Nas eleições que vivi no interior, os três últimos dias de eleição eram um tempo cheio de sombras, permeado pela dúvida – vai dar certo, vamos ganhar? – e pela insegurança depois de uma luta na campanha e uma mistura de exaustão e êxtase diante do que as urnas poderiam revelar. Não era fácil. Mas era um curto tempo mágico.
Tinha uma turma, e eu estava nela, lógico, que não dormia. Ficava vagando a noite inteira pra saber se os carros dos adversários estavam quietos em casa ou para onde iam. E atenção pouca era bobagem, porque ocorria muito de os caras do lado de lá deixarem o carro na garagem e sair sorrateiramente pra pegar outro veículo e então correr o mundo pedindo e comprando votos.
Eram as últimas horas para amarrar uma família inteira ou para garantir quem já tinha negociado com uma, porém estava de papo com outros. Um mata-burro como troco, horas de trator pra fazer uma represa amarradas no fio da barba, material de construção entregues na hora, duas vacas e dois bezerros já a caminho, quatro cargos na prefeitura e se Deus quiser sete, as reiterados promessas de apoio na lá próximas eleições. E domingo chegando.
No sábado à noite, toda atenção era redobrada. Ninguém brincava em serviço. O bom era que o boteco que não fechava vinha a ser o mesmo pra todo mundo. Os adversários se encontravam a todo momento. Pra descontrair, um pagava cerveja para o outro. Nem todos, porque tinha turma revezando nas vigílias das esquinas. Pauleira toda essa mão de obra. É romântica. Lembro dessas coisas e penso que viveria tudo de novo sem piscar.
O que mais alimentava esse sentimento que apertava o peito era a expectativa da apuração. O que vem lá? Era um ver-se comemorando em igual proporção a um desesperar-se ante a derrota. Pesquisas que indicavam vitória fácil não passavam pelo crivo da ansiedade. Números não preenchiam o coração. Um pouco de cachaça caía melhor, só que dava mais impulso também ao rodamoinho no cérebro que deixava os pensamentos em completo caos.
Sempre havia o perigo dos indecisos. Os indecisos são tímidos. Os votos vendidos, aos conchavos de última hora, as artimanhas de reta final, nada se compara ao imprevisível destino dos indecisos. Eles vão para onde o vento leva. Ou contrariam a lógica eleitoral. E costumam surpreender os melhores analistas de plantão.
Os indecisos são mais importantes na definição da disputa do que os que já tomaram partido por uma razão simples: são menos, mas são os que derramam o leite, ou que completam o balde. Aquele amontoadinho de votos que fazem eleições serem decididas por um, dez ou cinquenta eleitores em um universo de cinco mil, cinquenta mil. O medo de que essa quirera vá para o outro lado e não para o nosso lado é de um desespero alucinante para os que estão no centro da confusão.
A magia está no fato de que essa emoção que quase mata do coração, tem uma energia que nunca acaba. Abastece a memória, tonifica as batidas no peito, deixa a pele mais lisa, pelo deslisar das lágrimas de choro e riso que provocam. Não fosse a política o turbilhão que é, acredito que seria bem o caso de dizer estar ali uma representação perfeita de como vale a pena viver.
Vale apenas, sabemos. Apenas três dias. Depois vem a vitória e seus desdobramentos nem sempre satisfatórios, a corrupção, o ódio, o totalitarismo, o fascismo, a realidade. Esta reta finalíssima de toda campanha é o ápice de um espetáculo da humanidade em que a derrota e a vitória não expõem o máximo de nossa crueza. Tão somente reproduz o teatro do espírito humano.
Bom, mas quando comecei a escrever o que eu queria dizer de verdade era que os indecisos comandam o show na véspera da urna. O resto é embrulho de presente. Vote bem.