Morava a duas léguas da cidade. Sozinha. A viuvez não foi capaz de tirá-la do sítio. Achou por bem tocar a vida como antes, mesmo sem a companhia e o adjutório do companheiro fiel de longas datas.
Setenta e oito janeiros vividos nas escalpas da serra. Cidade, só conhecia uma: a que viu nascer. Bastava. Seus pais foram pioneiros. Ela também. Orgulhava-se disso. Conhecer outra pra quê?
Região tomada por matas virgens, cerrados espessos, campos abertos… Bichos, muitos bichos, de todas as eras e qualidades. Tudo transformado em progresso. O tempo promoveu a mudança. Plantação de soja tombou e desnorteou o meio ambiente. Onde foram parar as árvores que esverdeavam o horizonte?
Ploc! Ploc! Ploc! Ploc!…
O andar compassado e firme anunciava que Dona Rebeca empreendia viagem. Trilheiros que nas mais das vezes obedeciam ao itinerário do gado. Estrada poeirenta e cálida. Todo mês o mesmo vai e vem. Sua rotina não guardava outro objetivo senão o de apossar-se do bendito aposento. O dinheirinho coçava as mãos e provocava o brilho das vistas. Direito seu, ora, para quem trabalhou tanto! Só nessas ocasiões é que fazia uso de seu par de botinas amarelas. Botinas de homem? Por que não, duram mais! Questão de economia para os bolsos e de conforto para os pés. “Que que tem?”, era sua resposta quando questionada a respeito.
Bandido estava na espreita fazia tempo. Puído o seu esconderijo. Aguardava pacientemente o melhor momento para o bote certeiro. Na mira, não só a pequena fatia da aposentadoria do mês como também – e principalmente – o acúmulo mensal que repousava debaixo do colchão. Por causa disso, Dona Rebeca fora condenada a deixar de existir. Era só escolher a hora certa para a bandidagem entrar em ação.
Ploc! Ploc! Ploc! Ploc!…
Quem duvidava de que a aposentada vinha de regresso portando o surrado embornal amarrado pelo meio? O sujeito do mal surgiu do nada. Avançou sobre ela com ganância de fera faminta. Houve luta corporal intensa. A desproporcionalidade era facilmente constatada: ela, raspando os oitenta, ele, com vinte e poucos. Vigoroso e cheio de apetite, segurou-a pelos braços e dominou-a sem grandes dificuldades. Mas carecia aplicar-lhe o golpe fatal. A mão que deslizou até a garganta da vítima liberou-lhe a outra mão que, certeira e brutal, atarracou o escroto do agressor com ímpeto de não soltar nunca mais.
Dona Rebeca tinha mãos rígidas e calejadas, dedos eriçados e resistentes, treinados na dureza diária do desleitamento das vacas no curral. O agressor se viu obrigado a desistir do ataque. Abriu a boca no mundo, gritando por socorro e pedindo ajuda aos céus. Os dedos de aço perfuravam-lhe o couro, isto é, o saco. Sangue escorria. Ficar sem testículo não fazia parte do plano.
Chegou gente para socorrer. Dona Rebeca, com a mão cheia, nada falava. Foi conduzida até sua casa, depois de refeita do susto. O bandido teve de acertar as contas com a polícia, mas, antes, passaram com ele no hospital para remendar as suas “coisas”.
Dona Rebeca!… Eta velha sapeca!…