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Hollywood passou por aqui e nós contamos esta história


Por Marco Aurélio Vigário - Especial para a Tribuna do Planalto em 29/09/2024 - 19:13

Descubra uma história fascinante de estrelas de Hollywood que viveram no interior de Goiás e influenciaram a cultura local.
Descubra uma história fascinante de estrelas de Hollywood que viveram no interior de Goiás e influenciaram a cultura local. Foto: Divulgação do file "Hollywood no cerrado".

O amigo chegou elétrico como se tivesse um furo jornalístico nas mãos e perguntou: “Você sabia da história das atrizes americanas que se mudaram pra Anápolis muitos anos atrás? Que coisa doida! Como não soube disso antes?” E, antes que eu respondesse, começou a falar entusiasmadamente do episódio de podcast que havia acabado de ouvir e que falava das peripécias de Joan Lowell, Mary Martin, Janet Gaynor e outras personalidades de Hollywood desbravando o interior do Brasil.

Respondi que de fato era uma história incrível e que não só já conhecia como já havia escrito sobre ela. Foi aqui mesmo, nesta Tribuna, em meados de 2005.

A pauta chegou pelo nosso diretor à época, Vassil Oliveira: professores da Universidade de Brasília (UnB) estavam gravando um documentário sobre o assunto. À medida em que apurávamos a história, ficávamos mais e mais impressionados, como aquele amigo que ouviu o podcast e chegou no trabalho louco pra compartilhar o “causo”. A reportagem intitulada “Hollywood passou por aqui” foi publicada nos jornais Tribuna do Planalto, de Goiânia, e Tribuna de Anápolis, no município vizinho. Pesquisando na internet, é possível encontrar referências à matéria em trabalhos acadêmicos.

Abaixo, segue o texto original da reportagem de 2005 pra quem tiver curiosidade. Quem quiser ouvir o episódio “Estado de Sítio”, do podcast Rádio Novelo Apresenta (altamente recomendável).

Confira também o trailer do documentário Hollywood no Planalto, de Armando Bulcão e Tânia Siqueira Montoro

Hollywood passou por aqui

Astros do cinema, intelectuais, missionários e comerciantes estrangeiros viveram em Goiás uma curiosa experiência. A história, que pouca gente conhece, pode virar um documentário

Marco Aurélio Vigário

Estrelas hollywoodianas, missionários, imigrantes europeus, comerciantes árabes e sertanejos são os personagens de uma história que pouca gente conhece. Entre os anos de 1930 e 1960, eles conviveram na região que engloba o município de Anápolis e o entorno do Distrito Federal. A experiência rendeu um livro, Promised Land (Terra Prometida, de Joan Lowell, lançado em 1952 e atualmente esgotado), e pode virar um documentário.

O projeto é co-dirigido por Armando Bulcão e Tânia Siqueira Montoro, ambos ligados à Universidade de Brasília (UnB). Eles têm a colaboração do historiador Paulo Bertran e do escritor Victor Leonardi. A produção está a cargo de Márcia Tonholi. Na obra, os diretores pretendem abordar de forma mais ampla as mudanças ocorridas no período: a chegada da energia elétrica, em 1924; a instalação da primeira linha de telégrafo, em 1926; e o surgimento das rádios, dos jornais e das salas de cinema, durante a década de 20.

Tânia Montoro e Márcia Tonholi já estão em Anápolis visitando possíveis locações e levantando informações com a ajuda do diretor do Museu Histórico, Jairo Alves Leite. A partir da próxima sexta-feira, 8, chegam outros integrantes da equipe. Eles vão gravar depoimentos e fazer contato com possíveis apoiadores. A ideia é realizar a parte documental nos 10 dias seguintes, para não correr o risco de perder personagens já em idade avançada. Ficaria faltando a parte ficcional, de reconstrução de episódios como a primeira sessão de cinema, que depende de novos patrocínios.

Com o título provisório de Hollywood no Planalto, o trabalho foi inscrito na Lei Goyazes. Em 29 de abril, mesmo com viés de aprovação, a Câmara Técnica nº 4 pediu informações complementares para o processo, no que foi atendida. Os realizadores aguardam agora a aprovação, o que deve ocorrer até agosto, segundo Bulcão. Caso sejam aprovados, e captados, os recursos da Lei Goyazes vão se juntar aos R$ 60 mil já garantidos por intermédio do Fundo da Arte e da Cultura do governo do Distrito Federal. O filme tem custo total estimado em cerca de R$ 500 mil. E a previsão é que seja lançado até o final de 2006. No ano seguinte, o município comemora seu centenário.

A protagonista
O enredo dessa história tem uma protagonista: Joan Lowell. Atriz do cinema mudo (pode ser vista fazendo uma ponta no filme Em Busca do Ouro, de Charles Chaplin), ganhou fama como escritora. Influenciou artistas norte-americanos e intelectuais europeus, muitos deles atraídos pelo sertão goiano — “uma versão brasileira e real de cenários ficcionais do velho oeste”, descrevem os realizadores no argumento do projeto. “Dona Joana, como ficou conhecida em Anápolis,
gostava de aventuras e foi uma pioneira”, define Armando Bulcão.

O movimento começou na década de 30, antes mesmo da famosa Marcha para o Oeste, empreendida por Getúlio Vargas. Em 1935 foi inaugurada a Ferrovia São Paulo-Araguari-Anápolis. Com os trilhos, vieram novos hábitos, novas modas, novas músicas, novos filmes e novas pessoas. Uma delas era Joan Lowell. Em seguida, as atrizes Janet Gaynor e Mary Martin; o milionário Marcel Camus, que funda uma colônia libertária; o casal Soudant, amigo da escritora Simone de Beauvoir; os missionários James e Ethel Fanstone, que fundaram o Hospital Evangélico Goiano; e muitos outros.

Uma figura-chave era o comerciante libanês Gibran El Hadje. Descrito como homem culto e refinado, ele se tornou interlocutor junto à comunidade norte-americana. Em determinado momento, Mary Martin entrou em desavença com Joan Lowell, mas, convencida por ele, resolveu permanecer em Anápolis. A família de Gibran reside atualmente em Brasília, com negócios nos ramos de hotelaria e gastronomia fina. O filho Raif guarda um importante acervo de fotos e documentos da época.

 

Equipe busca novas informações

A co-diretora Tânia Siqueira Montoro, professora da Universidade de Brasília, acredita que Anápolis tem uma história rica e cosmopolita. Ela destaca que, em meados do século passado, a cidade recebia vôos internacionais regulares (Miami-Rio-Anápolis) e tinha nada menos que oito salas de cinema. “É mais do que tinha Niterói, cidade vizinha ao Rio de Janeiro”, lembra.

No início da tarde da última sexta-feira, 1º, quando concedeu entrevista à reportagem da Tribuna do Planalto, Tânia e a produtora Márcia Tonholi percorriam o município em busca de vestígios da época. A professora estava impressionada com a interferência no patrimônio arquitetônico anapolino. A boutique que pertenceu a Janet Gaynor, por exemplo, está irreconhecível.

Em contrapartida, ainda segundo ela, há boas notícias, como a descoberta de vestígios da época: um vestido comprado na mesma
boutique, uma placa na fazenda de Richard Halliday e uma ponte entre o município e Ceres. Aliás, a ligação com Ceres vem sendo cada vez mais reforçada. Tânia conta que o casal de missionários James e Ethel Fanstone, que fundaram o Hospital Evangélico Goiano, foram responsáveis por outra unidade, em Ceres.

 

Apoio
A equipe do documentário pretende passar 10 dias em Anápolis coletando informações e gravando imagens e depoimentos. Para tanto, de acordo com o co-diretor Armando Bulcão, será instalada uma unidade de produção no Museu Histórico. O diretor da instituição, Jairo Alves Leite, dá suporte ao projeto, que tem o apoio da Prefeitura Municipal.

Na cidade, a produção tem ainda a participação de Antonio Bandeira, responsável pela direção de arte, e Washington Ribeiro Gomes. O cinegrafista é David Pennington e o som está a cargo de Jorge Pennington.

John Wayne (1907-1979)
Ícone dos filmes de faroeste. Surgiu no cinema em 1926, com Brown of Harvard, e participou de outros 174 trabalhos como ator. Foi também
diretor e produtor. Esteve no Planalto Central em 1958, quando, vestido de cowboy, foi fotografado nas escavações da futura rodoviária de Brasília.

Ronald Reagan (1911-2004)
Iniciou a carreira de ator em 1937, no elenco do filme Love is on the Air. Mais tarde, investiu na carreira política e se tornou o 40º presidente dos Estados Unidos, exercendo dois mandatos (1981-1989). Visitou o Centro-Oeste brasileiro em 1958 e foi fotografado ao lado de John Wayne.

Janet Gaynor (1906-1984)
Depois de filmar The Young in Heart, em 1938, já cansada de Hollywood, deixou o cinema e resolveu se mudar para Anápolis. Abriu uma boutique no centro da cidade. A casa onde morava ficou conhecida como o “Castelo da Bela Adormecida” — hoje está em ruínas.

Mary Martin (1913-1990)
A atriz foi apresentada a Joan Lowell pela amiga Janet Gaynor e, em acordo com o esposo, o produtor Richard Halliday, decidiu comprar terras na região. Com isso, por força de contrato, alguns ensaios de filmes passaram a ser feitos em Goiás. Halliday faleceu em Brasília, em 3 de março de 1973.

Larry Hagman (1931-)
Filho do primeiro casamento de Mary Martin, Hagman morou no Brasil entre os 15 e os 17 anos. Ficou conhecido entre os anapolinos pelo estilo “meio hippie”. De volta aos Estados Unidos, estrelou as séries televisivas Jeanne é um Gênio (Major Nelson) e Dallas (J.R.)

Joan Lowell (1902-1967)
Escritora de renome, seguiu em viagem para a América do Sul em 1930, logo depois da crise na Bolsa de Nova York (1929). Na viagem, conheceu o comandante de um transatlântico, Sir Leek Bowen, por quem se apaixonou. Era chamada em Anápolis de “Dona Joana”.

 

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MARCO AURÉLIO VIGÁRIO é jornalista, com passagens por veículos impressos e TV, além de assessorias de comunicação de órgãos públicos e privados.

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