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“A Justiça Eleitoral tem dificuldade para acompanhar a velocidade das fake news”


Avatar Por Redação Tribuna do Planalto em 15/08/2022 - 00:42

Rogério Carlos Born – cientista político. Foto: Arquivo pessoal
O cientista político, doutorando e mestre em direitos fundamentais e democracia, Rogério Carlos Born, afirma que a democracia brasileira está realmente sofrendo ameaças, todavia, acredita que as instituições forjadas pela Constituição de 1988 são fortes o bastante para contê-las. O professor universitário e editor da revista Paraná Eleitoral da Escola Judiciária do TRE-PR diz que apesar de a Justiça Eleitoral ser eficiente no combate às fake news, ela não tem a velocidade necessária para conter seus efeitos. 

Tribuna do Planalto – Qual a expectativa do senhor em relação ao impacto da Carta pela Democracia no processo eleitoral?

Rogério Carlos Born – A Carta pela Democracia é um movimento extremamente importante para o Brasil. Importante por quê? A princípio, ela é suprapartidária, embora tenha a participação dos partidos. Lá na época da Constituinte, em 1988, quando tínhamos as Diretas Já, houve movimentos suprapartidários, mas com a participação dos partidos porque todos os segmentos da sociedade devem participar desses movimentos. E é um movimento que eu, particularmente, esperava que não fosse ter a proporção que teve, mas teve porque o peso da Universidade de São Paulo é muito grande. Os melhores juristas do Brasil, boa parte dos que compõem os tribunais hoje, são formados nas arcadas de São Francisco. O peso da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo já a coloca em evidência em todo o Brasil. E o reflexo desse movimento nas principais universidades do Brasil,  nas instituições que participam desse movimento – não são todas – a participação da iniciativa privada, não temos só a participação de movimentos públicos, não só de universidades públicas, mas de entidades como a federação das indústrias, sindicatos de trabalhadores, e ex-presidentes participando, acredito que isso vá dar uma certa relevância. Esse movimento está trazendo a importância de temas que praticamente estavam esquecidos no Brasil, detalhes do último governo, coisas que aconteceram, comparando governos anteriores com o governo atual, lembrando fatos que estavam esquecidos. A psiquiatria explica esse fenômeno: as pessoas têm a tendência de lembrar pouco do passado e não deslumbrar o futuro; se fixar muito no presente. Essa carta trouxe essa lembrança e trouxe uma reflexão para o futuro. Isso me chamou muita atenção e também a disseminação, porque ela não está restrita a São Paulo. Ela está no resto do Brasil. Por isso eu considero essa carta um instrumento muito importante, seja para quem é da esquerda, seja para quem é de direita por chamar atenção para temas que ora estão esquecidos. 

Nossa democracia está realmente sob ameaça ou esse discurso que vem predominando nos últimos tempos é estratégia eleitoral? 

A nossa democracia sofre muitas ameaças, sofre tentativas de ameaças. Mas como a Constituição de 1988 consolidou muito bem a nossa democracia, a resistência que temos das instituições hoje é muito forte. Por exemplo, a urna eletrônica. Eu a conheço desde a sua concepção por ser servidor e ela é extremamente segura e ali se rebate com cinco fases de auditoria das urnas. A primeira auditoria, que está acontecendo agora, é a do código-fonte, o programa de computador que faz o gerenciamento dos dados que são inseridos na zona. Um comparativo que se faz é com o programa Excel, que faz o cálculo dos dados que são inseridos, os números. O código-fonte mostra para os partidos e as instituições, como Ministério Público e OAB, como trabalha o Excel, como trabalha o software, como ele processa os dados. Esse código é fornecido para todas essas entidades. A segunda auditoria é a cerimônia de carga e lacração das urnas. Cada vez que os dados vão ser inseridos nas urnas, várias instituições são convidadas para acompanhar esse processo, mas qualquer cidadão pode acompanhar também. A terceira auditoria é um teste que chamamos de teste de integridade das urnas. Geralmente eram sorteadas quatro urnas, duas da capital e duas do interior e, este ano, serão sorteadas 27 urnas. No dia anterior à eleição, são sorteadas essas 27 urnas e elas são trazidas para a capital e substituídas por uma urna de contingência no interior, que vai ter a votação normal. Essas urnas são trazidas para a capital, para um espaço aberto, acessível a qualquer pessoa, os dados que serão inseridos nelas não são contabilizados para o cômputo geral, porque elas foram sorteadas para testar a integridade das urnas, e em todo voto que é colocado ali, que não vale para a contagem geral, é feito um batimento pela filmagem e pelo os eleitores que simulam o voto anotadamente. A urna é retirada e substituída, a oficial fica lá e esta é testada no domingo. O melhor teste que temos da urna eletrônica, na minha concepção, se chama zerésima e o boletim de urna. A urna não é ligada on-line e quando começa a votação é emitido um documento impresso, dizendo que não tem nenhum voto naquela urna e, no final, é editado um documento que detalha quantos votos foram colocados naquela urna, que é fixado na porta da seção. Depois disso, os dados são retirados das urnas e transmitidos para outro computador, mas antes da transmissão, que não é feita na urna, há uma auditoria que envolve aquele papel fixado na porta da seção. E a qualquer tempo o TSE pode autorizar uma nova auditoria. E eu vejo que existe uma auditoria social. Embora exista crítica contra as pesquisas, normalmente o resultado das eleições mais ou menos batem com as pesquisas. Antigamente podia até desconfiar porque havia apenas o Ibope e o Datafolha. Hoje, temos vários institutos de pesquisa e dá pouca diferença de um instituto para outro e os institutos geralmente batem com os resultados das urnas. Claro que não é cem por cento confiável, mas é um indício de que a urna bate com a vontade do eleitor. Todo esse processo garante que a nossa democracia é forte, pela confiabilidade que temos na Justiça Eleitoral e no sistema desenvolvido no Brasil. Nossas instituições são fortes. Eu não posso dizer que não estamos com a democracia ameaçada, mas a resistência é muito forte. Não é mesmo a resistência que tivemos em 1964. Nossas instituições são muito mais seguras, muito mais fortes. Nós ouvimos pela imprensa a manifestação de uma pequena parte das Forças Armadas, não conseguimos ver o entendimento das Forças Armadas como um todo, portanto, não dá para dizer que elas  estariam ameaçando o nosso sistema eleitoral. Eu acredito que elas estão mais para a democracia, uma democracia ameaçada e que é necessária essa defesa, do que um perigo maior de perdermos a democracia. 

Mesmo com esse esquema de segurança que cerca as urnas eletrônicas, o senhor acredita que haverá questionamento quanto ao resultado da eleição?

Eu acredito que vá haver muito questionamento no processo eleitoral, apesar de a Justiça Eleitoral estar com um trabalho muito maior para diminuir esses questionamentos. O processo é seguro, é confiável, mas acredito que há as duas coisas: o questionamento da Justiça Eleitoral como estratégia de marketing, mas ao mesmo tempo, seja qual for o resultado, vai haver um questionamento em relação à integridade das urnas eleitorais. Só que isso não vai partir de cem por cento dos partidos políticos, mas de uma pequena parcela deles. Porque ao longo do processo eleitoral eletrônico, quase nunca houve um questionamento em relação ao resultado das eleições, apenas fatos isolados. Mesmo na eleição de 2014, quando a diferença de votos foi muito pequena, no começo se pensou em questionar a integridade das urnas, mas depois se considerou que o resultado era aquele mesmo. No tempo do voto impresso os problemas que tínhamos eram muito maiores. Havia uma coisa chamada voto-corrente, que depois que foi aperfeiçoada, diminuiu. Tem um filme do querido Mazzaropi que mostra muito isso, chamado Tristeza do Jeca. A Justiça Eleitoral era honesta, mas não tinha como controlar porque o sistema era muito grande; havia problemas no lançamento do boletim de urna, que era feito a mão e não batia com o número de votos, as fraudes eram muito maiores e tinha o próprio despreparo do eleitor. Nosso sistema é ultramoderno hoje e perguntam porque nenhum outro país o adotou. Porque não é produto de mercado. É um produto feito para nossa realidade, pelas melhores instituições do Brasil, por institutos que cuidam do trabalho espacial nosso, feito pelas melhores universidades do Brasil. Tivemos um país que usou as urnas eletrônicas em 2002 e não usou mais justamente porque era seguro. Essas urnas foram devolvidas ao Brasil em 2016. O Brasil não conseguia resgatar essas urnas provavelmente porque não poderia aparecer o que eles tentaram fazer na urna, tentaram e não conseguiram. Nosso processo é extremamente seguro e a urna foi feita para a nossa realidade. Eu garanto porque conheço as urnas desde o começo e elas são extremamente seguras. 

Essa discussão sobre as urnas eletrônicas não está desviando o foco dos temas que realmente deveriam estar sendo debatidos neste momento? Não se trata de uma cortina de fumaça? 

Uma coisa que se esqueceu na eleição passada e vai ser esquecida nesta são as eleições para governador, deputado federal, deputado estadual e senador. Discute-se muito a lisura da urna eletrônica, os sistemas centrais que estão polarizados e esquecemos os outros cargos, quem vai estar no Congresso Nacional e são eles que vão votar o Orçamento e dentro do Orçamento deixamos de discutir quanto vai para a Educação, quanto vai para a economia, o fortalecimento das empresas. Discute-se apenas esquerda e direita. Eu tenho muito conhecimento sobre a Democracia Cristã, da Alemanha, e é necessário ter um equilíbrio. Todos os benefícios sociais da esquerda não existem se não houver regulamento de tributos para as empresas crescerem. Ao mesmo tempo, se houver o crescimento demasiado da direita, a população vai empobrecer e vai haver abuso na Justiça do Trabalho, vai voltar à época da revolução industrial, quando se trabalhava 18 horas por dia e ganhava-se pouco. Estão se esquecendo da educação, da pesquisa, que sempre foi esquecida agora está mais esquecida ainda. A educação é a área mais prejudicada que temos hoje porque a saúde, em razão da pandemia, teve um certo suporte, mas as pessoas estão esquecendo que existem outras doenças, não só a Covid, medicamentos que devem ser comprados e se investiu muito nas vacinas – tinha que investir mesmo.  Quais são as propostas dos candidatos em relação à saúde, à educação? Os eleitores estão analisando as críticas, as pontas da polarização, e não estão estudando os programas dos partidos que vão concorrer na próxima eleição. Outra coisa que veio dar um nó na cabeça do eleitor são as federações. Nas federações temos propostas de vários partidos e o eleitor fica um tanto perdido para entender qual é a posição do partido:  ele privilegia o poder econômico ou as questões sociais? São muitos partidos e muitas federações, o eleitor já não consegue identificar o que o partido pensa e acaba focando no candidato. 

Quais os problemas do país que o eleitor não está conseguindo ver?

O maior problema está na economia, nos pequenos empresários que quebraram durante a pandemia ou passaram por uma dificuldade muito grande; na educação, falta de investimento, falta de atenção – está se olhando a educação como inimigo e não como aliado. No Brasil, se confunde opositor com adversário ou inimigo com adversário. Uma coisa é ter um adversário; outra é ter um inimigo. Quando se é adversário, um candidato janta com outro no restaurante e depois se digladiam nas eleições. Isso não é bom para a população, que não tem ideia do que cada um está propondo, está trazendo brigas de família e não está se discutindo o futuro. 

Como a Justiça Eleitoral está se preparando para combater as fake news nas eleições?

As fake news sempre existiram, mas elas se agravaram nos últimos anos. A Justiça Eleitoral se aperfeiçoou muito a partir das eleições de quatro anos atrás. Nas eleições municipais já houve várias decisões combatendo esse tipo de notícia e já tivemos vários candidatos cassados posteriormente. A Eleitoral está se preparando tecnicamente para identificar as fake news, trabalhando com institutos de checagem, mas mais para orientar o eleitor. A Justiça Eleitoral tem de ser provocada, portanto, se houver notícias falsas e não houver denúncia, ela não pode atuar. Mas sempre algum partido ou Ministério Público toma essa iniciativa. A maior dificuldade que temos hoje é saber identificar se a notícia é mentirosa ou é uma crítica normal do processo eleitoral. É uma linha muito tênue entre o que é verdadeiro ou não. No Brasil, nós não proibimos a censura e a Constituição diz que qualquer pessoa pode falar mal de qualquer outra pessoa ou qualquer político desde que assine embaixo e a notícia seja a verdadeira.  A liberdade de expressão está pautada nesses dois requisitos. A Justiça Eleitoral vai verificar esses dois pontos, em primeiro lugar identificar quem fez a notícia e, em segundo, identificar se a notícia é verdadeira ou é um uma crítica normal do processo eleitoral. 

Como a Justiça Eleitoral tem trabalhando para fiscalizar as campanhas eleitorais nas redes sociais?

A Justiça Eleitoral fez um acordo com as plataformas de rede social para agilizar a retirada dessas notícias falsas, todavia, a velocidade da notícia falsa e a abrangência é muito maior do que a resposta da Justiça Eleitoral. Até se chegar a uma decisão, mesmo com cautelar, a notícia já produziu o seu efeito. A Justiça Eleitoral consegue dar uma resposta, mas a resposta é muito demorada, não acompanha a velocidade da disseminação. Isso não tem jeito porque todo processo eleitoral é feito por lei e tem que haver alteração legislativa. Mas se você alterar a legislação para julgar imediatamente esses casos, afasta o contraditório e a ampla defesa. 

O senhor está otimista em relação ao processo eleitoral?

Eu fico um pouquinho pessimista por falta da terceira via e acredito que, seja quem for o eleito, vai pegar um Brasil, pelo menos por um ano ou dois, muito difícil porque o país está desorganizado, está perdido, principalmente nas finanças porque misturou polarização com pandemia. Eu não estou muito otimista, estou pensando que a gente tem que procurar uma solução. Eu estou mais otimista para a eleição de 2026 porque tenho esperança que teremos mais opções e talvez um Brasil mais consertado. O problema hoje não é tanto de arrecadação, mas de desorganização. Estamos precisando mais de planejamento, de estruturação e reestruturação no campo interno e no campo internacional.