Por decisão unânime, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou o afastamento cautelar da juíza Maria Socorro de Sousa Afonso da Silva, titular do Juizado da Infância e Juventude de Goiânia, e instaurou processo administrativo disciplinar (PAD) contra ela e a desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade. Ambas são investigadas por suas atuações no caso de uma adolescente de 13 anos que teve o acesso ao aborto legal negado em Goiás, mesmo sendo vítima de estupro de vulnerável.
Pedido de afastamento veio de juristas pela democracia
A abertura do PAD foi motivada por representação da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABDJ), que denunciou o episódio como violência institucional. A votação do CNJ, realizada na sexta-feira (16) sob presidência do ministro Luís Roberto Barroso, também decidiu que Maria Socorro poderá atuar em outras varas, exceto na jurisdição especial da infância e juventude. Já a desembargadora Doraci, que suspendeu a decisão que permitia o aborto, seguirá em sua função durante o processo.
Aborto legal negado: relembre o caso
O caso ganhou notoriedade em julho de 2024, quando o jornal O Popular revelou que a menina, grávida em decorrência de estupro, estava sendo impedida pela Justiça goiana de acessar o direito ao aborto legal. O Ministério Público de Goiás (MP-GO) havia solicitado a interrupção da gestação, mas o pai da menina ingressou com ação contrária, alegando que o feto não sobreviveria a um parto induzido.
Decisão da juíza previa cesariana
Maria Socorro autorizou o aborto, porém impôs que os médicos não induzissem a morte do feto e utilizassem todos os recursos possíveis para garantir sua sobrevivência. Essa decisão, na prática, forçaria a realização de uma cesariana. Posteriormente, Doraci acatou o recurso do pai e suspendeu qualquer procedimento até o julgamento final.
Repercussão e atuação do STJ
A repercussão foi imediata. O CNJ intimou as magistradas para esclarecimentos, e a então presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Maria Thereza de Assis Moura, autorizou a interrupção legal da gravidez ao conceder habeas corpus solicitado pela Defensoria Pública de Goiás.
O agressor foi indiciado pela Polícia Civil de Goiás e denunciado pelo Ministério Público por estupro de vulnerável. O processo tramita em sigilo.
TJ-GO e CNJ mantêm silêncio oficial
O Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) afirmou, por meio de nota, que o caso corre sob sigilo e não se manifestará. O CNJ confirmou que o acórdão foi assinado na segunda-feira (19) pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Luiz Campbell Marques, e que o TJ-GO já foi formalmente notificado.
Associação de juristas vê avanço, mas cobra mais rigor
A ABDJ considerou o afastamento de Maria Socorro um passo necessário. “Ela já demonstrou parcialidade em casos de aborto legal envolvendo crianças e adolescentes. O CNJ está começando a ouvir a sociedade e responder minimamente às violações cometidas com pretextos religiosos”, afirmou o secretário da entidade em Goiás, Vitor Albuquerque.
Defesa das magistradas critica medida
A defesa das magistradas, representada pelo advogado Dyogo Crosara, criticou o afastamento, apontando que Maria Socorro é especialista na área e que não teria cometido nenhum ato que prejudicasse o andamento do processo. Sobre o PAD, disse que a defesa está tranquila e que confia que o julgamento demonstrará que ambas agiram com base nos autos.
Manifestação da então ministra das Mulheres
Nas redes sociais, a então ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, lamentou que casos como esse ainda dependam da Justiça. “A legislação é clara. Se a gravidez resulta de estupro, há risco de vida ou anencefalia, o aborto é direito da gestante. Exigir autorização judicial só transforma o processo em um calvário”, declarou.
Atos de apoio e mobilização popular
A sociedade civil também reagiu. Um ato em apoio à menina foi realizado no Campus Samambaia da Universidade Federal de Goiás, reunindo estudantes, professores e a reitora da instituição, Angelita Lima.