Paulo Faria

Há muitos anos, eu morador do Jardim América, em Goiânia, fui vítima de roubos de flores especiais. Eram duas plantas lindas, colocadas do lado de fora da casa, e que ainda nem haviam florido. Por dois dias seguidos, saindo cedo, percebi a falta de uma das plantas e depois da outra. O sentimento de ser roubado é muito ruim. É uma ameaça. No segundo dia, a indignação me fez olhar para o buraco onde deveriam estar as raízes daquela planta que achei um rastro. Descobri o ladrão, ou a ladra, melhor dizendo: os restos de terra me levaram a uma casa. Chamei um vizinho para testemunha do ocorrido e fui alertado: “- aí é uma casa de bandidos. Melhor não mexer.” Não mexi. Entendi que se tratava de outra questão. Voltei a ter tranquilidade quando me mudei.
Nestes tempos de agora, também não estou podendo me mexer muito, falar então, nem pensar… ou só pensar, mas há momentos em que fica lá “na cena do crime”, a terrinha deixada pela raiz das coisas. E o dedo da digitação coça e a língua também. Ainda não me esqueci dos acontecimentos da última eleição. Algumas perguntas me assaltam. Por exemplo: porque mentiras tão grosseiras, ou análises tão empobrecidas, carentes de autoria consistente, se alastraram com tanta facilidade no processo eleitoral?
Há montagens mentirosas que são até elaboradas, que enganam o cidadão numa combinação de forma bem feita e falta de informação e de senso crítico. Mas a rigor, o fake news tem sido produzido com a mais profunda falta de preocupação em parecer verdade, apenas circula, como uma manchete tosca, um mantra repetido. E não se trata da velha regra nazista de Joseph Goebbels, de que uma mentira sempre repetida vira uma “verdade”. Não estamos falando de algo que “se torna verdade” pela repetição. Estamos falando de algo que gera a identificação por causa de um sentimento de “verdade” que muitos entre o público alvo já trazem consigo.
Estou dizendo que não é a fake news que empobrece a audiência, mas a pobreza da audiência é que dá guarida à fake news. Deixo claro que nada é regra absoluta, que neste mundo do humano não há esta regra. Mas aconteceu com muita frequência: o fake news compartilhado entre os iguais, de pensamentos iguais, apenas reforçando um pré-pensamento, um pré-conceito, um desejo, muitas vezes não reconhecido. A fake news circulando em bolhas fechadas, de quem não suporta a diferença e que, como numa horda primeva, se encontra com seu grupo, identificados, a partir de uma ideia e de desejos.
E a horda é corajosa. Melhor seria dizer agressiva: a horda está no plano da ligação emocional, infantilizada, no plano de uma agressividade primordial, que o humano trouxe do bicho que um dia foi (foi?).
Na internet – nós os profissionais da comunicação já sabemos disso – a agressividade, a busca do efeito destrutivo, são mais eficazes, são melhor recebidas e encampadas pelos usuários das redes sociais. Então, a rede saúda o fake news. Nós saudamos na rede o fake news. E nesta eleição surgiu um instrumento perfeito, absolutamente adequado a este desejo narcísico de só falar consigo: o WhatsApp, que estabelece uma comunicação que é privada, mesmo quando em grupos, deixou de ser para relações sociais gerais. Serviu mesmo para relações sociais entre os iguais. Foi lugar de circular o pensamento violento, que desconhece o outro.
Esta foi uma das muitas questões que nos levaram, a mim e aos professores Francisco Itami Campos e Marcos Marinho, a organizar o I Simpósio de Comunicação Política de Goiás, com a importante parceria da Câmara Municipal de Goiânia, e com a gentílissima presença do publicitário Paulo de Tarso, uma das maiores e mais premiadas referências do marketing político brasileiro.
Ainda muito provocados, não temos muitas respostas.

Mas penso que estes instrumentos, especialmente agora o WhatsApp, vieram para ficar por algum tempo, até o próximo boom da tecnologia. Até lá temos, alguns de nós, o desafio de continuar usando estas ferramentas, e melhorá-las, sem naufragar no mundo pobre a identificação simples pela mentira grosseira. Esta coisa tacanha se sustenta na agressividade que desconhece a Austeridade, e isso não é civilizador.
Paulo Faria é jornalista, Psicanalista, Mestre em Comunicação Mídia e Cultura.