Por Jorge Antônio Monteiro de Lima
Qual é o tamanho da sua ilusão? Até onde foram suas expectativas? Está endividado? Pode crescer nos últimos tempos? Ilusão excessiva é o tema para o qual todos em tempos atuais devemos refletir. Na atualidade regida por forças arquetípicas de mitos como Ícaro, Midas, Narciso, os excessos tornam-se evidentes com um profundo desligamento da realidade. A vida provisória e a ilusória tornam-se comuns. A psicose da atualidade é cena corriqueira.
Esta é a crise de nossa atualidade da área de saúde mental, com o ego coletivo inflacionado querendo alçar voos para além de seus limites. Com ganância excessiva e ostentação, com a vaidade acentuada.
Neste cenário, o endividamento, a falência, as rupturas com o trabalho, com as possibilidades de crescimento real viraram tema comum na sociedade. Quantos imóveis todos os dias são devolvidos por inadimplência? Quantos leilões de carro confiscado por falta de pagamento? Quantas pessoas não estão desempregadas? Quantos estão devendo muito em vários segmentos da vida?
Mas a insanidade da realidade é que mesmo nesta estrutura apertada de dificuldades, de recessão econômica e endividamento, a ostentação não diminui. Os gastos com a ostentação só aumentam. Muita gente continua posando de celebridade devendo até as cuecas. Fiquei impressionado nestas últimas férias com pessoas devendo em banco R$ 50 mil, R$ 60 mil e saindo para curtir a vidada de ano em grande estilo… Retornam do delírio e se trancam no quarto. Ou mudam o número de telefone para evitar os cobradores cibernéticos.
Mas a psicose não é apenas do cidadão brasileiro. Fez parte do delírio de governadores, prefeitos, do presidente que em discurso esbanjava pujança. O novo tempo é o do calote coletivo, da falácia, das dívidas bilionárias negadas e escondidas. Também dos discursos que apontavam o Brasil como próspero, rico, fora de sua realidade de país subdesenvolvido.
Há políticos em delírio vivendo como reis em negociatas bilionárias com empreiteiros, empresas de telefonia, com o agronegócio, com bancos na especulação doentia em que poucos ganham às custas de muitos. Sim, por aqui todo mundo surtou, acreditando em um futuro melhor, cavando um buraco gigantesco de dívidas que agora batem à porta. Todo dia tem um cobrador telefonando querendo o seu…
A persona, que tomou o Ego de assalto, foi copulada pela vaidade extrema. Rígida, não sabe descer do salto. Perde sua habilidade natural de trocar os papéis diante da vida, querendo um reinado. Torna-se um vassalo. Sim, reis e rainhas sem reino querendo uma vida plena, mas sem esforço e sem calos nas mãos.
O aspecto psicótico da atualidade explode em epidemias de transtornos de ansiedade, depressão, transtorno bipolar com vários surtos de mania. Basta um cartão de credito para ter asas de cera e voar acima do sol, ou para que tudo que se toque vire ouro. É um encantamento mágico sobre um reflexo de água suja, longe de ser cristalina, criada por políticas públicas e discursos oficiais para os quais bancos e agências financiadoras ganharam muito, muito, muito dinheiro.
Este delírio é um problema de saúde coletiva e pública. A dificuldade de viver com humildade, simples, com desapego. Compreender o tamanho do passo, dos sapatos e até onde se pode ir com tranquilidade. Uma crise psicológica intensa advinda de falhas de valores familiares, da educação, da cultura. Muito foguete para pouco barulho. Muito orgasmo fingido para pouco prazer. Sem a percepção da realidade, é impossível ter planejamento, organização, ação, produtividade. E lamentavelmente os delírios agenciados da política, religião, da sociedade do indivíduo continuam.
Todo este cenário evidencia o rompimento do ser humano da pós-modernidade com sua individuação, com o sentido de sua vida. A individuação que exige a percepção clara dos limites e capacidades, a jornada do herói que em batalha tem embates e feridas, são postas de lado em uma aventura de comodismo, preguiça e vaidade intensas. Nessa aventura muitos querem usufruir, ter status, poder, mesmo sem estrutura para tal, acreditando que sua ilusão pode ser uma fatura de cartão de crédito, que, de forma inteligente se paga o mínimo nessa arte atual de se rolar dívidas.
Sessenta milhões de endividados é o tamanho desta conta, que reflete cidadãos que hoje não têm condições de pagar o que devem para o mercado. Uma dura realidade de delírio, de ilusão, de psicose para a qual poucos querem abrir os olhos.
O atestado por José Saramago em a ‘Alegoria das Cavernas de Platão’: “Levamos séculos para plasmar em nossa realidade este cenário caótico”.

Em tempos de ‘empoderamento’, falar de humildade é pedir para caçar confusão. É tolher direitos, cercear vontades, privar, negar, colocar o Ego em seu devido lugar. E a vida faz isto com tranquilidade. Uma psicoterapia profunda ajudaria em muito o ser humano da atualidade a compreender seu próprio tamanho, sua justa medida, sua real capacidade e possibilidades. É muito bom sonhar, ter fantasias, mas sem perder jamais a capacidade de percepção da realidade.
Jorge A. Monteiro de Lima é analista, pesquisador em saúde mental, psicólogo clínico e mestre em Antropologia pela UFG. Site: www.jorgedelima.com.br