Sem dinheiro para pesquisa e bolsas sem reajuste, cientistas migram para o exterior
Maísa Lima
No último concurso realizado pelo Instituto de Física da Universidade Federal de Goiás (UFG) para provimento de vaga de professor pesquisador, a primeira colocada não assumiu o cargo. Preferiu ir trabalhar nos Emirados Árabes. O exemplo, relatado pelo pró-reitor de Pesquisa e Inovação da instituição, Jesiel Freitas de Carvalho, mostra claramente o que no meio acadêmico se convencionou chamar de “fuga de cérebros”.
O fenômeno tem sua raiz nos recorrentes cortes orçamentários que a área de Ciência e Tecnologia vem sofrendo no Brasil desde 2015. O orçamento total previsto para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) para este ano é da ordem de R$ 8,3 bilhões, contra R$ 11,8 bilhões em 2020.
O valor reservado para “despesas discricionárias” (ou seja, efetivamente disponível para investimentos em pesquisa), é de apenas R$ 2,7 bilhões, 15% a menos do que em 2020 e 58% a menos do que em 2015.
“Há projetos de pesquisa que estão quase parados e outros que nem começaram. Tem muito pesquisador migrando de área ou mesmo de país”, lamenta Jesiel Carvalho. Não é de estranhar. Para se dedicar à pesquisa, um bolsista de mestrado recebe cerca de R$ 1,5 mil e o de doutorado, R$ 2,2 mil, valores que não são reajustados desde 2013.
Impacto
Quando a Covid-19 foi caracterizada como pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em março de 2020, a área de ciência, tecnologia e inovação já enfrentava perda de capacidade instalada. “Mesmo assim, as universidades têm feito muito. Mas poderíamos ter feito mais”, salienta o pró-reitor, lembrando que na UFG estão em andamento, em diferentes estágios, quatro projetos de pesquisa para fabricação de vacinas.
O teste rápido para detecção da Covid 19 desenvolvido pela UFG (veja quadro) e considerado de grande confiabilidade, só foi possível porque a universidade recebeu doações. “A falta de recursos têm gerado consequências irremediáveis. Muitas pesquisas dependem da análise da evolução temporal. Se o aporte financeiro não chega, o experimento fica comprometido”, explica o pró-reitor de Pesquisa e Inovação da UFG. Para evitar que isso aconteça, os professores pesquisadores estão buscando outras fontes financiadoras, principalmente no exterior.
Jesiel Carvalho observa que é natural os cientistas terem mobilidade, mas preocupante se o fluxo vai somente numa direção: para fora do Brasil. “É grande o prejuízo para a sociedade. O investimento em pesquisa é estratégico. Para alcançarmos desenvolvimento tecnológico e responder eficazmente aos desafios futuros, precisamos de infraestrutura física e de cientistas preparados e instrumentalizados”.
Existe dinheiro privado, mas governo federal é que custeia setor científico
As principais fontes de recursos para a pesquisa realizada no Brasil vêm do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDTC), que são ligados ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Associada ao Ministério da Educação (MEC), também é importante o papel da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Atualmente a Capes concede bolsas a cerca de 100 mil pesquisadores e o CNPq atende outros 80 mil. Esses números são quase 25% menores que em 2014.
Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o físico Ildeu de Castro Moreira tem enfatizado que os cientistas brasileiros trabalham majoritariamente nos institutos públicos de pesquisa e nos programas de pós-graduação das universidades federais.
O Brasil investe somente 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em pesquisa científica, enquanto a Coreia do Sul, por exemplo, aplica 4,3%; o Japão 3,4%; Alemanha 2,9% e Estados Unidos 2,7% do PIB. A decisão de economizar nesse setor Ildeu chama de “terraplanimo econômico”, numa referência aos negacionistas que vão contra a ciência e afirmam que a terra é plana e não redonda.
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