Houve um tempo em que a atenção que hoje se dá ao vice era direcionada às primeiras-damas. Havia uma disputa de bastidores pra saber qual seria a melhor, como se isso fosse definir a eleição do marido. Eram tempos de grande preocupação com as pautas sociais, mas com foco no assistencialismo pontual e na visão de que faziam parte natural das atividades da esposa na gestão. Preconceito, machismo, há muito o que se dizer. O fato é que a prática era essa. Evito nomes para não entrar em trieiros – legítimos – de discussão que não são o objetivo aqui. Quero apenas lembrar esse tempo, de como a participação da mulher na política vem mudando, o que é ótimo, e ressaltar que o debate e a percepção sobre o vice também está fora do eixo. Vice não é o gestor. Vice é reserva, pode se dizer. Não costuma ser escolhido por suas virtudes administrativas. E a vice, para quem a ocupa, é ponto de passagem. Na maioria das vezes, o vice é fator de troca. Troca de apoio ao titular por um espaço de espera.
Nem sempre dá certo, porque as expectativas são geralmente quebradas. Num piscar de olhos, os dois aliados iniciais acabam virando inimigos figadais. Os exemplos são muitos. Quando funciona a química, no entanto, a harmonia vira inevitavelmente sinônimo de mais poder. Um vice não pode se arvorar a dar opinião sobre a gestão. Não pode ser mais realista que o rei. Não pode mostrar a cara. Jamais deve querer administrar a não ser o próprio gabinete, e assim mesmo com o cuidado de não criar desgastes desnecessários. Um vice está sempre pronto. E ponto. É isso por questão de inteligência estratégica e porque é isso mesmo, o papel de vice não passa daí. Se ele não tem muito o que fazer, por que fazer o que contraria a gestão e o gestor, arrumando um inimigo que pode matá-lo antes de ser morto para dar seu lugar? Por que querer ser o que não é e ainda por cima dar publicidade disso quando for colocado no seu lugar? Um vice pode até ser mais, desde que mostre habilidade política e consiga a confiança do titular. E pode ir além, projetando seus passos na vida pública, seja como sucessor, seja pegando outro caminho. E longe de mim fazer paralelo entre eles e as primeiras damas de antes ou de agora. Apenas lembrei disso. E de que aquilo que mudou mesmo na presença política delas é vitória delas. Elas se transformaram e estão transformando o mundo. Como se diz: fazem a diferença. E os vices? Vice sem propósito e causa – só por causa – é o que é: vice.
A propósito
Procura-se um propósito. Não qualquer propósito. Um que faça mais do que ser um ponto no horizonte. Que carregue o peito com muito combustível, suficiente pra preencher o vazio no primeiro movimento da bomba e no segundo, quando ainda cabem mais uns litros. Um propósito para longa distância: a vida toda. Até ali vou sozinho. Estou indo. Me empurrando. Eu ando. Ando mais sentindo do que caminhando. Nos jardins à minha volta há estâncias maravilhosas. Eu poderia parar um instante, me servir dos seus instantes, seguir em frente. Não tenho ânimo. Falta-me razão para tanto.Onde colocar meu cansaço para poder curtir os instantes? Quando adormecer sem perder a realidade de vista e me esquecer completamente? Acordo sempre sem ter dormido tanto. Um acordar de sonolência febril, indefinida. Se eu dormir profundo, perco este aperto nos olhos. E não é isto que me mantém alerta,hoje? Nasci com essa inconstância no espírito. Nasci para viver de utopias. E as tive, por certo, na pureza de um coração sonhador. Um estado de alma livre, imperador, e ao mesmo tempo irrompedor. Uma saga de amor, apesar. Apesar de todos. Apesar de mim. Porque nunca esperei da vida senão sua inteira e irrestrita manifestação. Especialmente o desespero. E era isto, este pormenor da existência,tudo que me bastava: não perder um risco de tudo que é escrito e desenhado. Quando se perde o propósito, posso dizer, nada se coaduna. Nada. E há um pender nos passos. Como ando no fio acima do abismo e este é meu melhor caminho e minha maior alegria, o esforço é grande. Não será motivo de queda, mas é de distração divina. Temo que Deus se descuide e me deixe caminhar segurando as pontas sozinho. A ausência de todas as coisas contra a minha solidão necessária. A falta de um propósito para manter a fé em equilíbrio constante. A dor coçando. Um propósito de cada vez, por sobrevivência e por amor às causas. Não quero perder o meu abismo intransponível, nem a minha infinitude. Ter que me sustentar, em vez de viver como sou e só. Não temo o fim. Tenho saudade do começo. A propósito.