Antes de Jorge Mario Bergoglio se tornar o primeiro papa latino-americano da história, a liderança da Igreja Católica esteve nas mãos do alemão Joseph Ratzinger, o papa Bento XVI. Sua morte, em dezembro de 2022, aos 95 anos, encerrou um capítulo singular da história do Vaticano. Ele foi o primeiro pontífice a renunciar em quase seis séculos e inaugurou a figura do “papa emérito” na era moderna.
Bento XVI assumiu o papado em 19 de abril de 2005, após a morte de João Paulo II, e permaneceu no cargo por 7 anos, 10 meses e 9 dias. Ao longo desse período, liderou a Igreja com perfil mais conservador, mas viu sua influência se enfraquecer nos últimos anos de pontificado, à medida que enfrentava dificuldades físicas e delegava decisões a aliados próximos, como o cardeal Tarcisio Bertone.
A decisão de deixar o comando da Igreja foi anunciada em fevereiro de 2013, durante uma reunião com cardeais em Roma. Ratzinger justificou a renúncia alegando “falta de forças na mente e no corpo”. Segundo ele, o ponto de virada foi uma viagem ao México, em março de 2012. Na ocasião, sofreu uma queda que agravou seu estado de saúde. Pouco depois, sentiu os efeitos da idade em voos longos, o que o levou a cancelar sua participação na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) de 2013, no Brasil — evento que viria a ser marcado pela primeira grande viagem internacional do papa Francisco.
Após a renúncia, Bento XVI optou por uma vida reclusa em um mosteiro nos jardins do Vaticano, acompanhado por uma equipe médica, seu secretário particular, monsenhor Georg Gaenswein, e um pequeno grupo de assistentes. Manteve uma rotina discreta, com raras aparições públicas e pronunciamentos limitados a artigos e textos sobre temas teológicos. Durante todo o papado de Francisco, manteve a promessa de lealdade e silêncio, reafirmando seu apoio ao sucessor.
Sua morte foi comunicada em 31 de dezembro de 2022. Dias antes, o papa Francisco já havia informado publicamente que seu antecessor estava gravemente enfermo. “Ele está muito doente, pedindo ao Senhor que o console e sustente neste testemunho de amor pela Igreja até o fim”, disse Francisco em audiência no Vaticano.
Com a renúncia inédita na história recente e sua permanência discreta no Vaticano, Bento XVI redesenhou o papel do pontífice após o fim do mandato. Seu legado, marcado pela erudição, conservadorismo e uma decisão sem precedentes na modernidade, preparou o terreno para a eleição de um papa com outro perfil — o argentino que, ao contrário dele, optou por viver entre o povo e pela simplicidade.