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“Estamos numa encruzilhada estratégica”


Avatar Por Redação Tribuna do Planalto em 13/06/2022 - 10:40

Edwal Freitas Portilho, presidente-executivo da Adial

É o momento de decidir se o país será um produtor de matéria-prima para o mundo ou vai investir na indústria, agregando valor aos produtos da cadeia primária, gerando emprego, renda e oportunidade. Esse é o principal ponto da entrevista concedida pelo diretor da Associação Pró-Desenvolvimento Industrial do Estado de Goiás (Adial) ao Tribuna do Planalto, na qual ele aponta os fatores que levaram a participação da indústria no PIB nacional cair de 30% para 11% nas últimas décadas.

Tribuna do Planalto – A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) projeta para o Brasil um crescimento de 0,6% esse ano, percentual bem abaixo do que o mundo deve crescer, que é de 3%. Considerando que todos os países sofrem os impactos da pandemia de Covid e da guerra na Ucrânia, porque, na avaliação da Adial, o país vai crescer menos que o mundo?

Edwal Freitas Portilho – No nosso entendimento é a falta de um plano de desenvolvimento industrial para o país. A cada dia que passa nós perdemos participação no PIB nacional; o PIB industrial vem diminuindo há décadas, caindo em um patamar, hoje, bastante crítico, que é de 11%. Já tivemos mais de 30% há poucas décadas. Estamos perdendo muito terreno e não é por conta somente do incremento da área de serviços, mas principalmente pela nossa falta de competitividade quando se observa além-mares. Com a globalização, percebemos uma forte concentração da indústria na China; eles compram matérias-primas mundo afora e agregam valor, gerando emprego e renda e arrecadação pública lá. É um movimento muito inteligente por parte da China e nós não temos isso organizado. Nós sequer temos acordos bilaterais bem sucedidos e bem realizados e temos baixa agregação de valor. Quando se vende commodities, sejam minerais, agrícolas ou de outro segmento sem a devida agregação de valores não se gera emprego; quando não se gera emprego não se cria nova renda para manter o mastodonte que é o nosso poder público hoje, que pesa muito nos nossos custos, o que já acostumamos a chamar de custo Brasil. Eu não vejo graça nenhuma porque contribui para que as famílias continuem mais pobres, uma população extraordinariamente grande, mais de 220 milhões de habitantes que, quando chega à idade economicamente ativa tem poucas oportunidades de crescimento com segurança. Às vezes um subemprego, um microempreendedor individual, mas sem condições de prever um grande crescimento durante a sua vida. Essa para nós é a grande decisão que o país precisa tomar.

A falta de uma política industrial é um fator estrutural, mas há elementos que expliquem o fato de o país não ter conseguindo reverter os impactos da pandemia e crescer no mesmo nível que outros países?

Não temos competitividade para trabalhar no mercado internacional. Basicamente, é isso. Nós aumentamos nossos custos porque não finalizamos nossos investimentos em refinarias e, até hoje, somos auto suficientes em produção de petróleo, mas não em gasolina, diesel e derivados. O mundo hoje está pedindo? Alimento. O Brasil é campeão em alimentos. É realmente o maior exportador de frangos, maior produtor de soja, um dos grandes produtores de milho, mas não temos agregação de valor. Ninguém come soja pura em casa, consome o derivado da soja, as proteínas animais. Para produtos com valor agregado nós não temos competitividade, portanto ficamos só com o preço básico de mercado internacional das commodities. Isso não traz crescimento forte para o desenvolvimento da economia do país, porque se não gera rendas adicionais não distribui essa renda. Por isso esse crescimento pífio.

Quanto à participação no PIB, na última década a indústria reduziu em média 1,5% ao ano. O que aconteceu nos últimos dez anos para esse recuo sistemático da indústria no Brasil?

 A conta é muito simples: temos um impacto de impostos hoje nos nossos produtos, seja de ordem trabalhista ou tributária específica, extremamente grande. Temos produtos com quase 50% de carga tributária sem atribuir os encargos sociais nas folhas de pagamento. Isso não proporciona um avanço adequado no investimento industrial. Há muita insegurança nesse sentido. Temos uma economia que poderia ser pujante pelo aspecto de produção de manufaturado, porém não vemos isso acontecer. Isso proporcionou uma virada para a exportação. Se o mercado internacional está remunerando melhor, a cadeia primária passa a exportar diretamente, sem passar por algum portão de indústria. O mercado se adequa e essa adequação se deu nesses últimos 20 anos e, nos últimos 10 anos, a desindustrialização do país tem sido muito acelerada e isso tem trazido esses impactos atuais: falta de material de acondicionamento, de matérias-primas, de combustíveis devidamente refinados. Estamos numa encruzilhada estratégica: ou o Brasil adota uma postura de criar relações internacionais bilaterais, buscando vender produtos manufaturados e ir adequando internamente essa competitividade, ou continuaremos sendo um fornecedor de matéria-prima para outros países; de café para a Alemanha, de soja para a China. O parque industrial de soja na China é muito maior do que o do Brasil. Eles produzem 15 milhões de toneladas e nós produzimos mais de 120 milhões de toneladas por ano. Do mesmo jeito que o café, quem agrega valor é a Alemanha, maior exportador de café do mundo, e a maior parte vai sair do Brasil. Isso que precisamos colocar nas nossas discussões e agora em diante para tentar criar essa competitividade, pagar menos impostos e gerar mais empregos.

A transição de um país que exporta commodities para um país que exporta produtos industrializados passa por definições políticas. Por que o setor industrial não tem uma bancada forte quanto a do agronegócio no Congresso Nacional?

Eu atribuo a falta de foco do trabalho das entidades que representam a indústria a nível nacional. Hoje não temos nem ministério da indústria e do comércio. Ele está embutido dentro de uma secretaria no Ministério da Economia e estava até com vacância de ocupação até pouco tempo atrás. Não sabemos nem com quem conversar sobre isso. O ministério por si só não vai resolver todo o problema. Realmente falta articulação mais forte, mais pesada da indústria nacional com os poderes, Executivo, Judiciário e com o Congresso, para que políticas públicas sejam implementadas, buscando aplicar aquilo que precisamos em cada setor e em cada segmento. Tanto governos estaduais como o governo federal vão precisar trabalhar internamente com inteligência a cadeia produtiva, mercados interno e internacional em cada segmento. Não se aplicam medidas lineares saudáveis, macroeconomicamente falando, que melhore para todos os setores da indústria brasileira. É preciso discutir cada uma, ter uma mesa de operação ou várias mesas de operações com os setores e o governo porque o mercado é dinâmico, alguns produtos são mais voláteis outros menos e essa pilotagem precisa ser feita a todo tempo e a toda hora. O que eu vejo que infelizmente ocorre, tanto nos estados como na União, desde que participo desse segmento, há mais de 20 anos, é que quando se toma alguma decisão já passou do tempo porque a dinâmica de mercado é muito grande. Veja como a China tem atuado em seus investimentos. Agora há pouco tempo, os Estados Unidos anunciaram que vão investir quase U$ 2 bilhões na América Latina. É o valor que a China está investindo em um porto no Peru para buscar minério. O que os Estados Unidos estão falando em investir no Brasil na América do Sul é um acordo da China com o Peru; da China com a Argentina são U$ 9 bilhões. E não estamos vendo, há muito tempo, um trabalho profícuo da União, dos governos federais que passaram, negociações internacionais que realmente tragam condições de competitividade para o setor. São pífios esses investimentos e as parcerias. Investe, mas também compra produtos de valor agregado e exporta só commodities. Não percebemos negociações avançando nesse sentido de comprar produto manufaturado, somente as commodities que aí estão.

Como a Adial avaliou as mudanças no FCO empresarial? As empresas foram prejudicadas?

Muito. Nós trabalhamos desde 2020 para retomarmos a condição de empréstimo com juros pré-fixados. Isso aconteceu, porém o resultado não melhorou a taxa de juros para os empréstimos empresariais. Nós queremos uma equalização com uma taxa de juros do setor rural. Podem argumentar que o setor rural corre mais risco porque depende de clima e tal. Sim corre muito risco, é um setor pujante, que desenvolve muito, gera muita divisa, o produtor é um empreendedor de coragem, que tem evoluído muito com nossos institutos de pesquisa e empresas parceiras. Porém o investimento empresarial também é de alto risco. Temos vários segmentos que que passam por situações inusitadas, seja por conta do mercado, que é soberano, como de medidas governamentais, de ordem institucional que emperram ou atrapalham determinado segmento. Sofremos isso no biocombustível, há pouco tempo, com o biodiesel. Essa questão do financiamento é muito séria e os fundos constitucionais foram criados para fomentar o desenvolvimento, e não há desenvolvimento pleno se tivermos desenvolvimento só na cadeia primária. Precisamos que a secundária também acompanhe esse desenvolvimento, agregando valor, gerando receita, renda e oportunidades para quem mercado de trabalho.

A inflação e a crise do combustível já estão impactando a indústria. Já é possível mensurar isso?

Temos um modal rodoviário que transporta 63% de todas as cargas no Brasil e quando há uma indústria tem que se imaginar chegando ali as matérias-primas, materiais de acondicionamento, embalagem, que são transportadas, na sua grande maioria, por caminhões em rodovias. Qualquer mexida no custo do diesel, que é o principal custo das operadoras de logística, mexe no preço de entrada do seu produto. Com isso aumenta o custo industrial e, obviamente, o custo do produto industrializado. Nas saídas também há logística de entrega nos pontos de venda e nas distribuidoras. E Goiás ainda está distante dos portos. Temos um novo modal ferroviário em amadurecimento, já está implantado e já está ajudando nas importações e, brevemente, nas exportações também. Mas enfim, aumentou o custo do produto, aumenta o preço de venda na ponta da indústria para o comércio. E  inflação tem corroído o nosso poder de compra, principalmente dos menos favorecidos, e isso reduz o consumo. Reduzindo o consumo, a indústria diminui sua produção e aí é uma cadeia, diminui suas aquisições, diminui suas vagas de emprego. Infelizmente, estoura do lado mais fraco, que é quem precisa da oportunidade de trabalho para ter segurança para ele e sua família. Essa é uma preocupação muito grande. Essa briga do ICMS dos combustíveis tem gerado muita preocupação porque não estamos vendo uma redução significativa no preço final do combustível. É importante estabelecer teto porque tem produtos com quase 30% de impacto de ICMS e reduzindo tende a reduzir o preço. Mas no caso da gasolina, parece que se aplicar a correção do que foi segurado de preço teremos a redução de R$,0,01, R$0,02, R$0,03 por litro. Isso não vai impactar em quase nada. Nos preocupa porque diminui a arrecadação de ICMS dos estados, que é o principal imposto. E onde os estados buscarão essa reposição? Se aumentar os impostos das empresas certamente as empresas perecerão porque com o custo tributário que já temos está quase impossível buscar aumento de produção. É um debate que precisamos verificar e voltar aquilo que eu falei no início: cada estado vai precisar ver onde está ganhando ou perdendo arrecadação nos segmentos econômicos e estabelecer políticas junto com os setores para que avance nessa competitividade, e não somente aplicar o aumento de impostos que vai prejudicar a cadeia como um todo. É preciso estudar com profundidade cada segmento. Os governos precisam criar inteligências junto com o mercado privado porque o desafio a cada dia aumenta a altura da régua. Depois dessas mexidas no ICMS dos combustíveis e da energia não dá para os governos ficarem escorados confortavelmente nessas cadeias que traziam muita arrecadação. Duvido que alguém consiga vencer isso politicamente, ultrapassar e voltar à realidade que temos hoje. Tem estado que vai passar uma dificuldade muito maior, porque não tem recursos naturais ou cadeias produtivas estabelecidas, ao passo que em Goiás temos várias cadeias, uma indústria diversificada que dá para conversar e estabelecer metas de desenvolvimento com um plano bem arquitetado.

Um dos problemas de Goiás é o escoamento da produção. O que seria necessário para o estado ter uma estrutura logística que aproveitaria melhor sua posição geográfica, considerada positiva?

Não concordo que a localização geográfica de Goiás nos beneficie atualmente. Precisamos otimizar e potencializar essa localização geográfica. Estamos no centro do Brasil, mas longe dos grandes centros consumidores e dos portos. Isso precisa ir para a mesa do debate. Mato Grosso que tinha um problema muito maior que o nosso de distância de portos está resolvendo com infraestrutura, com a BR 163 e o Porto de Miritituba, que liga o Tapajós ao Amazonas e embarca para o mundo em Macapá. Os portos da região Norte do país já exportam o mesmo volume que o Porto de Santos, que é o nosso gigante. Temos um fato novo extremamente relevante e importante para Goiás, que é a Ferrovia Norte-Sul, que já nos dá condições de importar adubos e fertilizantes via Porto de Santos e exportar farelos ou grãos também no mesmo itinerário. Daqui a pouco, ligando ao Norte, passando por Porto Nacional até portos da região Nordeste do país, como Itaqui, no Maranhão. Isso melhora o custo do frete. Mas se continuarmos exportando e não estimularmos a agregação de valor industrial aqui, continuaremos estimulando a exportação. E exportação não tem arrecadação de ICMS. Podemos continuar mandando matéria-prima para o mundo sem gerar a devida arrecadação ou geração de impostos. Outro ponto logístico é como aproveitar essa posição geográfica? Criando políticas públicas de incentivos, por exemplo, para o e-commerce. Aí eu concordo que a posição é ótima porque as distâncias são favoráveis porque Goiás está no centro do Brasil. Mas precisamos de incentivos fiscais para isso. Estados como o Espírito Santo e o próprio Tocantins já têm e Goiás precisa evoluir nessa questão.

O ProGoiás não contempla essa cadeia do e-commerce?

O setor produtivo numa parceria com o governo está desenvolvendo um projeto AgreGo e, brevemente, deveremos ter as primeiras informações. Foi feito por uma consultoria de alto calão, o setor produtivo junto com o governo. Eu acho que estamos mais adiantados que outros estados porque ninguém imaginava essa mudança das alíquotas de ICMS dos combustíveis e da energia. Está na fase final, pelo que estamos sabendo, o governo deve estar embalando para apresentar.

Qual a expectativa da Adial em relação às eleições deste ano?

O que nós enxergamos para frente é que, se não sairmos dessa encruzilhada estratégica de país produtor de matéria-prima e com pouca agregação, se não retomarmos esse crescimento do PIB industrial para os níveis de mais de 20%, nunca chegaremos a uma condição dos países de primeiro mundo. Nós temos que buscar, seja com quem ganhar as eleições para presidente ou aqui no estado, trabalhar de mãos dadas com esse foco da agregação de valor e geração de emprego, renda e oportunidade.