Em meio aos longos meses de estiagem, contornada pelo céu laranja e vermelho do Cerrado goiano, mudanças acontecem. No ápice da seca os ipês florescem e, com eles, outras espécies nativas. É chegada a florada. Pequenos insetos se organizam para uma nova etapa. Chegou o momento de intensificar o trabalho.
No início das manhãs, as abelhas saem das colmeias em busca do néctar, colhido das flores. Passam horas colhendo e armazenando para, ao final do dia, retornarem. O líquido, então, é regurgitado e transferido para as abelhas domésticas. São elas que o depositam nos favos. Com o farfalhar das minúsculas asas, elas são capazes de evaporar a água e transformar o néctar em mel. Parece um espetáculo de truques mágicos, guiado pela maestria da organização destes pequeninos insetos.
Em Goiás, atualmente, existem mais de 10 mil apiários cadastrados, de acordo com dados da Secretaria de Agricultura e Pecuária (Seapa). O resultado de tanto esforço dos insetos e seus criadores é uma produção que ultrapassou 400 toneladas em 2023, aumento de 25,4% se comparado ao período entre 2015 e 2023. O que corresponde a R$ 12,3 milhões – segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
Atualmente, empresários do ramo do mel têm buscado a diversificação de produtos e a escalada dos negócios. Histórias como a de Leo Roberto (Mel do Sol) e do apicultor Helder Lino (Lino Apicultura), mostram que é possível realizar a produção de mel de qualidade com respeito à natureza e sem deixar de lado a inovação ou a escalada dos negócios.

Arqueólogo por formação, Leo começou a trabalhar com apiários em 1981, impulsionado pelo boom dos alimentos orgânicos. Após dez anos, enxergou a possibilidade criar uma empresa focada no manejo e distribuição de mel. “Em primeiro momento, bastava ter mel que estava tudo bem, a gente vendia em feiras, etc. O tempo passou e o mercado se sofisticou. Hoje, não basta só ter mel. Tem que se inserir no mercado como outras empresas de outros segmentos fazem (como a produção de leite, por exemplo). É preciso segmentar o trabalho. Não dá pra fazer tudo ao mesmo tempo, é inviável”, explica.
Com esta visão, o negócio evoluiu para outro patamar. E, assim, a criação de abelhas foi deixada de lado para focar na pequena indústria de manejo e tratamento do mel produzido por outros apicultores. A sede está localizada em Santo do Descoberto, no Entorno do Distrito Federal. A marca também possui uma loja física em Brasília e um site de vendas. Já chegou a exportar para países como Japão e Vietnã, além de possuir certificações para exportação para Europa e países árabes e mulçumanos.
A marca escolhe as parcerias: apicultores comprometidos com a sustentabilidade e a qualidade dos produtos. E investe na diversificação de produtos, com linhas e propostas diferentes, para diferentes públicos. Além da linha tradicional, a linha Farma possui adição de extrato de própolis e a Premium traz produtos sofisticados – feitos a partir de floradas de flores do Cerrado, de Café, de Laranjeira, entre outras. No futuro próximo, o intuito é lançar produtos com valores mais acessíveis, para que o público de baixa renda tenha acesso a um alimento confiável e, ao mesmo tempo, de qualidade.
Na região do Vale do São Patrício, em Jaraguá, o apicultor Helder Lino, ainda apaixonado pela lida diária com as abelhas, possui apiários há dez anos. Ele conta que produz cerca de 9 toneladas de mel anualmente. E, como apicultor, tinha dificuldades de encontrar bons equipamentos. Foi quando começou a fazer os próprios. O interesse de outras pessoas só aumentou e, assim, Lino se especializou na produção de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs).
Hoje, a marca Lino Apicultura possui site para a loja online, atende pedidos de todo o Brasil e até mesmo de outros países, como Portugal e Estados Unidos. O diferencial é uma roupa produzida com malha ventilada, ajustes para maior segurança e um capacete arqueado para visão ampliada e maior mobilidade.

Além disso, ele também produz equipamentos para o manejo de abelhas como fumegador de metal; a cera para alimentação dos insetos; uma caneta específica para demarcação da abelha-rainha e uma pequena peça, chamada piranha, usada para pegar a rainha.
“Eu fico muito feliz porque essa ideia foi minha, mas a minha família abraçou e trabalha junto comigo. Através dos meus sonhos, hoje toda a minha família vive da produção das abelhas e dos EPIs. É muito satisfatório, porque fazemos o que gostamos e gostamos do que fazemos. Nossa produção de mel tomou uma proporção muito boa”, celebra o apicultor.
Dados da Junta Comercial do Estado de Goiás (Juceg) apontam que atualmente existem 183 empresas do ramo do mel, sendo que 153 estão registradas como Microempreendedores Individuais (MEI) e 30 como outras classificações. Entre 2023 e junho de 2025 foram 55 aberturas de novos MEIs. Entre as demais classificações, o ritmo é menor, com 4 empresas abertas em 2023, nenhuma em 2024 e uma registrada em 2025. Os números são baixos, se considerarmos o volume de produção de mel no estado, que ultrapassou as 400 toneladas em 2023.
O diretor Superintendente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae Goiás), Antônio Carlos de Souza Lima Neto, destaca que formalização é um passo essencial para o fortalecimento da apicultura em Goiás. “Para os produtores de mel, a regularização do negócio é fundamental para garantir acesso a mercados mais amplos, agregar valor ao produto, conquistar a confiança dos consumidores e atender às exigências sanitárias”, afirma. Ele ainda aponta que, com o CNPJ em mãos, os apicultores podem emitir nota fiscal, vender para órgãos públicos, obter financiamentos e participar de programas de incentivo, contando com o apoio técnico e de gestão oferecido pelo Sebrae.
Para Pedro Leonardo Resende, secretário de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Goiás (Seapa), a informalidade ainda é um dos principais desafios para a consolidação da apicultura no estado. Ele também ressalta a importância de buscar adequação aos serviços de inspeção municipais, estaduais e federais. “Temos potencial para avançar nas exportações, mas precisamos consolidar a base, fortalecer a produção, ampliar a formalização e estimular o cooperativismo”, afirma o secretário da pasta.
De acordo com a pasta, nova ação de estruturação do setor de apicultura em Goiás será lançada este ano, com base em modelos consolidados como os da cadeia do leite e da pecuária. O projeto Apicultura Social pretende impulsionar a cadeia produtiva por meio da entrega de equipamentos para pequenos apicultores com o objetivo de garantir a qualidade na extração e armazenamento do mel e assim, agregar valor ao produto goiano.
Uma parceria entre Sebrae e Seapa foi estabelecida em 2024 com o objetivo fortalecer as agroindústrias de pequeno porte goianas, especificamente de produtos de origem animal, para que os produtores tenham mais alternativas de comercialização. E o melhor: sem custo algum algum para o pequeno produtor. O Sebrae informa que já existem 30 famílias participando do programa e as consultorias já estão em andamento.
Os apicultores que têm dúvidas sobre como regularizar uma empresa, criar um CNPJ ou ter acesso a créditos e programas sociais podem procurar as equipes do Sebrae Goiás e da Seapa para serem devidamente orientados.
É muito comum empresas que adulteram o mel ou criam algo similar, feito com outros ingredientes, como açúcar, xarope de glicose, frutose industrial, xarope de milho ou arroz. É a chamada falsificação: um produto que imita, mas não é mel. Em 2023, o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) realizou a Operação do Mel, em que foram encontradas adulterações com acréscimo de produtos como xarope de milho e de cana-de-açúcar em 7,46% das 67 amostras de mel analisadas.
É muito comum empresas que adulteram o mel ou criam algo similar, feito com outros ingredientes, como açúcar, xarope de glicose, frutose industrial, xarope de milho ou arroz. É a chamada falsificação: um produto que imita, mas não é mel. Em 2023, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) realizou a Operação do Mel, em que foram encontradas adulterações com acréscimo de produtos como xarope de milho e de cana-de-açúcar em 7,46% das 67 amostras de mel analisadas.
É muito comum empresas que adulteram o mel ou criam algo similar, feito com outros ingredientes, como açúcar, xarope de glicose, frutose industrial, xarope de milho ou arroz. É a chamada falsificação: um produto que imita, mas não é mel. Em 2023, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) realizou a Operação do Mel, em que foram encontradas adulterações com acréscimo de produtos como xarope de milho e de cana-de-açúcar em 7,46% das 67 amostras de mel analisadas.
Com tanta falsificação de mel, para o consumidor se torna essencial adquirir produtos de empresas comprometidas com a produção e venda de alimentos de qualidade e que possuam as certificações exigidas. Este é o caso da Mel do Sol, que não mede esforços para o cumprimento da legislação e sempre busca adquirir selos e certificações para seus produtos.
Entre as várias certificações que a Mel do Sol possui estão: o Serviço de Inspeção Federal (SIF), que assegura que o mel é produzido e processado conforme as normas sanitárias brasileiras e internacionais; o Certificado Sanitário Internacional (CSI) atesta que o mel atende aos requisitos sanitários do país importador, no caso, União Europeia e Estados Unidos; selo Halal, certificação de que o produto atende aos requisitos das leis islâmicas (sharia) quanto à produção, ingredientes e manuseio, exigido para a maioria dos países árabes e muçulmanos; Eu Reciclo, o comprometimento de que a cada produto vendido, uma embalagem é reciclada; e o Produto Orgânico Brasil, também conhecido como selo SisOrg, a garantia de produtos orgânicos no Brasil, concedido pelo MAPA.
“Acreditamos que validar nosso processo de produção por meio destas organizações – que são grandes e credibilizadas – nos ajuda a sermos vistos de outra maneira, no mercado, pelos consumidores. Eles passam a ter mais confiança no nosso produto.”
Outro certificado conquistado pela Mel do Sol é o Selo Alimento Confiável, Programa do Sebrae em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). A iniciativa dá o suporte e reconhecimento para que os estabelecimentos atendam às Boas Práticas de Fabricação e aos requisitos de Segurança de Alimentos.
A gestora do Sebrae, Fernanda de Freitas, explica que a ação surgiu da necessidade dos micro e pequenos empresários implementarem a cultura da produção dos alimentos seguros e confiáveis. Assim, elas recebem direcionamento para se adequarem às exigências e, com o selo, conquistam maior confiança dos consumidores.
“Uma coisa muito importante do Programa é que a gente não trabalha apenas com consultoria. Também temos análises laboratoriais. O estabelecimento passa por todas as adequações às boas práticas de fabricação e também os requisitos de segurança. É um programa que impacta, porque ao final traz um peso maior, um valor agregado ao produto”, afirma a gestora do Sebrae.
Fernanda ainda explica que, para participar do Programa, as empresas já devem possuir os selos do Serviço de Inspeção Municipal (SIM) e o SIF (Federal) e, caso haja dúvidas quanto a todo este processo, basta buscar auxílio da entidade. “É muito importante este tipo de orientação que o Sebrae oferece, principalmente para alguns produtos, que são mais sensíveis no manejo. Ou para garantir a veracidade do que se produz. O nosso selo garante que um especialista verificou todo o processo e está tudo conforme a legislação. Para a indústria do mel, é essencial, por exemplo, para garantir que é mel, e que não houve falsificação”, completa Fernanda.
As avaliações dos participantes da ação do Sebrae são feitas por meio de auditorias baseadas nos procedimentos higiênico-sanitários definidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para obter o selo, o estabelecimento precisa atingir o mínimo de 85% de conformidade na lista de requisitos de qualidade e segurança dos alimentos.
Thaís Santos, coordenadora de Serviço de Tecnologia e Inovação do Senai, acompanhou de perto a Mel do Sol, desde 2022. “Com o programa, através das consultorias técnicas, identificamos os pontos necessários para a melhoria do atendimento aos requisitos legais, revisamos documentos, treinamos os colaboradores nas boas práticas de fabricação dos alimentos e validamos todo o processo de higienização das superfícies e equipamentos.”
No ano de 2024, 38 empresas foram atendidas pelo Programa. A Mel do Sol participou da ação nos anos de 2022 e 2023 e, pelo segundo ano consecutivo, foi uma das únicas a conquistar o Selo Alimento Confiável. Leo indica que outros empresários busquem este tipo de apoio, até mesmo quem tem poucos recursos financeiros.
Afinal de contas, o Sebrae oferece 70% de subsídio, que funciona como uma espécie de desconto. Assim, a empresa desembolsa apenas 30% do valor total. As inscrições para o Programa estão abertas e podem ser feitas no site https://vitrine.sebraego.com.br/inscricao-programa-alimento-confiavel/.
“[O Programa] É um caminho muito bom para quem produz mel, mesmo quando não se tem muitos recursos financeiros de publicidade. É possível transmitir uma credibilidade para o consumidor. O consumidor está cansado de publicidade vazia. Quando se tem organizações [como o Sebrae] que dão essa credibilidade publicamente, é um reconhecimento de todo trabalho, investimento. Do esforço que estamos fazendo. Quando se recebe um selo deste, significa que alguém está reconhecendo este esforço”, finaliza o empresário.
A IMPORTÂNCIA DAS ABELHAS PARA A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS E A VIDA NA TERRA
As abelhas são essenciais para a manutenção da biodiversidade, ou seja, da quantidade de vida existente no planeta Terra, principalmente devido ao processo de polinização. A polinização é a reprodução das plantas, com a transferência do pólen da parte masculina para a parte feminina da planta. E as abelhas são importantes agentes nessa transferência.
Contudo, a polinização por abelhas fica comprometida, principalmente com o uso de pesticidas e agrotóxicos. Estes químicos são letais para os pequenos insetos. Além disso, o desmatamento desenfreado tem feito com que elas se desloquem para as cidades e acabem morrendo.
“As abelhas são responsáveis pela vida na Terra porque são elas que fazem a polinização, que é a reprodução das plantas. Sem as plantas, a gente não tem os frutos. Sem os frutos não tem os animais que se alimentam desses frutos. Sem esses animais a gente também não tem os animais que se alimentam desses animais.”
A fala é de Gisana Cristina, doutoranda em qualidade do mel e especialista na preservação de abelhas e técnica na escola de Agronomia da Universidade Federal de Goiás (UFG). Ela explica que uma das formas de polinização existentes é a chamada polinização assistida: uma coexistência entre as monoculturas e as abelhas. Assim, os apicultores deslocam as caixas onde criam os enxames para um local próximo das plantações. O resultado é que as abelhas contribuem eficientemente com a reprodução da plantação próxima a qual moram.
Gisana também é idealizadora do Epiagro UFG, espaço voltado para educação ambiental e importância das abelhas. Ela explica que estudos da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) apontam benefícios tanto para as plantações quanto para a produção de mel. De acordo com a pesquisadora, notou-se que o peso final do fruto aumenta quando há a polinização assistida. E não somente isso: a qualidade do produto final também tem melhorias. “A saca do café, por exemplo, tem acréscimo de mais de 16% o peso. E a nota sensorial da bebida aumenta em 2 pontos.”
Contudo, nem tudo são flores na coexistência entre o trabalho dos enxames e as monoculturas no interior de Goiás. Na região do Vale do São Patrício, Lino lamenta que tem sido obrigado a desistir desta prática em prol da existência de suas criações. Ele conta que a decisão tem sido tomada depois de perder muitos animais devido ao uso indiscriminado de pesticidas e agrotóxicos nas lavouras.
O apicultor e empresário ainda explica que, para que a polinização cruzada dê certo, é necessário que os produtores rurais evitem a pulverização nos horários em que as abelhas estão colhendo o néctar, ou seja, durante todo o dia. Assim, o período noturno, quando elas retornam para as caixas, seria ideal para o uso. Contudo, não é o que acontece.
“Seria possível trabalhar em conjunto para produzirmos toneladas de mel: lavoura, pecuária e floresta junto. Isso se eles respeitassem o horário de pulverização e tivessem mais consciência e respeito às abelhas. É uma oportunidade de fazer polinização e produzir esse complemento alimentar com propriedades tão importantes para nós”, afirma.