em outras línguas.”

Carlos André, professor de Língua Portuguesa: “Essas palavras são fundamentais para que se represente o que acontece no dia a dia”

Essas palavras de língua estrangeira já tão comuns no nosso dia a dia, como home office, entram no Volp e nos dicionários com grafias que se aproximem da grafia da língua portuguesa e do aspecto fonético e, em outros casos, mantém a mesma grafia e nem sempre a mesma pronúncia, explica o professor. O professor cita o exemplo da palavra pizza, que não aportuguesada, manteve os dois “z” do italiano e é uma palavra bem conhecida da língua portuguesa. “Eu particularmente gostaria que todas fossem aportuguesadas, como é comum na Espanha e em Portugal, onde há uma tendência de traduzir a palavra”, observa o professor. A palavra abajur, que vem do francês, em Portugal é candeeiro.

Mas no Brasil, a tendência é não aportuguesar os termos estrangeiros. Carlos André dá como exemplo a palavra site, que nos dicionários vem com grafia da língua inglesa, mas já se admite o uso de sítio. “Na minha visão, como linguista, penso que deveríamos traduzir por uma questão de manutenção da nossa cultura. Mas isso é uma questão de perspectiva social e os brasileiros não se sentem mal com o não aportuguesamento.”

O número de palavras de determinado idioma representa o que aquela sociedade é e a ampliação desse vocabulário hoje está intimamente relacionada a alguns fatores, como globalização, a pós-modernidade, que por sua vez está ligada à tecnologia, explica Carlos André. Inclusive as novas do ponto de vista sociológico, a exemplo das teorias sociológicas sobre gênero e movimentos sociais. “A Academia Brasileira de Letras aceitou a palavra micromachismo, uma palavra que está ligada a uma percepção sociológica de mundo; assim como gordofobia; negacionismo e sororidade”, exemplifica o professor.

Nem sempre essas novas palavras passam a fazer parte dos dicionários no momento em que são incluídas ao Volp, nem mesmo daqueles digitais, como o Houaiss e Aurélio. Segundo o professor, os dicionários da língua portuguesa ligados a lexicólogos e editoras não conseguem acompanhar, na mesma velocidade, a inclusão das palavras feitas ao Vocabulário Ortográfico.

Lembrando que o Volp, diferentemente dos dicionários, traz a palavra, a grafia, a pronúncia e a categoria gramatical. O dicionário tem o objetivo de indicar o valor semântico, o significado da palavra. Mas a Comissão de Lexicologia da ABL tem feito, no Instagram, uma espécie de dicionário, trazendo além do vocabulário, o significado da palavra. O que é uma novidade, segundo Carlos André. “Tem funcionado como um dicionário das novas palavras.”

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