Falar sobre lixo deveria ser, antes de tudo, falar de soluções concretas, técnicas e sustentáveis. Contudo, o que vemos no Brasil – e, especialmente, em Goiânia – é um tema essencial transformado em palco de disputas políticas, que nada resolvem e apenas agravam o problema.
O Brasil gera cerca de 80 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos por ano, o que representa aproximadamente 380 kg por habitante. Em Goiânia, a situação também é preocupante: são quase 1.800 toneladas diárias, gerando um impacto expressivo sobre o aterro sanitário municipal, que já opera próximo ao limite de sua capacidade.
Esses números não são apenas estatísticas frias: são o retrato da urgência. Urgência que deveria conduzir a gestão pública para o caminho técnico, mas que, na prática, esbarra em discussões estéreis sobre quem deve assumir a responsabilidade – se o Município, que sempre o fez, ou o Estado, que quer assumir. Enquanto isso, o lixo continua a se acumular, as soluções não saem do papel e a população segue pagando a conta.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010) já determinou que a destinação correta dos resíduos é dever do Município, cabendo ao Estado apoiar técnica e financeiramente, sem retirar a gestão local. A lei estabelece que a cadeia dos resíduos deve ser gerida como um ativo econômico, capaz de gerar emprego, energia e riqueza, transformando lixo em luxo – não apenas no sentido estético, mas em desenvolvimento sustentável e oportunidades.
Experiências internacionais mostram como isso é possível. O Japão, por exemplo, transforma aproximadamente 80% de seus resíduos urbanos em energia, por meio de incineração controlada e aproveitamento do metano gerado. Lá, o lixo se tornou efetivamente luxo: reduz o impacto ambiental, gera energia limpa e fortalece a economia circular.
Em Goiânia, já houve um passo importante nessa direção: a coleta seletiva, que por anos desempenhou papel educativo, ensinando a população a separar recicláveis e orgânicos, além de garantir a sobrevivência de dezenas de cooperativas de catadores. Contudo, a decisão de terceirizar integralmente a coleta, incorporando os recicláveis na mesma coleta do lixo comum, reduziu drasticamente o volume destinado às cooperativas, agravou a vulnerabilidade social de centenas de famílias e desmontou uma política pública que, além de ambiental, era profundamente social.
É um contrassenso gritante: em vez de ampliar e modernizar a coleta seletiva, optou-se por um modelo que penalizou justamente aqueles que mais dependiam dela, enquanto autoridades municipais, estaduais e federais se envolvem em uma disputa de competências que em nada contribui para resolver o problema. A cidade não precisa desse impasse; precisa de soluções técnicas, rápidas e eficazes. É medida urgente e necessária repensar a devolução da gestão da coleta seletiva a quem a idealizou, estruturou e tem plenas condições de retomar o relevante e exemplar trabalho que outrora era realizado pela municipalidade.
A taxa do lixo, que deveria ser vista como fonte específica de financiamento para transformar resíduos em energia, reciclagem e inclusão social, acaba sendo criticada, eis que sem clareza sobre sua real finalidade. Em países desenvolvidos, taxas ambientais são reinvestidas em inovação, usinas de recuperação energética, apoio a catadores e modernização da coleta. Em Goiânia, infelizmente, os investimentos são tímidos e não acompanham a realidade do volume de lixo gerado.
Enquanto se discute “de quem é a competência”, a cidade precisa de ações rápidas, inteligentes e eficientes. O luxo do lixo é também ver nele um insumo capaz de gerar metano, eletricidade, emprego e cidadania – e não apenas mais um custo para o contribuinte.
A disputa política retarda, paralisa e compromete soluções que são urgentíssimas. O Município tem histórico, equipe técnica e conhecimento acumulado. Deve manter a gestão, com apoio do Estado e do Governo Federal, pois quem está perto do problema está mais apto a resolvê-lo.
Ao final, o verdadeiro luxo do lixo está em transformá-lo de passivo ambiental em ativo econômico e social: gerar energia, proteger o meio ambiente, garantir trabalho digno para cooperativas e incluir a população em uma cultura de reciclagem e consciência ambiental.
A cidade precisa de coragem para sair do discurso e adotar ações concretas; precisa colocar a técnica e o interesse público acima de disputas políticas; e, sobretudo, precisa de gestores verdadeiramente comprometidos em transformar o lixo — hoje tratado como problema — em verdadeiro luxo, gerando desenvolvimento, inclusão social e sustentabilidade.