Skip to content

“Os desafios da advocacia pública no Brasil”


Por em 07/03/2025 - 10:26

Comemorado em 7 de março, o Dia da Advocacia Pública no Brasil foi instituído pela Lei nº 12.636, de 2012. A data, porém, remonta à criação do cargo de Procurador dos Feitos da Coroa, da Fazenda e do Fisco, em 1608, durante o período colonial, marcando o surgimento da Advocacia Pública no país. Hoje, 417 anos depois, a Advocacia Pública brasileira segue com muitos desafios a superar.

A Advocacia-Geral da União é responsável por representar a União, tanto internamente quanto o Brasil na ordem internacional, no âmbito federal. Já a Procuradoria-Geral Federal assume as funções de Advocacia Pública no que se refere às autarquias e fundações públicas federais. No âmbito estadual, a Advocacia Pública é exercida exclusivamente pelos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, mesmo em casos de descentralizações administrativas, como autarquias e fundações.

Apesar da Constituição Federal de 1988 não mencionar as procuradorias municipais, atualmente, a ausência de órgãos e membros da Advocacia Pública nos entes é considerada incompatível com o regime de direito público. Por isso, é comum que municípios minimamente organizados contem com uma Procuradoria-Geral do Município.

A Advocacia Pública, que representa o Estado e defende o interesse público, é um importante instrumento de proteção contra arbitrariedades e ilegalidades, inclusive as que possam ser perpetradas pelo próprio Governo. Por isso, a Constituição Federal prevê que a Advocacia Pública deve atuar com independência técnica.

No Brasil, a Advocacia Pública é representada pela Advocacia-Geral da União (AGU), pelas Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Suas principais atribuições são a consultoria e o assessoramento jurídico do Estado, e a representação judicial e extrajudicial do poder público.  Na prática, isso significa que os procuradores públicos devem proteger o Estado tanto de terceiros quanto do próprio Governo, impedindo que interesses políticos causem prejuízos ao Estado.

Apesar da importância da Advocacia Pública e da previsão constitucional de independência técnica, muitos Estados brasileiros apresentam um cenário de precariedade, ingerência política e fragilização institucional. No Brasil, a Advocacia Pública enfrenta desafios como a falta de estrutura, a falta de autonomia e a resistência política em reconhecer a sua essencialidade.

A advocacia pública é essencial para garantir a legalidade e a eficiência da gestão pública, prevenindo fraudes, litígios e o mau uso de recursos. No entanto, especialmente nos municípios, ela enfrenta desafios significativos.

Um grande obstáculo é a resistência da classe política, que muitas vezes vê as Procuradorias como entraves burocráticos, em vez de órgãos essenciais. Alguns gestores, especialmente em pequenos e médios municípios, enxergam as Procuradorias não como órgãos essenciais para a gestão eficiente, mas como entraves burocráticos que dificultam a implementação de políticas públicas. Há gestores que consideram os pareceres jurídicos das Procuradorias meramente opinativos, desconsiderando-os quando não atendem a interesses políticos.

A contratação de assessorias jurídicas privadas, que se mostram ágeis e eficientes, muitas vezes ocorrem sem o devido investimento na valorização da Procuradoria municipal, eis muitos prefeitos preferem terceirizar serviços jurídicos, gerando questionamentos sobre transparência e imparcialidade, do que investir em estruturas próprias, lembrando que ambas podem e devem caminhar juntas em suas especialidades e experiências.

A falta de orçamento e de estruturas adequadas, revelam ausência de vontade política, eis que muitas procuradorias funcionam com número reduzido de Procuradores e sem a estrutura necessária para desempenhar suas funções de maneira eficaz, isso demonstra amadorismo e denota desafios enormes.

Essa resistência política compromete a atuação da advocacia pública e cria um ambiente de insegurança jurídica dentro da própria administração. Se nos estados e na União a advocacia pública possui um mínimo de estrutura e autonomia, nos municípios a situação é alarmante.

Uma das dificuldades e que geram incertezas é a falta de concursos públicos, pois muitas procuradorias municipais são compostas por profissionais comissionados, sem estabilidade, o que compromete sua independência e gera insegurança, pois a força política age de forma externa e interna, pressionando e comprometendo o trabalho.

A nomeação de procuradores sem concurso público é comum em pequenas cidades, fragilizando o órgão e permitindo ingerências políticas, que são agravadas pela ausência de autonomia administrativa e financeira, pois em muitos municípios, as procuradorias são subordinadas diretamente ao chefe do Executivo, sem qualquer autonomia.

A falta de um orçamento próprio impede a modernização do órgão, a capacitação contínua dos procuradores e a adoção de sistemas eficientes de gestão de processos, o que pode gerar responsabilidades, perdas de oportunidades e até de receitas para o próprio ente.

A deficiência tecnológica é latente, eis que enquanto os tribunais adotam cada vez mais a digitalização dos processos, muitas procuradorias ainda operam com sistemas defasados, dificultando a tramitação e análise jurídica das demandas, o acompanhamento, as estatísticas, os controles e a gestão jurídica dos processos.

Essa fragilidade estrutural compromete a eficiência das procuradorias municipais e abre espaço para decisões políticas ilegais, malversação de recursos públicos e até corrupção.

Mais grave é a falta de isenção, esse sim um problema crônico, pois a independência funcional da advocacia pública é constantemente ameaçada, especialmente nos municípios, onde procuradores estão frequentemente sujeitos a pressões políticas diretas.

A pressão mais comum é a validação de atos ilegais. Os Procuradores são frequentemente pressionados a emitir pareceres favoráveis a decisões que afrontam a legalidade, como contratações irregulares, dispensa indevida de licitações e renúncia fiscal sem embasamento jurídico e nesse cenário, o risco de exoneração e perseguição compromete a isenção e a qualidade do trabalho. Nos municípios onde os procuradores não são concursados, a recusa em validar atos ilegais pode resultar em demissões sumárias ou retaliações por parte do gestor.

A falta de isenção prejudica não apenas a transparência da gestão pública, mas também desestimula profissionais qualificados a permanecerem na carreira, tornando-a menos atrativa para novos talentos, enfraquecendo a carreira e ao fim e ao cabo, abrindo caminhos para gestões não republicanas.

Para que a advocacia pública cumpra seu papel institucional de forma eficaz e independente, é necessário trilhar caminhos árduos, mas fundamentais para seu fortalecimento. Dentre eles, a realização de concursos públicos garante a profissionalização e a qualificação técnica da advocacia pública municipal, assegurando sua independência. A autonomia administrativa e financeira das procuradorias, por meio de orçamentos próprios, possibilita a modernização dos serviços, a capacitação dos procuradores e maior eficiência municipal.

Por fim, o fortalecimento do controle externo, por meio de uma atuação mais efetiva dos Tribunais de Contas e do Ministério Público, é essencial para impedir nomeações políticas e pressionar pela valorização da advocacia pública.

A advocacia pública enfrenta desafios significativos, incluindo a resistência da classe política em reconhecer seu valor e a precariedade das procuradorias municipais. Essa situação resulta em um ambiente de instabilidade e insegurança jurídica na administração pública.

Para garantir maior isenção e padronização na atuação das procuradorias municipais, uma possível solução seria a criação de uma carreira nacional para Procuradores Municipais, semelhante ao modelo das Defensorias Públicas, com regime único de ingresso e atuação.

É fundamental entender que o fortalecimento da advocacia pública, com estrutura adequada e isenção, é uma ferramenta essencial para a construção de políticas públicas eficazes e juridicamente seguras, e não um entrave à gestão. Sem essas condições, as procuradorias se tornam meras formalidades, incapazes de zelar pelo interesse público e pela legalidade dos atos estatais.

Para alcançar uma administração pública eficiente e transparente, o Brasil necessita reformular o papel da advocacia pública, assegurando sua atuação independente, moral e impessoal. Um órgão jurídico forte e atuante é fundamental para a estabilidade do Estado Democrático de Direito, prevenindo a insegurança, a corrupção e a deterioração da administração pública.

Luciano Cardoso

É advogado inscrito na OAB/GO. Membro do Instituto Goiano do Direito do Trabalho. Membro e Conselheiro Fiscal da Associação Goiana da Advocacia Trabalhista - AGATRA. Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/GO. Chefe do Departamento Jurídico da Companhia de Urbanização de Goiânia - COMURG.
E-mail: [email protected].

Pesquisa