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Promessas de campanha


Elson Oliveira Por Elson Oliveira em 15/09/2024 - 06:30

Descubra a história curiosa de um prefeito que, durante sua campanha, prometeu água encanada e entregou canos enferrujados.
Entre promessas vãs e canos enferrujados, a política local segue seu curso, enquanto o povo encontra suas próprias soluções.
O candidato a cargo político? 
Estamos em plena campanha eleitoral. Muita conversa de pé de ouvido. Especulações. Visitas sorrateiras. Programas de rádio e de televisão. Enquetes descompromissadas…
Afinal, quem são os candidatos? Será que fulano vai candidatar de novo? Não quer largar o osso? Por que sicrano não entra pra política, não dizem que ele é boa gente e honesto?… É o que se ouve com mais frequência nesse momento fantástico de propaganda eleitoral.
Enquanto isso, os candidatos deitam e rolam com a exibição de suas estratégias, com vistas ao convencimento do eleitor. O candidato mais esperto e mais ousado ganha.
Na verdade, o próprio eleitor fica à espera da visitinha, ávido não só para ouvir o que o candidato tem a prometer, como também para apresentar o que ele chama de “reivindicações”. Inclusive, há vários jargões na boca do povo nesse sentido: “Numa eleição, candidato que não promete não ganha!…”; “Fulano vai perder feio, pois o cara não tem coragem de prometer nada!…”.
E nessa ânsia de ganhar a corrida eleitoral, muitos candidatos acabam extrapolando e entrando no jogo das promessas vãs. Foi o que aconteceu no passado, há quase meio século, em uma cidade das imediações de Goiânia. Veja a história, a seguir.
Quem levou o cano: o prefeito ou o povo?
De tanto ouvir cobranças das promessas feitas na sua campanha, certa vez deu na cabeça do prefeito de trocar a encanação de água da cidade. Dizia que o Estado tinha prometido ajudar a bancar a reforma (Não havia Saneago). E determinou a retirada dos canos velhos, para serem substituídos por outros novinhos.
Como não tinha um lugar adequado para depositar tanto cano enferrujado, juntou o útil ao agradável e mandou levar todo o entulho para o povoado de sua jurisdição, distante uns 50 quilômetros, onde havia prometido com toda ênfase a levar água encanada para aquela população. Com esse gesto, atendia-se à antiga reivindicação daquele povo sofrido.
– Mas antes de tratar a água precisa tratar os canos enferrujados, senão o povo vai adoecer! – alfinetavam os adversários.
– A ferrugem é coisa à-toa, fácil de dar jeito – defendiam os puxa sacos, que compunham a equipe encarregada do serviço. – O importante é o benefício para o lugar, não é mesmo! Afinal de contas, não era isso que o povo reivindicava?
– Se fosse só a ferrugem tava bom demais, mas tem também a sujeira lá de dentro dos canos: lodo, micróbios, restos de bicho morto, cocô de políticos da situação… – atacava sem dó a oposição.
– Pois se o povo não estiver satisfeito com a minha boa vontade eu mando levar tudo de volta – rosnava o administrador, já começando a perder a paciência.
– Então leva, que aqui não é depósito de lixo não! – fulminavam os opositores, com a reta intenção de induzi-lo a perder as estribeiras, usando a tática do quanto pior melhor.
Mas ele não teve peito para consumar a ameaça. E ficou lá aquele impasse: o prefeito não levava de volta os tais canos, porém, não providenciava a continuidade da tão sonhada obra, que levaria à população a bendita água encanada prometida na época da sua campanha eleitoral. Só de birra. Aliás, a promessa de água encanada já tinha servido de trampolim para muita gente chegar ao poder, por que ele seria diferente?
O tempo passava e nada de a obra começar. E o povo, que nada tinha a ver com aquela briga boba, mas era o único atingido pela lengalenga interminável dos políticos, temendo que o prefeito levasse embora os tais canos sujos – o que seria um desaforo a mais –, começou a tomá-los emprestado. Como não tinha com quem falar para pedir o empréstimo, cada pessoa que precisava de um, de dois ou até de mais canos, ia, por conta própria, lá no monte e supria sua necessidade. Ninguém repreendia, mesmo por que a nenhum morador foi dada a responsabilidade da guarda da obra-prima.
Um velho que passava na rua, gemendo com duas barras desses canos nas costas, foi interpelado por alguém com espírito esportivo:
– Levando o cano do prefeito, hein?!… Ou foi o prefeito quem deu o cano?…
– Claro. Levando o cano, uai! Diz que ele vai levar tudo pra trás! Do saco a embira, né!…
– E isso vai ter alguma serventia?
– Vai: vou encanar a água do chiqueiro lá de casa.
Assim foi que, quando o prefeito deu fé, o monte do disputado entulho tinha sumido do mapa. Passados muitos anos, esses benditos canos ainda eram facilmente encontrados servindo de bica d’água ou de varão de cerca ou ainda de poleiro de galinha, em diversas propriedades, tanto urbanas quanto rurais.
À época, o prefeito alegava que foi impedido pela oposição de cumprir a promessa de campanha, porém, a população, na dúvida, preferiu arranjar um jeito de ser beneficiada, mesmo que por vias tortas e que o benefício se resumisse em canos enferrujados, lamacentos e fedorentos.
Eta polititica danada!…
Elson Oliveira

Elson Gonçalves de Oliveira foi professor de Língua Portuguesa, é advogado militante e escritor, com vários livros publicados.