A carta enviada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ontem (9), surpreendeu negativamente especialistas em relações internacionais. O documento, que comunica a imposição de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros exportados aos EUA, faz menções ao ex-presidente Jair Bolsonaro e aborda questões envolvendo big techs, em um tom considerado atípico e politicamente carregado.
Para Leonardo Trevisan, professor do curso de Relações Internacionais da ESPM, a carta não segue as melhores tradições da diplomacia americana. “É uma defesa explícita dos interesses de empresas privadas americanas que enfrentam litígios com o Estado brasileiro, especialmente no setor de comunicações. Não é comum que o governo de um país se posicione de forma tão direta em favor de interesses corporativos dentro de um documento oficial de política externa.”
Trevisan destaca ainda a mistura entre alinhamentos políticos e relações econômicas na mensagem. “A carta deixa evidente uma afinidade entre Trump e Bolsonaro, o que não condiz com a prática diplomática tradicional, que deve preservar institucionalidade, acima de preferências pessoais ou ideológicas.”
No entanto, o que mais chama atenção, segundo o especialista, é o momento em que a carta foi enviada. O Brasil sediou recentemente a cúpula dos BRICS, na qual houve críticas à hegemonia americana na governança global. “A reunião deixou claro um movimento — inclusive de países próximos aos Estados Unidos, como a Arábia Saudita — por uma nova estrutura de governança internacional, menos concentrada nos interesses de uma única potência.”
Nesse cenário, Trevisan interpreta a carta como parte de uma resposta política à crescente contestação da liderança americana. “O Brasil pode estar servindo como bode expiatório. A punição econômica pode ser lida como reação ao apoio — ainda que indireto — de países como o Brasil à crescente influência da China no cenário internacional”, diz.
Para ele, a mensagem de Trump vai além da relação bilateral. “A carta tem um destinatário claro: todos os países que defendem uma reforma na governança global. A tarifação é uma forma de advertência a quem contesta o status quo. É preciso entender essa medida como parte de um movimento mais amplo de reafirmação da primazia americana no sistema internacional.”