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Refrigerantes, Apostas e Armas: A Polêmica do Imposto Seletivo no Brasil


Tyago Cruz Por Tyago Cruz em 13/11/2024 - 06:00

A proposta do Imposto Seletivo visa desestimular o consumo de produtos nocivos, mas provoca debates sobre seus impactos sociais e econômicos.
A proposta do Imposto Seletivo visa desestimular o consumo de produtos nocivos, mas provoca debates sobre seus impactos sociais e econômicos. Foto: Freepik

A proposta de regulamentação do Imposto Seletivo dentro da reforma tributária no Brasil tem despertado intensos debates sobre a eficácia e as consequências sociais dessa medida. O objetivo declarado do governo é simples: desestimular o consumo de produtos que geram externalidades negativas, como bebidas açucaradas, jogos de azar e armamentos. No entanto, muitos questionam se o impacto dessa tributação não será desproporcional, agravando as desigualdades sociais em vez de resolvê-las.

Especialistas em saúde pública apontam que a taxação de bebidas açucaradas, por exemplo, pode ter um efeito positivo na redução de doenças relacionadas ao consumo excessivo de açúcar, como obesidade e diabetes. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), “aumentar os impostos sobre bebidas açucaradas é uma das maneiras mais eficazes de combater doenças não transmissíveis”. Mas a realidade brasileira é complexa. Estudos mostram que o consumo de refrigerantes é mais comum entre as classes mais baixas, e o aumento de preços devido ao imposto pode impactar diretamente famílias já pressionadas por uma alta carga tributária sobre bens de consumo.

No caso das apostas, o Brasil vive uma explosão no número de adeptos de jogos de azar, com cifras bilionárias movimentadas anualmente. Regulamentar e tributar essa atividade pode, à primeira vista, parecer uma oportunidade de ouro para os cofres públicos. No entanto, o economista Ricardo Amorim adverte que “a regulamentação precisa ser acompanhada de políticas públicas que tratem os efeitos do vício em jogos, caso contrário estaremos apenas lucrando sobre a miséria alheia”. O impacto do vício em apostas pode ser devastador, tanto financeiramente quanto psicologicamente, especialmente para os mais vulneráveis, que podem ver sua situação agravada sem uma rede de apoio adequada.

A questão das armas, por sua vez, é igualmente sensível. A ideia de tributar pesadamente a comercialização de armamentos pode parecer um passo na direção certa para reduzir a violência. No entanto, é fundamental considerar o mercado ilegal, que opera à margem de qualquer tributação. A professora de segurança pública Silvia Ramos destaca: “Enquanto não resolvermos o problema do contrabando e do tráfico de armas, tributar o consumidor legal pouco vai influenciar os índices de violência”. A eficácia da tributação, portanto, depende de um combate mais abrangente ao tráfico ilícito.

Outro aspecto problemático da proposta é a segurança jurídica da sua aplicação. Definir o que exatamente será tributado como “nocivo” pode abrir precedentes para uma enxurrada de litígios judiciais e criar insegurança no mercado. Empresas dos setores atingidos já preparam ações para questionar a legitimidade e a abrangência do Imposto Seletivo, o que pode resultar em anos de disputas e na ineficácia imediata da reforma. Além disso, a falta de clareza sobre a destinação específica dos recursos arrecadados reforça a preocupação de que o imposto seja usado apenas como uma ferramenta arrecadatória, sem cumprir sua função social.

Críticos da proposta também alertam para a possibilidade de o Imposto Seletivo acabar servindo apenas como mais um fardo sobre os consumidores. O Brasil já possui um dos sistemas tributários mais regressivos do mundo, com a maior parte da arrecadação proveniente de impostos sobre o consumo, que afetam desproporcionalmente os mais pobres. Assim, tributar ainda mais os bens de consumo pode acirrar as desigualdades, se não houver políticas compensatórias para proteger a população mais vulnerável.

A solução pode estar em uma abordagem equilibrada. Se a intenção é promover saúde e segurança, a tributação seletiva precisa ser acompanhada de investimentos em educação, alternativas acessíveis e campanhas de conscientização. Por exemplo, taxar refrigerantes sem oferecer opções mais saudáveis a preços razoáveis não resolverá o problema da má alimentação. Da mesma forma, lucrar com o vício em jogos ou tributar armas sem abordar o mercado ilegal só perpetuará os mesmos problemas.

No fim das contas, a polêmica do Imposto Seletivo mostra que a reforma tributária é um campo minado, onde cada passo precisa ser bem pensado. Há uma linha tênue entre promover o bem-estar público e onerar ainda mais quem já carrega o peso de um sistema tributário injusto. É fundamental que a sociedade, os legisladores e especialistas atuem de forma conjunta para garantir que a reforma seja, de fato, um avanço e não um retrocesso disfarçado de progresso.

Tyago Cruz

Advogado, Especialista Direito Empresarial, Professor e Empresário.

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