Fabiola Rodrigues
Nos últimos anos, o Brasil vinha avançando, lentamente, no acesso de crianças e adolescentes à escola. Com a pandemia da Covid-19, no entanto, o país corre o risco de regredir duas décadas. Em novembro de 2020, mais de 5 milhões de meninas e meninos não tiveram acesso à Educação no Brasil, número semelhante ao que o país tinha no início dos anos 2000.
Desses, mais de 40% eram crianças de 6 a 10 anos de idade, etapa em que a escolarização estava praticamente universalizada antes da Covid-19. É o que releva o estudo Cenário da Exclusão Escolar no Brasil, um alerta sobre os impactos da pandemia da Covid-19 na Educação, divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef), em parceria com o Cenpec Educação.
Com as escolas fechadas durante a pandemia, quase 1,5 milhão de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos não frequentavam a escola, remota ou presencialmente. A eles, somam-se outros 3,7 milhões que estavam matriculados, mas não tiveram acesso a atividades escolares e não conseguiram se manter aprendendo em casa. No total, 5,1 milhões tiveram seu direito à educação negado em novembro de 2020.
A exclusão escolar atingiu sobretudo crianças de faixas etárias em que o acesso à escola não era mais um desafio. Dos 5,1 milhões de meninas e meninos sem acesso à educação em novembro de 2020, 41% tinham de 6 a 10 anos de idade; 27,8% tinham de 11 a 14 anos; e 31,2% tinham de 15 a 17 anos, faixa etária que era a mais excluída antes da pandemia.
O estudo mostra, também, que a exclusão afetou mais quem já vivia em situação vulnerável. Em relação às regiões, Norte (28,4%) e Nordeste (18,3%) apresentaram os maiores percentuais de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos sem acesso à educação, seguidas por Sudeste (10,3%), Centro-Oeste (8,5%) e Sul (5,1%). A exclusão foi maior entre crianças e adolescentes pretos, pardos e indígenas, que correspondem a 69,3% do total de crianças e adolescentes sem acesso à educação.
O vice-presidente nacional da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Marcelo Costa, afirma que um esforço contínuo será muito necessário para recuperar o tempo perdido, e que os dois próximos anos irão existir um esforço muito maior das escolas para tentar recuperar conteúdos. Caso contrário, esse prejuízo irá se arrastar pelos próximos dez anos se não houver um manejo correto.
Segundo Costa, outros países que retomaram as aulas presenciais primeiro que o Brasil voltaram fazendo experiências, já que as escolas abriam e fechavam de novo nessa tentativa de retomada para evitar que o aluno decidisse por abandonar a escola. Segundo ele, quanto mais tempo fora da sala de aula maior o desestímulo.
“Se o estudante fica muito tempo sem ir à escola ele acaba perdendo o entusiasmo, e isso é o que não queremos. Já é muito difícil num país como o nosso, onde muitas crianças abandonam a escola. A Undime é parceira da Unicef no processo de busca ativa dos estudantes que abandonam a escola e agora vamos ter que ampliar ainda mais esse processo”, diz.
Do ponto de vista educacional, o vice-presidente da entidade relata, com convicção, que as aulas presenciais deveriam ter voltado antes. Todavia, as pessoas que estavam coordenando a epidemia decidiram pela orientação de retomar as aulas de forma gradativa porque a pandemia não foi linear. Para ele, o ideal era que a retomada tivesse acontecido no começo do ano, o que não foi possível no Brasil em razão da gestão da pandemia, que não garantiu segurança epidemiológica.
Marcelo Costa afirma que o prejuízo educacional existe e está claro, além disso, a retomada das aulas presenciais neste segundo semestre se tornou uma necessidade emergente devido ao retrocesso escolar. “Já havia problemas educacionais antes da pandemia como, a conectividade, acesso à tecnologia e falta de investimentos nas escolas. A Covid-19 agravou o processo de desenvolvimento no aprendizado dos alunos, mas vale lembrar que ninguém esperava por uma doença tão severa como essa”, diz.
DESIGUALDADE PERMANECE
Além dos dados sobre a exclusão escolar na pandemia, o estudo Cenário da Exclusão Escolar no Brasil traz uma análise aprofundada do cenário educacional brasileiro antes dela. De 2016 até 2019, o percentual de meninas e meninos de 4 a 17 anos fora da escola no Brasil caiu de 3,9% para 2,7%.
As desigualdades, no entanto, permaneceram. Em 2019, havia quase 1,1 milhão de crianças e adolescentes em idade escolar obrigatória fora da escola no Brasil. A maioria deles, crianças de 4 e 5 anos, 384 mil, e adolescentes de 15 a 17 anos, 629 mil. Na faixa etária de 6 a 14 anos, eram 82 mil.
Segundo a especialista em Educação, Simone Gonçalves, o problema na Educação é muito anterior à pandemia. “Não podemos colocar o ônus todo nela, porque estamos tendo prejuízos na Educação e se continuar sem base vamos permanecer no prejuízo. Faltam políticas públicas e sociais voltadas para o setor. É necessário encarar a escola como um local do conhecimento científico e aquisição do saber”, afirma. A especialista enfatiza que a falta de investimento educacional já é um uma fragilidade de longos anos. “Não é só a pandemia, ela foi a cerejinha do bolo para escancarar os problemas educacionais acumulados”, diz.
Outra situação que Simone relata que ficou clara durante o período pandêmico é que os alunos demonstraram não ter domínio das tecnologias como aparentemente tinham ter. “Eles só sabem mexer nas redes sociais. Apresentaram dificuldade imensa de acesso às aulas e falta de habilidade para acessar os aplicativos. Tem aluno também que mal pegou em um livro ou acessou as aulas. Esse vai ter prejuízo para vida porque o que já tinha de dificuldade se potencializou”, conta.
A especialista observa que, atualmente, atrelado aos problemas enfrentados para o desenvolvimento educacional, as famílias jogam para a escola a função delas, que é a de educar os filhos. Isso faz com que tudo tome proporções maiores. “Já estávamos lutando para trazer o aluno para escola antes da pandemia e, agora, a luta é bem maior. Falta, em muitas famílias, a consciência de que o estudo é prioridade. A escola tem tentado através da busca ativa minimizar o gigantesco impacto negativo que a educação sofreu”, pontua.
Busca ativa nas escolas
A Busca Ativa Escolar é uma estratégia composta por uma metodologia social e uma ferramenta tecnológica disponibilizadas gratuitamente para estados e municípios. Ela foi desenvolvida pelo Unicef, em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e com apoio do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). A intenção é apoiar na identificação, registro, controle e acompanhamento de crianças e adolescentes que estão fora da escola ou em risco de evasão. Por meio da Busca Ativa Escolar, municípios e estados têm dados concretos que possibilitarão planejar, desenvolver e implementar políticas públicas que contribuam para a garantia de direitos de meninas e meninos. A Busca Ativa Escolar reúne representantes de diferentes áreas, educação, saúde, assistência social, planejamento, fortalecendo, dessa forma, a rede de proteção. Cada secretaria e profissional tem um papel específico, que vai desde a identificação de uma criança ou adolescente fora da escola ou em risco de abandono, até a tomada das providências necessárias para seu atendimento nos diversos serviços públicos, sua matrícula e sua permanência na escola. Todo o processo é acompanhado pela ferramenta tecnológica, que funciona como um grande banco de dados que facilita a comunicação entre as áreas, armazena dados importantes sobre cada caso acompanhado e apoia na gestão das informações sobre a situação da criança e do adolescente no município e/ou estado. A ferramenta pode ser acessada em qualquer dispositivo, como computadores de mesa, computadores portáteis, tablets, celulares ou celulares. Há também formulários impressos para facilitar o uso dos profissionais que não têm acesso a dispositivos móveis.